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DIREITO AO ABORTO | Façamos como as argentinas: lutar pela legalização do aborto no Brasil

Declaração do grupo de mulheres Pão e Rosas sobre a luta pela legalização do aborto no Brasil a partir do grande exemplo na Argentina.

Pão e Rosas@Pao_e_Rosas

segunda-feira 16 de julho de 2018 | Edição do dia

Nos últimos meses, uma luta histórica toma as ruas na Argentina. Uma “maré verde”, que se transformou em um verdadeiro tsunami, obrigou a câmara dos deputados da Argentina a votar a favor da legalização do aborto, mostrando que é nas ruas e com mobilizações que esse direito elementar será conquistado. Agora essa batalha segue em curso e a mobilização terá que ser massiva para obrigar que o Senado também vote a favor da legalização no próximo dia 8 de agosto.

No Brasil precisamos nos apoiar nesse exemplo, de centenas de milhares de pessoas, mulheres e homens que puderam arrancar essa votação dos deputados com sua persistência e decisão. Essa é uma grande oportunidade para construir em nosso país uma enorme batalha para que seja garantido o direito ao aborto legal, seguro e gratuito.

O aborto clandestino é a 5* causa de morte materna no Brasil. São milhares de mulheres que praticam o procedimento todos os anos em nosso país, de acordo com dados estatísticos cerca de meio milhão de mulheres fazem aborto por ano. São 1300 mulheres por dia, sendo 57 por hora. Todas as mulheres fazem o aborto na clandestinidade e, apesar de ser um procedimento cirúrgico simples, por ser proibido, é feito de forma precária, sem condições de higiene e segurança e por isso são milhares de mulheres que morrem na tentativa de abortar. São 4 mulheres por dia que morrem em nosso país, vítimas de aborto clandestino.

Essa situação é ainda mais alarmante para as mulheres trabalhadoras, que não podem pagar uma verdadeira fortuna para fazer o aborto em clínicas particulares e que são humilhadas e criminalizadas nos hospitais públicos, quando precisam recorrer a eles em casos de abortos mal sucedidos. Em clínicas clandestinas, o custo para interromper a gravidez chega a 5 mil reais, as mulheres ricas e inclusive de classe média pagam esse preço e as mulheres pobres, em especial as mulheres negras, pagam com a vida.

Mas o mais chocante é a posição de setores conservadores que se dizem “contra o aborto e em defesa da vida”, mesmo com estatísticas tão alarmantes, a vida das mulheres não importa nada para os políticos da ordem. A chamada “bancada evangélica” quer avançar ainda mais na proibição do aborto e quer sua criminalização até mesmo nos casos em que hoje são assegurados por lei, como abortos por casos de estupro e de fetos anencéfalos.

Essa mesma bancada evangélica que tem peso na Câmara dos Deputados se coloca em defesa da moral, dos bons costumes e da justiça, são os defensores da família tradicional e conservadora, mas estão presentes nas listas de corrupção, improbidade administrativa, abuso de poder, sonegação fiscal e formação de quadrilha. Além disso, estão junto ao Vaticano para definir em termos legais que a única forma de família que pode ser aceita é a “família natural”, ou seja, o casamento entre “marido e mulher”.

A Constituição Brasileira prevê o aborto apenas em casos de estupro, anencefalia do feto ou risco de morte para a mãe. A pena prevista para mulheres que recorrem ao aborto por qualquer outro caso é de 1 a 4 anos de detenção. Pré-candidatos à presidência como Álvaro Dias (PODEMOS), Eymael (PSDC), Geraldo Alckmin (PSDB), Jair Bolsonaro (PSL) e Paulo Rabello de Castro (PSC), defendem o que está na Constituição, portanto são favoráveis à morte de milhares de mulheres todos os anos em decorrência de aborto clandestino, além disso, defendem a criminalização das mulheres que praticarem o aborto.

Todos esses políticos estão envolvidos em enormes escândalos de corrupção, desvio de dinheiro e caixa 2. Jair Bolsonaro se destaca entre eles, pois além de ser conhecido por propagar o racismo, faz apologia ao estupro e acredita que as mulheres devem receber salários menores porque engravidam.

Além deles, Flávio Rocha (PRB) se diz contrário à prática do aborto em qualquer caso e justifica sua posição dizendo que “abortar é um pretexto para aceitar que algumas vidas valem mais que as outras”. Flávio Rocha é dono da Riachuelo e utiliza trabalho escravo. Levy Fidelix (PRTB) defende o aborto apenas em casos de fetos anencéfalos, já deu declarações homofóbicas e se coloca como expoente do pensamento conservador.

Também consta na lista de pré-candidatos, Marina Silva, que em nome de suas convicções religiosas não deixa claro seu posicionamento e defende um plebiscito para discutir a questão, contando, é claro, com o conservadorismo da sociedade brasileira para garantir que esse direito siga sendo negado.

A posição desses políticos é hipócrita e criminosa, falam em favor da vida, mas não defendem a vida das mulheres, dos LGBTs e do conjunto dos trabalhadores. Todos eles fazem parte da leva de golpistas que querem atacar os direitos da classe trabalhadora, aplaudem a reforma trabalhista, que permite que as mulheres trabalhem em condições insalubres mesmo grávidas ou amamentando e estão ansiosos para a aprovação da reforma da previdência.

Os políticos conservadores querem impor que as mulheres não possam decidir sobre seus corpos, fazem isso em defesa da manutenção da opressão e da super exploração da mulher. Exigem que as mulheres sejam mães, mas sem dar nenhuma garantia de vida para as mulheres e seus filhos. Votaram a favor do teto de gastos com serviços públicos, que precarizará ainda mais a saúde e a educação.

Além disso, a bancada religiosa junto aos corruptos e setores conservadores querem impor o Projeto de Lei Escola sem Partido, que alterará a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para “afastar a possibilidade de oferta de disciplinas com conteúdo de ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’ em escolas de todo o país. Querem impedir que a escola seja um espaço vivo e de formação de um pensamento crítico.

O PT que governou por 13 anos, tendo uma mulher à frente nos últimos dois mandatos demonstrou sua covardia, quando Dilma chegou ao governo em base a decretar que o aborto não seria legalizado em carta aos setores religiosos. Em 2013, nomeou Marco Feliciano à comissão de direitos humanos, em troca de acordos que iam sedimentando cada vez mais um obstáculo para a luta das mulheres. O feminismo petista que faz demagogia com ser "popular" através da Marcha Mundial de Mulheres apostava que o Estado poderia ser um aliado das mulheres com Dilma à frente. Nada mais falso. A juventude tomou as ruas contra a Cura Gay e o Estatuto do Nascituro que buscava retroceder os direitos dos LGBT e das mulheres. De lá pra cá, vimos a direita golpista utilizar de todo o machismo para avançar nas reformas, onde sabemos que as mulheres serão mais atingidas.

Lutar pelo direito ao aborto, seguro, gratuito e garantido pelo SUS é lutar pela vida das mulheres em primeiro lugar. Também é parte de uma luta contra o patriarcado que tira de nós o direito de decidir sobre nossos corpos, um direito elementar que para conquistar de forma plena exige uma enorme mobilização e enfrentamento com o Estado e seus políticos da ordem que propagandeiam ritos conservadores e religiosos para que as mulheres sigam reféns da miséria capitalista.

Essa discussão ganha ainda mais importância nesse momento em que a luta das mulheres argentinas impacta toda a América Latina e nesse marco também é preciso questionar a política da esquerda. O PSOL protocolou no ano passado uma ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental) que luta pela descriminalização do aborto, a ADPF pede a retirada dos artigos 124 e 126 do código penal que criminalizam as mulheres que fazem aborto. Esse projeto seria aprovado pelo STF, que foi parte central do golpe institucional em nosso país.

Em primeiro lugar não podemos alimentar nenhuma ilusão na Câmara, no Senado e no judiciário. O direito ao aborto só será conquistado a partir de uma enorme mobilização, por isso se faz necessário transformar o exemplo argentino em um grande ponto de apoio para nossa luta no Brasil.

Além disso, questionamos o PSOL por, na prática, substituir a luta pela legalização do aborto pela descriminalização. Se o aborto deixar de ser crime será um passo importante, porém não impedirá que as mulheres pobres, trabalhadoras, negras sigam morrendo por abortos mal feitos, já que essas mulheres não tem condições financeiras para pagar uma clínica privada.

Devemos lutar para que o aborto não seja crime, mas queremos que seja um direito garantido e que nenhuma mulher morra por aborto clandestino, essa é a reivindicação histórica da luta das mulheres e para que ela seja efetivada é preciso colocar de pé uma grande coordenação nacional de luta pela legalização do aborto. Queremos que o aborto seja lei e essa conquista será imposta pela luta.

O PSOL deveria tomar com centralidade a luta pela legalização do aborto e fazer um chamado aos movimentos de mulheres, movimentos sociais, de direitos humanos, as Católicas pelo Direito de Decidir, as centrais sindicais para formar uma Coordenação Nacional de Luta pela legalização do aborto no Brasil, que seja capaz de transformar a maré verde em um grande tsunami também em nosso país.

Nós do grupo internacional de mulheres Pão e Rosas, estamos na linha de frente na luta pela legalização do aborto na Argentina, junto aos deputados Nicolas Del Caño e Natalhia Seligra Gonzales, além da legisladora Myriam Bregman, do PTS e da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores. Aqui no Brasil faremos parte de todas as iniciativas que possam nos ajudar a avançar em nossos direitos, inclusive a ADPF levantada pelo PSOL, mas não substituiremos o programa da legalização do aborto pela descriminalização. Discutimos em cada local de trabalho e estudo, nos sindicatos e entidades estudantis que precisamos lutar ferozmente pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito.

Nossa luta pela legalização do aborto deve se combinar ao combate contra todos os ataques do governo Temer, exigindo a revogação da PEC 55 que estabelece o corte de gastos nos serviços públicos e também a revogação da Reforma Trabalhista. Lutamos para que o aborto seja gratuito e garantido pelo SUS 100% estatal e sob controle dos trabalhadores e usuários, para que toda mulher possa fazer o aborto em condições seguras e com médicos capacitados.

A aprovação da PEC 55 assim como a aprovação da Reforma Trabalhista e os ajustes dos governos (também na época do PT) servem para descontar a crise financeira internacional sobre os trabalhadores e a juventude e também recai sobre nós mulheres. Isso tudo a serviço de pagar a dívida pública, uma dívida ilegal, ilegítima e fraudulenta que enriquece os grandes bancos às custas de cortes e ataques aos trabalhadores.

Lutamos contra as medidas que querem impor os conservadores que proíbam a discussão de gênero e sexualidade nas escolas e exigimos educação sexual para decidir, anticoncepcionais gratuitos para não engravidar e aborto legal, seguro e gratuito para não morrer. Este é o chamado que o Pão e Rosas Brasil faz a todas as trabalhadoras e trabalhadores e a juventude: façamos como as argentinas!




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