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Governo Lula e a conciliação no centro da crise indígena, ambiental e com Petrobras

Leandro Lanfredi

Governo Lula e a conciliação no centro da crise indígena, ambiental e com Petrobras

Leandro Lanfredi

Nos últimos dias tivemos uma enxurrada de notícias e decisões do governo Lula e do Congresso. Depois do neoliberal arcabouço fiscal, infindáveis ataques ao MST, veio um tsunami de temas ambientais, dos povos indígenas e de desenvolvimento capitalista que entraram em pauta. Interesses capitalistas (e imperialistas) poderosos digladiam-se. A conciliação de Lula e do PT se espreme tentando se equilibrar, mas sempre para favorecer um lado patronal. Entender o que está em jogo é crucial para uma crítica superadora por parte dos comunistas.

Faltam poucos dias para o governo Lula alcançar a marca de 150 dias. O lema do governo “União e Reconstrução” começa a mostrar seus primeiros furos no apertado bote da conciliação em uma situação sem expressivo crescimento econômico. O neoliberal arcabouço fiscal encontra louvações de Wall Street e Bovespa porém críticas na juventude, funcionalismo e particularmente nos trabalhadores da educação, mesmo que a CUT e centrais sindicais (que compõem o governo) se esforcem em abençoar um ataque muito superior a Lei de Responsabilidade Fiscal de FHC.

O mesmo ir à superfície das contradições da conciliação se expressa no esforço internacional em mostrar uma agenda ambiental e defesa de povos indígenas versus as votações do governo e do PT, todo esvaziamento de responsabilidades dos ministérios do Meio Ambiente e Povos Indígenas pelo Congresso (sem relevante crítica do governo) para reforçar atribuições de pastas nas mãos do Centrão e motivou uma reunião ministerial de Lula para aparar arestas ou apagar incêndios no dia 25. Tudo isso se soma à crise instalada no tema “Petrobras versus Ibama”.

Nem mesmo na nomenclatura das crises há acordo. Lula twittou que é só política, não é crise. Na mídia tipo Globo parece um incêndio inédito. A disputa petrolífera na Amazônia e Amapá tem até nomes diferentes. A Petrobras chama a região pivô de discussões de “Margem Equatorial”, a grande mídia alinhada a outros interesses capitalistas, chama de “Foz do Amazonas”. Precisamos entender os casos, os interesses em jogo e os posicionamentos de setores capitalistas, do governo e do PT em cada caso para fazer uma crítica superadora.

Impulsione o agronegócio, salve a Amazônia, desmate a Mata Atlântica, ataque os povos indígenas – uma equação que não tem como fechar

As relações do PT e Lula com o agronegócio não andam com o rendimento que o governo gostaria. Os mais de quatrocentos bilhões de reais do Plano Safra (financiamento público ao campo, a maior parte dirigido ao latifúndio e aos milionários), a comitiva à China recheada de setores do PIB do Agronegócio, não conseguiram aplacar a sede de lucros fáceis (a qualquer custo) que uma parcela desta patronal tem. Para uma parcela do agronegócio seus interesses são melhores representados por Bolsonaro e sua agenda de destruição de qualquer direito trabalhista, indígena, quilombola e qualquer controle ambiental. Expressão deste ruído nas relações governo-agronegócio aconteceu no desconvite ao ministro Fávaro à maior feira do setor (Agrishow) em Ribeirão Preto (SP), mas onde estiveram Bolsonaro e o governador Tarcísio.

A força econômica e política do poderoso agronegócio brasileiro pesa no Congresso Nacional e sua maneira de desgastar o governo foi a criação da reacionária CPI do MST para avançar na criminalização do movimento. O ataque aos movimentos sociais não é um movimento externo ao governo.O ministro defensor dos latifundiários Fávaro comparou o MST aos golpistas de 8 janeiro , encontrando eco no ministro Padilha (do PT!), ao que o MST respondeu falando que Fávaro era “competente” e tinha sido “infeliz”. Alckmin retribuiu com uma visita a feira do movimento e a paz com a direção do MST está selada, mas com o agronegócio não. Daí uma série de movimentos recentes do PT e do governo.

Repetindo a mesma conciliação de governos passados do PT, que empoderaram os golpistas no campo e seus representantes, o partido de Lula tenta calar o movimento dos de “baixo” no campo (com repetida subserviência da direção do MST) e encontrar atalhos para ter amigos nos “de cima” no campo. Os atalhos de antes eram ter algum latifundiário amigo (Blaggi, depois Kátia Abreu, agora Fávaro e Tebet) dar muito dinheiro (plano Safra) e votar medidas que agradem os interesses reacionários. Uma delas é a urgência do trâmite legislativo do Projeto de Lei (PL) 490 do marco temporal.

Este PL significa um sinal verde para cada interesse capitalista no país em detrimento dos povos indígenas e seus direitos. Cada povo indígena precisaria comprovar estar em determinada terra em 1988 para ter direito a pleitear determinada terra (ou mesmo para regularizar onde já está), naturalizando todas as pressões do garimpo, do agronegócio, da mineração, de obras que os expulsaram e expulsam. Assim não haveriam novas terras indígenas e mesmo algumas atuais poderiam dar lugar a agronegócio, mineração, petróleo. O trator, a boiada podem passar livremente bem ao sabor de um governo Bolsonaro.

O que fez o governo Lula diante de tamanho reacionarismo? Liberou a bancada. Cada membro e partido do governo votaria como quisesse. Quem defendeu isso? O líder do governo, deputado do PT. O PT, PV, PCdoB, PSOL e Rede não votaram a favor. Mas são parte de um governo que liberou para votar “com sua consciência” (e bolso) nesse retrocesso que nenhuma medida simbólica apaga.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann diz que farão “pressão” para que este PL não seja aprovado. A pressão seria feita como? Com quantos bilhões a mais pro Plano Safra? Ou seria com um quid pro quo desmatando a Mata Atlântica? No mesmo dia a Câmara votou uma relatório em uma MP de Bolsonaro que permite que obras de saneamento, gasodutos ou linhas elétricas na Mata Atlântica sejam feitas sem licenciamento ambiental e sem qualquer compensação ambiental. E o que fez o PT nessa votação? Liberou a bancada de sua rede com PCdoB e PV e deu 34 votos para os desmatadores. Eis uma boa maneira de fazer pressão.

Quem ganha com isso? Empresas imperialistas que controlam os gasodutos brasileiros (foram privatizados no governo Bolsonaro), beneficiando a gigante francesa Engie (segunda maior empresa de energia do mundo) que controla no Brasil a TAG, e outra parte com o fundo bilionário canadense Brookfield que controla a NTS. Quem também ganha? Empresas imperialistas que controlam as empresas de distribuição de energia (privatizadas em múltiplos governos) e as empresas de águas que também estão sendo ou foram privatizadas. E mais, fica o precedente, se na Mata Atlântica que é um bioma dos mais em risco no país isso é possível porque não avançar mais no Cerrado, no Pantanal, na Amazônia?

Fingindo que o problema não é “em casa”, no governo e mesmo no PT com seus 34 votos pró-desmatamento Gleisi Hoffmann culpa a direita e promete um veto de Lula, omitindo que seria um veto contra seu governo e parte expressiva da bancada de seu próprio partido.

Um hipotético veto de Lula ou uma arbitração do STF como ela sugere poderia acontecer se além do desgaste interno do PT e do governo Lula essa série de medidas pró-desmatamento e anti-indígenas e anti-ambientais colocarem em xeque o discurso internacional de Lula de “Brasil voltou” que tenta atrair bilhões imperialistas e vender a imagem de controle ambiental, algo bem ao sabor de Biden e Macron e de um capitalismo supostamente verde.

A política externa de Lula tenta se equilibrar entre uma dupla dependência da China e EUA como mostra André Barbieri neste artigo e atuar nos interstícios do que essas dependências permitem, por exemplo com muito agronegócio e mineração pró-China e discurso ambiental por outro lado (entre vários outros duplos). No marco de uma situação internacional onde há maiores tendências a “corrida de velocidades” de potências por predomínio de influências como argumentamos nesta matéria a possibilidade de conciliar nacional e internacionalmente esses interesses divergentes encolhe.

A jangada da conciliação sofre. Não há como discursar em Washington ou Davos “salve a Amazônia” e desmatar a Mata Atlântica, ou agradar tanto as empresas imperialistas que querem a preservação como aquelas que querem o desmatamento. Não há conciliação entre essas gigantes imperialistas, o agronegócio e os povos indígenas, da mesma forma que também não são conciliáveis os interesses rentistas da dívida pública agradados com o Arcabouço Fiscal e as necessidades da juventude e dos trabalhadores de mais verbas para educação, saúde.

O imbróglio do petróleo na Foz do Amazonas ou na chamada Margem Equatorial

Os estreitos limites de conciliar interesses capitalistas contraditórios também se expressam com tudo na discussão sobre a exploração da Foz do Amazonas/Margem Equatorial, e com especial destaque por se tratar da Petrobras e do tema mundialmente sensível da Amazônia. Comecemos por explicar o que é o que está em jogo.

Trata-se de um bloco para exploração na região Amazônica, a 150km da costa brasileira no Amapá, diante de Terras Indígenas e a 500 km da foz do rio, mas dentro de sua área de bacia sedimentar e há cerca de 100km da exploração no Suriname e na Guiana. Qualquer desenvolvimento da produção em larga escala nessa região exigiria uma série de atividades de apoio em Macapá e outras cidades e evidentes e inegáveis impactos na região do Rio Amazonas propriamente dito. É falacioso o discurso desenvolvimentista de meramente falar que está longe da costa e pensar que não haveria impacto, o desastre ambiental da British Petroleum (BP) no golfo do México estava longe da costa, e mesmo sem desastres ambientais ninguém pode falar que a exploração do petróleo na Bacia de Santos e Campos não tem impactos em Macaé, Campos e outras cidades.

Esse bloco é possivelmente uma continuação do mega-bloco Starbroek da Guiana operado pela americana Exxon onde já se comprovou 11 bilhões de barris de petróleo leve e com pouco enxofre (“leve e doce” no jargão petroleiro com 32 graus API, parecido com o pré-sal brasileiro mas “mais doce”) e com o adjacente mega-campo “Bloco 58” no Suriname com mais de 6 bilhões de barris de petróleo de qualidade similar (operado pela americana Apache Corporation e a gigante francesa Total). Na Guiana Francesa onde esses blocos continuariam antes de chegar ao Amapá o governo de Macron não permite novas explorações de petróleo para vender-se “verde” enquanto sua Total lucra no país vizinho e suas gigantes “verdes” Engie (ex-GDF) e a nuclear EDF lucram mundo à fora com tecnologias que podem poluir à vontade mas não são baseadas em petróleo mas podem ser baseadas em outros hidrocarbonetos que emitem um pouco menos gases de efeito estufa em sua queima, o gás natural onde a Engie tem importante participação - inclusive no Brasil.
Possivelmente os blocos brasileiros no Amapá e em toda “Margem Equatorial”, próxima a outros ecossistemas sensíveis como o Rio Parnaíba e outros tenham um potencial similar ao dos países vizinhos e reservas do tamanho do pré-sal das Bacia de Santos.

Ibama X Petrobras

O projeto rejeitado é um de exploração, ou seja um teste em grande escala por 6 meses de viabilidade técnica e econômica que implica grosseiramente falando em levar um ou mais navio-sonda e diversas outras embarcações de apoio para perfurar as rochas em alto-mar e extrair uma imensa quantidade de petróleo para testar sua quantidade e qualidade e testar as melhores técnicas de extração comercial para ele, ou seja, ver a melhor forma capitalista de lucrar com esse bem natural comum. Esse teste de 6 meses seria para um poço, tendo bons resultados neste poço, iria-se realizar o mesmo teste em outros vizinhos. É como se fosse uma produção temporária e móvel de petróleo em determinado lugar.

Essa autorização para o teste de exploração foi negada pelo Ibama, com a Petrobras já tendo suas embarcações à postos para testar, implicando em um prejuízo imediato na desmobilização dos caros equipamentos e equipes. Essa rejeição gerou uma importante crise entre parte do governo Lula e de alguns interesses capitalistas contra Marina (apoiada por outros setores capitalistas).

Os argumentos do Ibama (disponíveis na íntegra aqui, entre outros, seriam da baixa capacidade de resposta em uma emergência como um vazamento, e falta de um estudo do impacto no conjunto da região e, palavras minhas e não do Ibama, respostas grosseiras sobre o impacto social e nos povos indígenas a menos de 10km dos aerodromos que teriam 2 voos por dia, aumentado sua frequência em 3000% e falta de resposta de como seria o manejo da Petrobras da relação das embarcações de apoio com a fauna local. Não responder esse tipo coisa, como não ter estrutura para emergência, qual impacto na fauna e nos povos indígenas é bastante grosseiro e mostra a temeridade do projeto desenhado sob o governo Bolsonaro e continuado sob Lula.

Tratar as sondas em alto mar de forma isolada como quer a direção da Petrobras e seus defensores é conviver com o risco de um desastre como o do golfo do México, ou isolar as plataformas de alto mar ou uma refinaria de um porto na análise produz barbáries como do Porto de Suape na Região Metropolitana de Recife que alterou o mar da região e gerou o notório problema de tubarões da capital pernambucana. Isso sem falar do potencial de impacto na fauna e flora na região amazônica.

A crítica do Ibama é importante salientar é de como explorar, não é de não explorar. Porém sua negativa no processo e não somente um pedido de novos dados e estudos leva a Petrobras a atrasar em meses ou anos o projeto. Quanto antes for explorado esse petróleo, maior rendimento político para o governo Lula (gerando empregos e renda numa região, impostos federais com royalties) e maior rendimento financeiro aos acionistas privados da Petrobras e maior potencial para empresas imperialistas também lucrarem na região. Esse fator tempo tem a ver com uma projeção de que nos próximos anos ainda há tendência de cotação relativamente alta do petróleo.
Vale ressaltar também que a preocupação do Ibama, não somente no parecer - onde possivelmente não caberia - mas em entrevistas de seu presidente nem pondera sobre os riscos ambientais que existem na região com a exploração feita na Guiana e no Suriname a poucas centenas de quilômetros da costa brasileira.

Quais foram as respostas da direção da Petrobras e seus defensores que vão de alguns referentes petroleiros, como Rosângela Buzanelli, representante eleita pelos trabalhadores ao Conselho de Administração, alcançam mídias petistas e o senador Randolfe Rodrigues que era do partido de Marina e se especula que pode migrar ao PT?

Argumentam que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) - agência “pública” que defende os interesses de maior exploração imperialista dos recursos nacionais e preside os leilões de riquezas nacionais - não exigiu esse estudo de impacto em toda a região. Também argumentam que a Petrobras “não tem histórico” de acidentes na exploração, como disse o presidente petista da empresa de capital misto Jean Paul Prates, e que a atividade de exploração era de “risco mínimo” e que a estrutura de resposta a emergências, instalada em Belém do Pará – centenas de quilômetros de distância era melhor do que a estrutura que ela tem em outras áreas.

São absurdas as respostas da direção da Petrobras e seus defensores. Se a estrutura de resposta a emergências no Pré-Sal do sudeste é pior que atender uma emergência de um vazamento a 150km do Oiapoque com uma base em Belém (local sujeito a imensas variações de Maré e que afeta o tráfico marítimo) deveria-se exigir um imediato investimento em infra-estrutura no sudeste e não promover similar barbárie também no Amapá. Se a Petrobras não tem histórico de acidentes na exploração (só na produção e escoamento), não é verdade que essa atividade não tem riscos, o imenso desastre da BP no Golfo do México americano foi justamente nesse tipo de teste de exploração.

Do lado da Petrobras, e de boa parte do governo estão interesses no desenvolvimento capitalista da região (e seus royalties) mas também de mil e uma multinacionais do petróleo ávidas pela exploração de petróleo em toda Margem Equatorial (do Amapá ao Rio Grande do Norte) e que deixaram à Petrobras o ônus de ser o aríete para superar o debate ambiental nesta região ainda não explorada. O presidente da Shell disse com todas as letras que olha com muita “atenção” a decisão e que sua empresa pode depois disso “investir” ali também.

O governo Lula articulou para que a Petrobras apresentasse um novo pedido, talvez com algumas preocupações sociais e ambientais a mais, mas vai se colocar em jogo como fechar essa liberação de exploração sem com isso também jogar pelo ar todo trâmite normal do Ibama. É difícil agradar gregos e troianos e ainda manter a aparência de seguir as regras do jogo.

Marina Silva e sua farsa de um capitalismo sustentável

Detrás de Marina e o incansável discurso verde da Globo News, com notórias ligações com o partido democrata americano, escondem-se interesses capitalistas contrapostos aos que querem as petroleiras e seus defensores, interesses que buscam com toda hipocrisia alternar entre o “Agro é Pop” e “transição verde” como faz a Globo, ou falar de “sustentabilidade” ao lado da Vale de Brumadinho e Mariana como fez a própria Marina Silva no palco das finanças internacionais em Davos, ou defender o capitalismo “verde” de Macron que não tem nada de verde nem humano (vide operações militares na África e a odiosa reforma da previdência via decreto que mobiliza a classe trabalhadora francesa). A ligação de Marina com Macron é tal que ela chega a ser ávida defensora até mesmo no plano eleitoral do líder gaulês.

Transformar Marina em heroína “verde” pela Globo News pode estar conectado com interesses capitalistas nacionais (como dos herdeiros do Itaú que a apoiam como Neca Setubal) e estrangeiros (como do governo Biden) em tentar promover uma terceira via que tenha seu aval. Seu programa é a medida dos interesses capitalistas, e o PSOL antes de virar governo e ter vinculado seu programa ao de Lula e Alckmin já tinha vinculado seu programa com o de Marina em sua federação comum, como argumentado por Diana Assunção aqui.

Não há “transição verde” capitalista

Diante da catástrofe ambiental que já vivemos, gigantes imperialistas tentam desviar a crítica da juventude, de trabalhadores e ambientalistas de uma crítica anticapitalista, revolucionária, comunista, a uma resposta que seria uma “transição verde”: mudar o modelo capitalista atual por um outro. Trata-se de uma proposta de reconversão parcial dos sistemas produtivos ao passo que se intensifica outros aspectos de maior exploração e exploração capitalista. Nessa proposta podem conviver países imperialistas a propagandear suas metas de “emissão zero” apoiando-se na brutal extração de bens comuns em outros países, ou ter gigantes de petróleo propagandeando como agora são “verdes” com investimento em algumas turbinas eólicas.

Para se aprofundar nestas críticas que aqui trazemos sumariamente sugerimos a leitura da declaração da Fração Trotskista Quarta Internacional “O capitalismo destrói o planeta, destruamos o capitalismo”

Em uma ala “esquerda” dessa “transição verde” formula-se um plano de “Green New Deal” como às vezes dizem alas da esquerda democrata apoiadora de Biden, como o DSA e seu jornal “Jacobin”, reivindicado por correntes do PSOL brasileiro, entre elas o Resistência. Nessa visão procura-se um investimento das multinacionais e dos Estados imperialistas para gerar empregos substituindo toda a matriz de produção de energia por uma renovável, trabalhando com dois devaneios, um que estas multinacionais abandonariam seus lucros baseados em uma busca crescente de apropriação dos bens naturais comuns em prol de seus lucros e da abstração de como se poderia realizar isso sem uma brutal extração de recursos - como lítio entre outros - de países semi-coloniais.

Uma das pedras de toque das visões de “transição verde” ou mesmo de alas como o “Green New Deal” seria o “abandono” do uso de combustíveis fósseis em prol de outras matrizes energéticas. Sob o capitalismo trata-se de uma tremenda falácia.

Há numerosos estudos como a produção de baterias elétricas nos carros seria um processo muito poluente e que a “compensação” carro elétrico X combustível não é viável do ponto de vista ambiental, ainda continuaria uma curva de crescimento de emissões de efeito estufa que seguiria o aquecimento global mesmo que em um ritmo menor. Um instituto nacional de pesquisa de Chicago, citado pela Reuters, demonstra que nos EUA (dada sua matriz de geração de eletricidade) um carro elétrico só passa a ser menos poluente que um a combustível depois de 21.750km, de 126.655km na China (dada sua matriz mais dependente do carvão) ou na campeã verde Noruega onde ocorreria em “somente” 13.518km. Outros estudos apontam que a substituição da frota mundial de carros particulares a combustão por elétricos diminuiria as emissões globais de gases estufa em meros 1%.

O problema dos carros elétricos como “panaceia” verde capitalista é que naturaliza o transporte individual, a destruição ambiental que é a forma capitalista predatória de extrair o lítio, o cobre, as terras raras,e não enfrenta o problema de como se obteve a energia elétrica que abastece esse carro. Há um forte investimento capitalista atualmente em energia eólica e solar, no entanto o grosso da produção energética na maior parte do mundo é baseada em queima de algum combustível (com exceções como Brasil e Noruega com hidroelétrica e França com nuclear) e está acontecendo um processo de redução da pegada de carbono trocando o combustível fóssil, do carvão pelo gás natural. Esse hidrocarboneto pode ser extraído das formas “tradicionais” como a defendida pela Petrobras no Amapá ou com a muito poluente forma do fraturamento hidráulico (fracking) praticada nos EUA e na Argentina.

Não é possível enfrentar seriamente o problema da “emergência climática” só na substituição do tipo de combustível do carro individual. Não há como reduzir drasticamente as emissões sem enfrentar algumas outras questões com a produção de energia elétrica do país, a falta de adequada rede de transporte público de qualidade (que tem uma pegada de carbono per capita menor), a falta de substituição de combustíveis fósseis no transporte marítimo e áereo que são muito poluentes, a irracionalidade do uso das terras e poluição gerada por rebanhos animais para abate que produzem imensas quantidades de metano, um gás que produz ainda mais efeito estufa que o gás carbônico, o uso de plásticos, a obsolescência programada de mercadorias, o desperdício capitalista, e um longo etc. Ou seja, não há como enfrentar o problema com a seriedade que a emergência climática demanda sem enfrentar uma série de interesses e irracionalidades capitalistas que vão da indústria petroleira, à mineração, ao agronegócio, às montadoras à logística e vão além.

Nada disso - é óbvio - vai aparecer na Globo News, mas esse questionamento radical precisa ganhar força nas mãos que podem empenha-lo, a classe trabalhadora e a juventude.

O problema dos combustíveis fósseis e os diferentes usos dados à Petrobras

Os combustíveis fósseis, junto às queimadas do agronegócio na Amazônia e nas florestas tropicais do sudeste asiático, são alguns dos maiores símbolos de como o capitalismo implica em uma relação do homem com a natureza (e portanto consigo mesmo) em prol do lucro de um punhado de multimilionários. Como procuramos argumentar acima, livrar a humanidade de atividades que geram gases de efeito estufa demanda um enfrentamento muito mais radical do que a mera substituição de carros particulares à combustão por elétricos. Está claro que sob o capitalismo haverá ainda longas décadas que ainda teremos uso não só de petróleo e gás mas até mesmo de carvão. Coloca-se a questão do que fazer agora além de fortalecer a resposta radical e mundial ao problema do metabolismo que o capitalismo cria diante da natureza.

Diferentes agências e organismos multinacionais interessados publicam projeções divergentes de como será o panorama energético daqui a algumas décadas, mas todas coincidem que haverá ainda um elevado uso de gás e petróleo. Como as grandes multinacionais pretendem atendê-lo? Através de técnicas de fraturamento hidráulico que geram imensos vazamento de metano (gás inflamável e de efeito estufa) e contaminação dos lençóis freáticos, buscando maximizar seus lucros à custa da natureza como fazem nos EUA e Argentina, ou buscando novos poços com maior rendimento, com petróleo mais leve e com menores custos para produzir derivados com menor teor de enxofre (“doces”). É por isso que o pré-sal brasileiro, a margem equatorial da Guiana, Suriname e do Brasil são tão atrativos, são novas fronteiras produtivas e baratas. Nesse processo, poços antigos são descartados porque são menos lucrativos, gerando novos danos ambientais e obrigando populações a se deslocarem em busca de emprego.

É exatamente isso que a Petrobras fez em todos últimos anos, desde o governo Dilma mas que se acelerou nos governos Temer e Bolsonaro: venda e fechamento de antigos poços terrestres, venda a preço de banana de plataformas da Bacia de Campos (petróleo convencional, não pré-sal) e concentrar investimentos no que dá maior taxa de lucro, um lucro que faz da empresa a segunda maior pagadora de dividendos no mundo (sendo a maior a BHP Billinton, produtora de carvão). Um lucro que vai em 53,94% para ações em Nova Iorque ou a estrangeiros na Bovespa.

Sob o novo governo Lula-Alckmin a maior empresa do país alterou sua política de preços, anunciou investimentos em energia eólica (em parceria com as gigantes francesa Engie e norueguesa Equinor) e seguiu a todo vapor a entrega de bilhões em dividendos (já foram R$25 bilhões só nos três primeiros meses do ano) e seguiu a privatização de campos maduros (Norte Capixaba e Pólo Potiguar-Pirangi).

Se, sob Bolsonaro, tratava-se de passar a boiada, sob Lula trata-se de tentar equilibrar os mesmos lucros advindos de atividade predatória com alguns investimentos marginais (e subordinados econômica e tecnologicamente ao imperialismo) em energia eólica e algumas novas preocupações sociais e ambientais. A conciliação petista também tenta se expressar no plano de negócios da Petrobras, mas o coração da empresa continua o mesmo: pré-sal e lucros para os acionistas. Em algum sentido é a diferença entre o negacionismo e uma conciliação deste com o “capitalismo verde”, ambos submetendo a natureza e o ser humano a seus desígnios pelo lucro.

Não cabe aos trabalhadores e à juventude uma atitude de abençoar as posições predatórias da direção da empresa como fez a representante dos empregados Rosangela Buzanelli ou uma resignação “já que tem que ter petróleo que seja a Petrobras”. É possível e necessário batalhar por uma outra resposta que faça verdadeiramente da Petrobras um símbolo do país e da batalha por uma outra relação entre os seres humanos e destes com a natureza.

Diferente desta representante eleita no conselho de administração, o sindicato petroleiro local, o Sindipetro PA/AM/AP, parte da ala mais crítica do movimento sindical petroleiro, da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) e membro da CSP-Conlutas, diferente de outras alas do movimento sindical, exige maiores medidas de proteção ambiental na produção da margem equatorial e que as riquezas sejam usadas em prol da população brasileira. É preciso dar maior concretude a esse posicionamento para além da defesa de uma Petrobras 100% estatal que é a bandeira da FNP, e dar concretude inclusive no caso da margem equatorial.

Não faz sentido produzir petróleo no Amapá e na Margem Equatorial reproduzindo toda a barbárie que é feita em todo restante do planeta, inclusive pela Petrobras. Quem deve decidir se o petróleo deve ser explorado ali, e como, não devem ser os acionistas da Petrobras ou dirigentes políticos no Lago Sul de Brasília, devem ser os trabalhadores petroleiros, os trabalhadores e a população local elegendo ambientalistas e técnicos nas universidades e os povos indígenas elegendo representantes através dos critérios que eles mesmos decidam. É preciso lutar pelo controle operário junto a técnicos eleitos pela população e representante indígenas desde o nascimento do projeto em um local tão sensível e também em cada novo grande empreendimento.

Esse tipo de bandeira "local" se combina à luta nacional para colocar todo o conjunto desta que é a maior empresa do país à serviço das necessidades de todo povo brasileiro, o que inclui outra relação com a natureza. Respondendo a esta crise com a exigência de uma Petrobras 100% estatal, controlada pelos trabalhadores junto a ambientalistas e técnicos eleitos pela população em universidades e por membros eleitos pelos povos indígenas segundo seus próprios critérios auto-determinados.

Os imensos lucros da Petrobras, ao invés de enriquecerem acionistas privados, deveriam ser imediatamente revertidos em investimentos em ciência e tecnologia (gerando milhares de empregos) para aproveitar melhor os poços maduros, eliminando ou diminuindo o impacto social e ambiental de novos empreendimentos, este lucro deveria ser usado para desenvolver novas tecnologias para uso de energia eólica, solar, de hidrogênio verde, biocombustíveis e melhoria nos processos de refino para produzir combustiveis mais baratos e menos poluentes e romper a subordinação tecnológica ao imperialismo nessas novas áreas de produção.

Ao contrário disso, a Petrobras concentra-se no que dá mais lucro e faz investimentos marginais em renováveis, em parceria e subordinação a interesses capitalistas nas áreas, seja em parcerias com Engie e Equinor na energia éolica ou em parcerias com o agronegócio de soja e milho nos biocombustíveis. A Petrobras Biocombustíveis, ainda listada para possível privatização, tem vasto know-how de produção de biocombustível junto a pequenos produtores, porém o projeto que sempre foi privilegiado em termos materiais nos governos do PT foi a compra de ações ou produção do agronegócio e latifúndio de soja e milho (nos governos de Temer e Bolsonaro abriu-se mão de tudo para que o próprio agronegócio toque a produção e regulamentação do mercado).

Uma empresa com um corpo técnico como o da Petrobras, que conseguiu vencer sozinha desafios tecnológicos como o da produção no pré-sal diversos quilômetros abaixo do mar, poderia, sob administração operária junto a ambientalistas e técnicos eleitos pela população, servir de um grande exemplo nacional e internacional para outra relação com a natureza e uma luta mais profunda contra o conjunto do capitalismo e seu papel na “emergência climática”.

As empresas administradas pelos trabalhadores são pequenas escolas de socialismo para os trabalhadores, e isso também implica uma outra relação entre a humanidade e desta com a natureza. Pequenos exemplos diante do que uma Petrobras administrada pelos trabalhadores poderia fazer, podemos ver na gráfica recuperada pelos trabalhadores na Argentina, Madygraf, e sua reconversão de processos produtivos em discussão com ambientalistas, ou na cerâmica Zanon, também sob controle operário, que mudou completamente a relação com os povos Mapuche da região que tinham suas terras invadidas para extração de matéria prima pelo antigo proprietário.

(Para se aprofundar nestes exemplos e em um diálogo mais profundo sobre o marxismo e a temática ecológica sugerimos o artigo de Juan Duarte sobre o teórico marxista Kohei Saito)

Outro grande exemplo que os trabalhadores poderiam se apoiar é o que fizeram os petroleiros da Total da refinaria de Grandpuits na França, diante da proposta da empresa de fechar a fábrica organizaram uma grande greve que conquistou apoio dos ambientalistas ao defender que ao contrário do fechamento da planta fosse feita sua reconversão para tornar-se uma bio-refinaria. Aprendendo de exemplos internacionais é possível desenvolver uma outra perspectiva oposta à boiada bolsonarista e à conciliação de Lula e do PT.

Uma resposta superadora ao programa do PT e dos capitalistas e a necessidade de uma paralisação nacional já

A conciliação do PT com capitalistas, seus lucros, e seus políticos representantes do agronegócio, da mineração, do rentismo no petróleo, das empresas privatizadas, só alimenta a força desses mesmos setores que vão conseguindo conquistas políticas e econômicas e procuram radicalizar seu programa, suas demandas. Já vimos isso acontecer nos governos anteriores do PT. A conciliação se exerce procurando “aliados” dos setores que nunca são os trabalhadores do campo e das indústrias e sempre são representantes da nata do agronegócio (como Fávaro e Tebet) e votando medidas que agradem os reacionários, como o desmatamento da Mata Atlântica, ou “liberando” a bancada do governo para que diversos partidos que compõem o governo aprovem um histórico ataque aos povos indígenas como o PL 490 do Marco Temporal.

Na disputa envolvendo as atribuições do ministério do Meio Ambiente ou dos Povos Indígenas também se trava uma disputa política para fortalecer os representantes destes mesmos interesses capitalistas que herdam atribuições que são tiradas do meio ambiente e povos indígenas, ou também tiradas da REDE-PSOL para mãos do centrão. Na Petrobras o governo Lula tenta conciliar uma lógica predatória típica das indústrias de petróleo com algumas preocupações sociais e ambientais.

O agente do fortalecimento da direita no governo Lula-Alckmin não é um ator externo ao governo, como querem parlamentares e sindicalistas do PT e do PSOL que culpam o PP pelo arcabouço fiscal acordado com Lula e Haddad, ou Lira pelas votações do Congresso, mas omitem a liberação da bancada do governo e que no caso da autorização para o desmatamento da Mata Atlântica teve 34 substanciais votos do PT. O próprio governo Lula é agente desse fortalecimento do agronegócio e de suas políticas ambiental e socialmente predatórias.

Marina Silva, a Globo e outros falsos defensores dos direitos dos povos indígenas e do meio ambiente, criticam uma medida capitalista em prol de outras. São defensores da Amazônia para depois fecharem os olhos para destruição de outros biomas, defendem um interesse aqui para contradizê-lo alhures, como buscamos demonstrar mesmo que rapidamente.

Confiar que os agentes da destruição ambiental e que um governo de conciliação com esses interesses possa verdadeiramente parar a sangria, ou a passagem da boiada como dizia ministro de Bolsonaro, é esperar o que não vai acontecer e serve somente para fortalecer essa própria direita que capitaliza a passividade construída pelo PT. A direita pode capitalizar isso de três formas: passando as medidas que querem e se fortalecendo materialmente para depois utilizar essa força material em prol de sua força política, fortalecendo-se politicamente através de alas de extrema direita e ultraneoliberais ou através de expressões “renovadas” como uma Marina Silva e o discurso verde de uma Globo que segue dizendo o “Agro é Pop”.

A ausência de resposta dos trabalhadores, da juventude, dos povos indígenas e movimentos sociais a cada uma dessas crises é o que busca o PT através da CUT, UNE e outras expressões nos demais movimentos sociais que, quando muito, se pronunciam contra um aspecto das medidas, mas como regra são refratárias à mobilização. Como é o caso do arcabouço fiscal em que agora a CUT e muitos sindicatos por ela dirigidos só são contrários ao Fundeb estar incluso na medida neoliberal mas o aceitam, ou como na reforma trabalhista que passaram da bandeira da revogação para a da revisão para alteração de algumas cláusula para agora nem mais mencionarem esse ataque de Temer que Lula mantém vivo.

É preciso enfrentar-se com essa política de rapina dos capitalistas e a qual o governo do PT cede ou mesmo ajuda exigindo ações concretas e um plano de lutas para sindicatos, centrais sindicais que passe pela clara defesa de uma urgente paralisação nacional que lute pra trazer abaixo o neoliberal arcabouço fiscal, o PL do Marco Temporal, a CPI do MST e coloque em primeiro plano a aliança de trabalhadores, juventude, povos indígenas e movimentos sociais em defesa da Amazônia, da Mata Atlântica, dos direitos trabalhistas lutando pela revogação das reformas e privatizações.

A luta concreta com uma programa que seja a superação do programa de conciliação do PT abre caminho para que se possa fortalecer uma perspectiva que vá além dos problemas que agora estão em questão e possa apontar à crítica radical do capitalismo, não somente em seus contornos predominantes hoje, mas também em sua alternativa de “transição verde” para abrir caminho a um programa radicalmente anticapitalista e revolucionário, portanto comunista, que coloque em primeiro plano o objetivo de estabelecer uma outra relação da humanidade consigo mesma e com toda natureza que nós mesmos fazemos parte. Sem essas grandes aspirações nos prendemos a miséria do possível, a miséria de culpar a direita por 34 votos do PT em prol do desmatamento da Mata Atlântica e a cada absurdo agora acontecendo sem desenvolver a força material e programática contrária e superadora. A mesma humanidade que desenvolve tecnologias de inteligência artificial, para explorar petróleo no fundo do mar, para colocar seres humanos no espaço pode aspirar a muito mais que ter seu país e mundo destruídos pela irracionalidade capitalista.


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Leandro Lanfredi

Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi
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