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Liberalismo e peronismo: duas ’narrativas’ para apagar a insurgência da classe trabalhadora da história política argentina

Matías Maiello

Emilio Albamonte

Liberalismo e peronismo: duas ’narrativas’ para apagar a insurgência da classe trabalhadora da história política argentina

Matías Maiello

Emilio Albamonte

Nestas linhas, abordamos o papel determinante da insurgência da classe trabalhadora na história política argentina. Fazemos isso com o objetivo de resgatar um ponto de vista para pensar o presente e colocar em perspectiva a importância que a situação atual tem para a esquerda. Embora, para isso, passemos por alguns problemas de estratégia em torno do período iniciado com o Cordobazo e no ascenso da luta de classes nos anos 70, esses serão tratados em particular em um próximo artigo onde aprofundaremos sobre o balanço desse período.

O debate público hoje na Argentina é dominado por dois relatos, um liberal e outro peronista. Ambos têm uma longa história na política nacional. Para o primeiro, o mercado é o sujeito. A partir dessa narrativa, discute-se hoje as melhores formas de explorar as grandes maiorias e favorecer o capital financeiro e as corporações: se basta com a motosserra e o liquidificador, se o ajuste é "sustentável" ou, como diz o FMI, se é necessário melhorar sua "qualidade". O perigo de uma explosão social atua como sujeito tácito, está presente, mas não é mencionado.

Para o relato peronista, por outro lado, o sujeito é o Estado. Ele concede direitos, impulsiona a economia, regula os "excessos do mercado". Esta é uma de suas almas, a outra é a menemista, entre elas há uma áspera disputa em relação a 2027. Agora, se o sujeito é o Estado, resta apenas esperar pelas eleições para recuperar as rédeas do governo, mesmo que seja sobre terra arrasada. Lutar apenas o mínimo necessário, aguentar o máximo possível. "Desensillar hasta que aclare" [“perseverar até que a situação melhore” é a tradução que mais se aproxima do sentido atribuído, NdT], como dizia o General.

Mas se há algo com o que ambos os relatos, liberal e peronista, concordam, é em tentar apagar do debate o papel crucial da ação independente da classe trabalhadora e do movimento de massas na história nacional. É lógico que tentem fazer isso: é aí que reside a única alternativa para o presente diante do plano de guerra de Milei e da resignação proposta pelo peronismo.

Indo além dos "relatos" liberal e peronista

Uma longa história mostra a ação da classe trabalhadora e do movimento de massas como elemento determinante em cada um dos ciclos da política argentina. Ela remonta ao século XIX, desde as primeiras ondas de greves na década de 1880 até a greve geral de 9 dias em 1909 (a "semana vermelha") e as lutas do centenário em 1910. Um movimento operário majoritariamente anarquista e socialista que enfrentou a repressão sistemática, detenções e deportações daquele regime conservador tão desejado por Milei. Já no século XX, esse movimento operário protagonizaria grandes combates durante o governo radical de Yrigoyen. A greve geral de 1919 na Cidade de Buenos Aires, conhecida como a semana trágica, as greves dos lenhadores da La Forestal (1920-21), os levantes dos peões rurais na Patagônia (1920-22). Na década infame, seria a grande greve dos trabalhadores da construção civil de 1936, de 96 dias, que resultou em uma greve geral com piquetes, barricadas e mobilizações, e conseguiu dobrar o braço da ditadura de Justo. Essa história de grandes batalhas, algumas vitoriosas, outras brutalmente derrotadas, precede em muito o peronismo [1].

Foi precisamente essa emergência da classe trabalhadora que obrigou a modificar a estrutura política de dominação estatal que, com suas diferenças, pode ser rastreada até os dias de hoje. Foi um fenômeno internacional. Como disse Gramsci: "os elementos sociais de nova formação, que anteriormente não tinham ’vela nesse enterro’ [...] ao se unirem, modificam por si só a estrutura política da sociedade". Ele estava se referindo à classe trabalhadora. A resposta foi a constituição de um Estado ampliado através do qual a burguesia iria além da espera passiva pelo consenso das maiorias, como podia fazer o Estado liberal clássico, e desenvolveria uma série de mecanismos para organizá-lo (acordos coletivos, instituições paritárias trabalhador-patrão, legislação sobre como deve ser a organização trabalhista, regulamentação do direito de greve, etc.). O principal foi a estatização das organizações de massa e a consolidação das burocracias em seu interior. Na Argentina, esse processo se consolidou com o primeiro peronismo (1946-1955).

Se olharmos para a história, veremos também que o tipo de plano representado por Milei não é uma novidade. É a quinta tentativa de reestruturar o país em torno do capital financeiro. A primeira foi após a deposição de Perón em 1955 e foi interrompida devido à ampla resistência operária (conhecida como "resistência peronista"), que culminou na greve geral de 1959. A segunda veio com Onganía a partir de 1966, e foi abortada ao encontrar o ciclo de semi-insurreições que se desenvolveu desde o final da década de 1960, cujo símbolo foi o Cordobazo. A terceira foi encarnada pela ditadura genocida de 1976, que, embora tenha caído por suas próprias contradições internas, foi alimentada tanto pelo movimento democrático quanto pelos eventos da luta de classes, especialmente a partir de 1979, cujo ponto culminante foi a greve geral com mobilizações e confrontos que ocorreu em março de 1982. Finalmente, a Junta iniciaria a aventura de declarar guerra ao sistema de Yalta com as Malvinas, cuja derrota marcaria o início do fim da ditadura. A democracia surgida da derrota, baseada em uma submissão redobrada do país ao imperialismo, seria o cenário da quarta tentativa de reestruturar o país encarnada pelo menemismo e continuada pela Aliança, que terminaria nos dias revolucionários de dezembro de 2001 e o helicóptero.

Essas sucessivas tentativas de reestruturar o país, embora estrategicamente truncadas em grande parte devido à ação do movimento de massas, não foram inócuas, elas arrancaram nacos da classe trabalhadora e agravaram a submissão ao imperialismo.

O período do Cordobazo: nosso "1905"

Como disse Walter Benjamin em suas teses "Sobre o conceito de história", as classes dominantes são as herdeiras de todos os que venceram uma vez, e buscam que a outra parte da história não seja contada, principalmente porque isso pode trazer problemas ao presente. Se escovamos a história a contrapelo, encontraremos um dos pontos mais altos da rica história da classe trabalhadora argentina no Cordobazo e no ciclo de semi-insurreições no interior do país, que ocorreu entre 1969 e 1972. De certa forma, para a história da classe trabalhadora argentina, tem um significado semelhante ao que a Revolução de 1905 teve para a classe trabalhadora russa. Uma espécie de "ensaio geral", muito mais prolongado no tempo e, portanto, com uma série de diferenças (contexto internacional, estrutura da classe trabalhadora, da burguesia, dos sindicatos, etc.). No entanto, essas diferenças não nos impedem, parafraseando Benjamin, de recuperar esses eventos para o presente, assim como eles brilham nos momentos de perigo para alimentar a imaginação política em termos revolucionários.

O Cordobazo ocorreu no contexto da greve convocada pela CGT e pela CGT de los Argentinos em maio de 1969. A greve, que em Córdoba duraria 37 horas, foi muito além e adquiriu características de greve geral política. Transformou-se em uma semi-insurreição que uniu as fábricas automotivas, os metalúrgicos, os trabalhadores de Luz y Fuerza e o conjunto do proletariado cordobês com um movimento estudantil combativo sob as bandeiras da unidade operário-estudantil. Juntos, marcharam para o centro da cidade e enfrentaram com sucesso a repressão policial. Ao saberem da notícia do assassinato de Máximo Mena, a rebelião tomou a cidade e desencadeou uma guerra de guerrilhas urbana, com barricadas por toda parte e atiradores que obrigaram a polícia a recuar. A cidade ficou nas mãos do movimento. Somente à noite, com a intervenção do Exército, o governo pôde retomar o controle. Não foi um fato isolado: antes disso, ocorreram o Correntinazo e o primeiro Rosariazo; o segundo seria em setembro. Entre 1969 e 1972, o país seria atravessado por toda a série de levantes conhecidos como os "azos": além dos mencionados, o Tucumanazo, o Mendozazo, o Viborazo, o Rocazo, diversas revoltas como as de Casilda e Cipolletti e a grande greve de Neuquén, conhecida como Choconazo [2].

Tanto o Cordobazo quanto o conjunto desses processos marcaram a irrupção violenta de importantes setores do movimento operário, estudantil e de massas na cena política nacional para assumir seus próprios destinos. Expressaram uma profunda tendência à ação histórica independente, não controlada pelo peronismo e sob a influência das diferentes correntes da esquerda marxista. Essas tendências de superação do peronismo foram impulsionadas em grande medida por influências internacionais, sob as quais importantes setores da juventude se radicalizaram, dando origem a uma nova vanguarda. Em primeiro lugar, foi o influxo da Revolução Cubana, mas também o movimento internacional contra a guerra do Vietnã, a luta na Argélia, a Revolução Cultural Chinesa e o prestígio global do pensamento radical e marxista.

Juan Manuel Abal Medina (pai) relata que Perón:

“apontou o Cordobazo como um momento crítico para o peronismo porque pela primeira vez o protesto popular ocorria à margem do movimento e sem uma participação massiva de dirigentes e militantes próprios. Segundo suas informações [...] o mesmo poderia ser dito das ramificações em outras províncias. Ou seja, no início de 1970, o peronismo havia ficado em uma posição difícil, com o protagonismo opositor em outras mãos... (Conocer a Perón. Destierro y regreso).”

A radicalização de setores das massas trabalhadoras e do movimento estudantil ocorreu à margem do peronismo. Além disso, vale ressaltar a influência sobre certas franjas da intelectualidade, como foi o caso do grupo Pasado y Presente, de Aricó e Portantiero, que, impactados pelo Cordobazo, terão seu momento "operário" antes de se unirem aos Montoneros.

Por todos esses elementos, foi um período crucial na história argentina e uma oportunidade inestimável para a esquerda revolucionária. No entanto, nesses anos-chave, predominou a maior das confusões estratégicas na esquerda, onde o guerrilheirismo guevarista, o maoísmo e o "frentepopulismo" de colaboração de classes do Partido Comunista tinham peso, enquanto o trotskismo estava em franca minoria.

Em torno do Cordobazo e do ciclo dos "azos", nenhuma corrente se dedicou a condensar essas tendências de radicalização em comitês de ação, ou seja, em instituições de unificação e coordenação de todos esses setores que entravam em luta. Isso poderia ter fortalecido a perspectiva de constituir conselhos de trabalhadores, estudantes e setores populares como uma alternativa de poder ao Estado burguês, sem os quais seria impossível abrir caminho para uma revolução socialista na Argentina. As estratégias guerrilheiras e frentepopulistas conspiraram contra a construção de um grande partido de trabalhadores com um programa anticapitalista e socialista que fosse uma alternativa ao peronismo, muitas vezes terminando diretamente alinhadas a alguma ala do próprio peronismo. O desperdício dessa grande oportunidade teve um custo elevado no desenvolvimento do conjunto do movimento dos anos 70.

Em 1973, Perón retornou à Argentina e o peronismo foi capaz de retomar o controle do movimento. Ao contrário de Perón em 1945, o de 1973 não veio para cumprir um papel integrador da classe trabalhadora ao Estado, mas sim para restabelecer uma ordem de acordo com os interesses do capital nacional e da negociação com o imperialismo. Foi o Perón anti-Cordobazo, do golpe policial em Córdoba em 1974, da criação da Aliança Anticomunista Argentina, que assassinou entre 1.500 e 2.000 dirigentes e militantes da vanguarda peronista e não peronista. Diante desses ataques sistemáticos, houve uma total ausência de políticas de autodefesa do movimento operário e de parte da esquerda. As correntes guerrilheiras, influenciadas pelo guevarismo e pelo Partido Comunista vietnamita, baseavam suas hipóteses estratégicas na ideia absurda de que os EUA invadiriam o país e, portanto, era necessário se preparar para uma guerra popular prolongada, à moda chinesa. Enquanto isso, os grupos paramilitares da Triple A realizavam seus massacres sistemáticos sem encontrar qualquer tipo de autodefesa de parte das organizações de massas, enquanto os grupos guerrilheiros realizavam ações militares por fora delas.

Em março de 1974, os metalúrgicos de Villa Constitución, com amplo apoio popular, retomaram o espírito dos "azos" e se levantaram contra os patrões, a burocracia e o governo de Perón. Eles conseguiram vencer através de greves, tomadas de reféns, piquetes e mobilização popular. No mês seguinte, convocariam um plenário antiburocrático no qual participaram os setores mais representativos do sindicalismo combativo do país. A proposta correta da corrente dirigida por Nahuel Moreno de criar uma coordenação nacional esbarrou na oposição conjunta da liderança piccininista de Villa Constitución, de Tosco, de Salamanca, do ERP, da esquerda peronista (JP) e do PC. Essa recusa teve graves consequências. Quando, já falecido Perón, ocorreu o segundo Villazo em março de 1975, os metalúrgicos tiveram que lutar isolados e foram derrotados [3].

Quando, poucos meses depois, em junho-julho de 1975, ocorreram as jornadas contra o Plano Rodrigo e a primeira greve geral política contra um governo peronista, as Coordenações Interfabris da Grande Buenos Aires se desenvolveram e ganharam peso. No entanto, nessa época, os processos no interior, incluindo o mais recente de Villa Constitución, já haviam se esgotado sem que instituições de autoorganização tivessem sido estabelecidas para dar continuidade a eles. Também não havia um partido revolucionário que aproveitasse esses anos para construir uma força política capaz de disputar com o peronismo e a burocracia a direção do movimento operário na Grande Buenos Aires. Quanto ao trotskismo, o grande problema, além de questões relacionadas à intervenção concreta, foi que seus principais dirigentes na época, Nahuel Moreno e Jorge Altamira, passaram para a próxima página sem fazer um balanço de fundo do processo e da intervenção da esquerda.

Pode Milei enfrentar uma insurgência de massas?

Apagar essa história em geral e, em particular, aquela do ciclo de semi-insurreições que ocorreram além do peronismo e abriram uma etapa revolucionária na Argentina, tem um sentido político preciso hoje em dia. Reconhecê-la implicaria questionar por que Milei poderia lidar com o movimento de massas de maneira mais eficaz do que aqueles que tentaram reestruturações do país antes dele. Enquanto o governo atual carece de partido, força parlamentar, governadores e apoio popular, três das tentativas anteriores foram realizadas sob ditaduras de diferentes tipos. A quarta não, mas era representada pelo peronismo. A novidade do menemismo foi que ele seguiu este caminho baseado nas ferramentas do Estado ampliado, ou seja, no controle do movimento operário através de sindicatos estatizados e burocratas transformados em empresários. Daí a extensão do plano menemista com De la Rúa que, pela primeira vez na história argentina, resultou na queda de um presidente eleito pelas urnas por meio da ação independente do movimento de massas com a rebelião de dezembro de 2001.

Somente neste contexto poderia ser entendido que o peronismo, que até pouco antes havia sido fanaticamente neoliberal, rapidamente mutasse para um peronismo "progressista" com Néstor Kirchner. Era necessária uma recomposição daquele "Estado ampliado" e isso foi feito com sucesso, expandindo a estatização das organizações de massas dos sindicatos para os movimentos sociais e democráticos. Finalmente, o esgotamento dos ventos favoráveis internacionais que impulsionaram a economia argentina durante uma década marcou o limite intransponível daquela recomposição estatal e, portanto, a decadência do kirchnerismo a partir de 2014.

O governo de Macri poderia ser considerado outra tentativa de reestruturar o país em torno do capital financeiro, mas não decolou o suficiente. Ele foi freado pelas manifestações de dezembro de 2017 contra a reforma da previdência, onde milhares se mobilizaram nas colunas de diferentes sindicatos, com uma presença significativa da esquerda e dos movimentos de trabalhadores informais e desempregados. O peronismo desempenhou um papel central em garantir a governabilidade subsequente, o que resultou em um avanço na submissão do país ao capital financeiro através do FMI. O esforço do peronismo em retirar a política das ruas com o "hay 2019" levou ao governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner, que não fez mais do que prolongar a agonia sem abandonar a agenda do regime do FMI.

No breve panorama que traçamos, podemos ver o papel determinante da ação independente do movimento de massas, tanto em sua potência quanto em seus limites, em cada ciclo da história nacional. A partir desse ponto de vista, a questão das possibilidades de Milei avançar em seu plano de guerra contra as maiorias deve incluir o peronismo (sindical, social e político) como o fator-chave no equilíbrio de forças políticas que sustentam Milei. Uma rede que vai de Scioli como secretário de Turismo do governo, passando pelo colaboracionismo de governadores peronistas, como Jaldo de Tucumán, e outros que estão ansiosos para que o governo "aceite ajuda", incluindo Massa trabalhando na Greylock Capital, e chegando até Cristina Kirchner propondo uma agenda parlamentar sobre privatizações parciais ou uma reforma trabalhista. Tudo isso enquanto Kicillof faz o dever de casa como futuro candidato confrontando Milei para 2025 ou 2027, e Grabois faz o mesmo pelos movimentos sociais. No entanto, a principal contribuição para o equilíbrio de Milei vem da CGT, da CTA e dos movimentos sociais peronistas, que garantem lutas separadas por setor, combinadas com paralisações gerais isoladas que não fazem parte de nenhum plano de luta para derrotar verdadeiramente o plano de Milei. Claro que eles não agem no vazio. A rápida transição do diálogo amistoso com o governo para o chamado de uma nova paralisação geral para 9 de março não pode ser entendida sem a greve de ônibus que paralisou a Grande Buenos Aires e contou com a ampla simpatia - atípica para esses casos - de grande parte dos 44% que votaram contra Milei.

A esquerda diante de um momento político crucial

Não é surpreendente que não apenas o liberalismo, mas também o peronismo, queiram apagar o papel da ação independente do movimento de massas que marcou toda a história argentina. Os grandes capitalistas como os Rocca, Eskenazi, Elsztain, Galperín, o capital financeiro e o próprio FMI, todos muito agradecidos. Melhor não dar ideias. O contrário implicaria colocar na mesa a existência de uma alternativa tanto ao masoquismo libertário de sacrificar as condições de vida em prol dos lucros patronais, quanto à ideia de suportar os ataques à espera das próximas eleições daqui a 4 anos para que venha algum novo Alberto, Massa ou Scioli. O peronismo/kirchnerismo pode apelar para discursos veementemente opositores, mas continua sendo o pilar do equilíbrio que sustenta o governo, não necessariamente por convicção, mas principalmente porque carece de alternativas diante da atual crise. Sem o desconhecimento soberano da dívida fraudulenta e ilegal e a expulsão do FMI e de seus planos de ajuste do país, não há alternativa real para Milei.

Como Marx disse em O 18 Brumário de Luís Bonaparte, as revoluções proletárias, ao contrário das burguesas, criticam constantemente a si mesmas, zombam meticulosamente de suas indecisões, de seus lados fracos, da mesquinhez de seus primeiros esforços. Com esse mesmo espírito, cabe recuperar experiências como o Cordobazo. Não para estabelecer um paralelo com a situação atual, mas para resgatar um ponto de vista para pensar o presente. Embora ainda não estejamos em uma situação como a do final dos anos 60, em perspectiva é uma das possibilidades que se abrem diante de um cenário de vazio político e fragilidade do governo de Milei. Está se configurando uma situação que precisa ser pensada estrategicamente desde já.

Assim como o surgimento de uma figura como Milei responde, em grande parte, a um fenômeno internacional de desenvolvimento da extrema direita, sua contraparte foi o surgimento de revoltas em dezenas de países recentemente (Chile, França, Equador, Colômbia, Myanmar, e muitos outros) e, atualmente, o surgimento de uma ampla vanguarda juvenil que apoia o povo palestino e tem características anti-imperialistas importantes em países centrais como EUA e Reino Unido, que lembram o movimento contra a guerra do Vietnã nas décadas de 1960 e 1970. Sob um capitalismo atravessado por múltiplas crises com sua sequela de crescente militarismo e guerras, tudo indica que fenômenos desse tipo irão se multiplicar. Embora não se expressem imediatamente na Argentina, são importantes pontos de apoio para o desenvolvimento de uma esquerda revolucionária internacional e também nacional.

Hoje estamos diante de um momento histórico crucial, diante de uma nova tentativa de reestruturar o país em função dos interesses das grandes corporações e do capital financeiro. O peronismo está em profunda crise e começam a surgir as primeiras batalhas da luta de classes do período. A Frente de Esquerda, que integramos com o PTS desde sua fundação, já há mais de uma década, é uma referência política no país. Mais do que nunca, é necessário construir um grande partido revolucionário dos trabalhadores com um programa anticapitalista e socialista, que impulsionem a auto-organização e se conecte com os setores de vanguarda do movimento operário, estudantil, feminista e das Assembleias de bairro que já estão se desenvolvendo. Com o aprofundamento da luta de classes, um partido assim pode se fundir com as massas que se afastem do peronismo. Nos anos 70, perdemos essa oportunidade de construir um partido de classe anticapitalista e socialista e terminamos com a derrota do movimento de massas mais importante da história argentina, com a imposição de uma ditadura genocida e milhares de desaparecidos. Hoje, a esquerda não pode perder novamente essa oportunidade.


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FOOTNOTES

[1Para ler sobre o desenvolvimento desses processos, recomendamos Cien años de historia obrera en la Argentina 1870-1969, de Alicia Rojo, Josefina Luzuriaga, Walter Moreti e Diego Lotito.

[2Para ler sobre o desenvolvimento desses processos, recomendamos o livro de Ruth Werner e Facundo Aguirre, Insurgencia obrera en la Argentina 1969-1976, e o de Eduardo Castilla, de recente lançamento, La Córdoba revolucionaria 1969-1976

[3Para uma exploração mais aprofundada do Villazo, recomendamos o livro de Octavio Crivaro, Villazo: la gran gesta obrera de Villa Constitución
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Emilio Albamonte

Dirigente do PTS, membro do Staff da revista Estratégia Internacional
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