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Frederico de Almeida: "O PT acabou favorecendo forças policiais e militares que estariam na ascensão da nova direita"

Redação

Frederico de Almeida: "O PT acabou favorecendo forças policiais e militares que estariam na ascensão da nova direita"

Redação

Entrevistamos Frederico de Almeida, professor do Departamento de Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (IFCH-Unicamp), onde também é pesquisador do Centro de Estudos Internacionais e Política Contemporânea (CEIPOC) e coordenador do Laboratório de Estudos de Política e Criminologia (PolCrim). Diante da chacina no Guarujá, o PolCrim publicou esta nota. Concedida a Vitória Camargo, mestranda em Sociologia na Unicamp e do Ideias de Esquerda, esta entrevista aborda temas como a violência policial de Tarcísio, a chamada guerra às drogas, e o papel do Judiciário e dos governos petistas no fortalecimento das forças policiais e militares. Tratamos desses temas em uma semana marcada por assassinatos de crianças no Rio de Janeiro, como Thiago, de 13 anos, e Eloá, de 5 anos, fruto da violência policial.

1- Na última semana, ocorreram chacinas policiais em diferentes estados brasileiros, como em São Paulo, na Bahia e no Rio de Janeiro. Em São Paulo, governado pela extrema direita de Tarcísio, o fato ocorreu no Guarujá, com a Operação Escudo, resultando em 16 mortes oficialmente. Em nota do PolCrim, vocês defendem o fim dessa Operação e relacionam a gestão Tarcísio ao aumento da letalidade policial. Por quê?

Quando começamos a redigir a nota, a Operação já tinha dois dias e pelo menos 12 mortos. Quando terminamos a redação, já eram 16 e todas as características eram de uma chacina por vingança pela morte de um policial. Porém, ao contrário de chacinas feitas por grupos de extermínio clandestinos em espaços curtos de tempo, tratava-se de uma operação oficial que prosseguia respaldada pelo discurso oficial do governador e do secretário de segurança pública. Por isso pedimos a suspensão imediata da Operação, assim como fizeram movimentos sociais e organizações de direitos humanos, pois é muito difícil manter qualquer possibilidade de controle externo de uma operação como essa enquanto ela está em andamento, legitimada pelo seu caráter oficial e pelo discurso do governo. Ambos, Tarcísio e Derrite, são políticos da extrema-direita, vindos de corporações militares, cujas carreiras foram feitas na esteira do bolsonarismo, do elogio da violência de Estado e na crítica aos direitos humanos. Poucos dias antes da chacina, dados oficiais demonstravam que a letalidade policial havia aumentado nos poucos meses da nova gestão estadual, mesmo com a implementação de câmeras corporais nos policiais. É importante lembrar que logo no início do novo governo, Derrite havia anunciado a intenção de rever essa forma de controle da atividade policial, e recuou por pressões externas. Depois descobrimos que a operação na Baixada Santista burlou explicitamente a exigência de uso das câmeras corporais.

2- Por sua vez, quando se trata da Bahia, estamos falando de um estado governado pelo PT desde 2007. Esse estado apresenta a maior letalidade policial do país, em números absolutos, com 1464 mortes em 2022. Como você avalia a política petista em relação ao recrudescimento da violência policial nesse estado?

O caso da Bahia é bastante preocupante, e chama a atenção por ser um governo petista. Nos anos 90, dizia-se que o PT não tinha projeto para a segurança pública, devido às suas origens na oposição ao regime militar e à crítica à violência de Estado. Conforme o partido ganhou eleições para o executivo em diferentes níveis, desenvolveu uma expertise em políticas de segurança formuladas e implementadas por cientistas sociais, advogados e militantes de direitos humanos ligados ao partido, com o objetivo de construir uma "segurança pública democrática". No primeiro governo Lula essas experiências locais permitiram que a Secretaria Nacional de Segurança Pública tivesse, num primeiro momento, um direcionamento para reformas da polícia e do sistema de justiça, apostando em qualificação do trabalho policial, estratégias de prevenção à violência e políticas de direitos humanos. Contudo, essas iniciativas encontraram muitas resistências corporativas e federativas, pois a segurança pública tem uma estrutura constitucional muito baseada nas polícias, ministérios públicos e judiciários estaduais. Em determinado momento, o governo Lula cedeu e se acomodou em relação a essas resistências, mantendo o modelo policial militarizado intacto, mas buscando incrementar o funcionamento da justiça com medidas laterais de prevenção da violência e promoção de direitos. Em um segundo momento, criou estruturas federais que suplementaram e reforçaram a lógica policial militarizada de "combate" ao crime, com a criação da Força Nacional de Segurança Pública, o emprego regular de Operações de Garantia de Lei e Ordem, e o sistema penitenciário federal, composto por presídios de segurança penal e uma polícia e um serviço de inteligência próprios. Ainda assim, o que chama a atenção no caso da Bahia é o discurso dos dirigentes petistas, que não se diferencia muito daqueles expressos pelos tucanos paulistas ou pelo bolsonaristas. Quando houve a chacina da Cabula, em 2015, o então governador do estado e atual ministro da Casa Civil Rui Costa elogiou a violência policial e comparou os policiais no "combate ao crime" a artilheiros diante do gol. Agora, logo depois da chacina da Baixada Santista, em São Paulo, a polícia militar da Bahia matou mais de 30 pessoas em poucos dias. A reação do governador Jerônimo Rodrigues foi burocrática e formalista como a de Tarcísio, dizendo que "eventuais" excessos seriam apurados e que seu governo respeita os direitos humanos. Pouco dias depois o governador estava em suas redes sociais anunciando o reforço do policiamento com mais homens e viaturas. E é preciso ainda lembrar o fato de que estamos falando de um estado com população majoritariamente negra, com um histórico de racismo e violência contra essa população.

3- Na última semana, esteve em debate no STF a descriminalização do porte de maconha. Qual relação você vê entre a repressão estatal, com claro teor racista no Brasil, e a criminalização das drogas?

Juntamente com crimes patrimoniais, prisões por tráfico de drogas são um dos principais vetores do crescimento vertiginoso do encarceramento no Brasil, que afeta os mesmos alvos da letalidade policial: homens jovens, negros, pobres e de baixa escolaridade. No caso do encarceramento feminino, o tráfico de drogas é a principal causa de encarceramento. Mais do que isso, em geral são prisões em flagrante, cujo registro e validação pelo sistema de justiça criminal se baseia exclusivamente no testemunho dos policiais responsáveis pela prisão. Ou seja: a discricionariedade policial, quando não mata, encarcera, e afeta especialmente a população negra. Descriminalizar as drogas é um passo fundamental, mas esse passo tem que ser mais ousado do que o STF sinaliza até agora, pois deveria ir além da maconha.

4- O Brasil tem uma das maiores populações carcerárias do mundo, enquanto 35% dos presos no país ainda não foram nem mesmo julgados. Ao mesmo tempo, desde o golpe de 2016, vimos um aprofundamento do papel do Poder Judiciário sobre os rumos do país. Qual o papel das instituições do Judiciário no que tange à criminalização da juventude?

Quando a gente fala em segurança pública e violência de Estado, pensamos imediatamente em polícias, e em segundo lugar em presídios. Mas entre a prisão pela polícia e o encarceramento das pessoas presas há o poder Judiciário e o Ministério Público. As prisões em flagrante baseadas exclusivamente em testemunho policial militar passam pelas mãos de promotores de justiça e juízes sem maiores questionamentos. As audiências de custódia mudaram um pouco esse cenário, mas elas não dão conta de lidar, por exemplo, com a violência policial denunciada pelos réus presos perante juízes e promotores naquelas audiências. Além disso, Judiciário e Ministério Público são incapazes de responsabilizar o Estado pela violência cometida por seus agentes. No caso do Ministério Público, é preciso lembrar que é uma instituição com atribuição constitucional para exercer o controle externo da atividade policial. O que vimos nos últimos anos com a Lava Jato e as decisões casuísticas do STF orientadas pela "opinião pública" foi apenas uma projeção, em outro espaço político e social, do tipo de atuação arbitrária e seletiva que caracteriza o funcionamento regular da polícia e da justiça em relação à juventude trabalhadora, negra e periférica.

5- Algumas das marcas dos governos do PT em relação às forças repressivas foram a ocupação do Haiti com a Minustah, chefiada pelo general Heleno, as Unidades da Polícia Pacificadora (UPPs) e o uso da GLO. Você traça uma relação entre a militarização da segurança e os protestos de Junho de 2013. Qual é a vinculação entre esses temas e por que essa reflexão é importante em um novo governo Lula?

As GLO existem desde antes do governo Lula, mas foram amplamente usadas por ele em função dos grandes eventos internacionais sediados pelo Brasil naquele período. Isso tem a ver com a estratégia diplomática da inserção internacional do Brasil no governo Lula, que conseguiu trazer para o país reuniões de cúpula de chefes de estado e grandes eventos esportivos, todos eles demandando reforço da segurança com uso das Forças Armadas. Também fez parte dessa estratégia diplomática a modernização das Forças Armadas e seu emprego em missões de paz em outros países, como foi o caso do Haiti. Além disso, por fim, há toda uma expertise securitária que conecta as GLO domésticas e operações como a Minustah, que é o modelo de intervenção humanitária em situações de crise, que caracteriza as missões de paz da ONU e também a atuação da Força Nacional de Segurança Pública. Os protestos de junho de 2013 aconteceram no ano da Copa das Confederações e um ano antes da Copa do Mundo, para os quais já havia toda uma estrutura securitária pensada e em funcionamento. Não por acaso, o governo Dilma ofereceu a Força Nacional de Segurança Pública aos governos do Rio e de São Paulo quando eclodiram os protestos de 2013, e a FNSP e as GLO foram mobilizadas na repressão a protestos que aconteceram em 2014 em cidades-sedes da Copa do Mundo. A Força Nacional de Segurança Pública já vinha sendo usada sistematicamente para conter protestos de trabalhadores da usina de Jirau, em Rondônia, e o complexo da Maré, no Rio de Janeiro, esteve sob ocupação militar por meio de GLO por mais de um ano, desde antes da Copa do Mundo de 2014 até a instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora em 2015. As UPP são um programa do governo do estado do Rio de Janeiro, mas sua instalação não pode ser dissociada da atuação das forças federais de segurança no estado, dos grandes eventos esportivos trazidos pelo governo federal, e da relação entre os governos Lula e Dilma e o governo de Sérgio Cabral no Rio de Janeiro.
Dirigentes e militantes do PT têm muita dificuldade em compreender e aceitar o que aconteceu em 2013, e costumam responsabilizar aqueles protestos pela ascensão da direita, pela operação Lava Jato e pelo governo Bolsonaro. Na verdade, se há alguma coisa que conecta 2013 ao golpe de 2016 e à ascensão de Bolsonaro é o reforço securitário no qual o próprio PT apostou contra movimentos sociais fora de sua órbita e que acabou favorecendo forças policiais e militares que, poucos anos depois, estariam na linha de frente da ascensão da nova direita.

Veja também: PT e bolsonarismo de mãos dadas nas chacinas na Bahia, RJ e SP: a repressão como um pilar do Estado capitalista


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