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Prólogo de “A teoria da Revolução permanente” de Leon Trótski

Gabriela Liszt

Prólogo de “A teoria da Revolução permanente” de Leon Trótski

Gabriela Liszt

Apresentamos a seguir o prólogo da nova edição de La teoría de la Revolución permanente, lançada na Argentina pelas Ediciones IPS-CEIP. Desta vez como Volume 16 das Obras Selecionadas de Leon Trótski em homenagem ao 83 aniversário do assassinado do revolucionário russo em 20 de agosto de 1940 em Coyoacán, México. Esta edição contém a primeira tradução do russo para o espanhol do panfleto “Antes de 9 de janeiro”, no qual Trótski esboçou pela primeira vez sua teoria, antes da Revolução Russa de 1905.

A formulação mais acabada de Leon Trótski da sua teoria da revolução permanente foi escrita em 1928-29 em seu exílio em Alma Ata, imposto por Stálin. Foi rapidamente traduzida e publicada em vários idiomas. Em espanhol, diversas editoras publicaram a tradução realizada por Andreu Nin em 1930 com o nome "La revolución permanente". Desde então, até os nossos dias, o livro não deixou de ser publicado [1].

Entretanto, esta não foi nem sua primeira nem sua última formulação. A teoria foi elaborada por Trótski no calor de diversos acontecimentos revolucionários e contrarrevolucionários: desde suas primeiras formulações anteriores à Revolução russa de 1905 e suas conclusões, sua aplicação prática na Revolução russa de 1917, sua comprovação na Revolução alemã de 1923, sua generalização aos países atrasados a partir da Revolução chinesa de 1925-27, até sua aplicação posterior na luta contra o fascismo italiano e aos processos revolucionários em países imperialistas como na Espanha e França.

A teoria da revolução permanente, neste sentido, não é uma simples teoria. É uma teoria-programa ligada à estratégia da tomada do poder pelo proletariado, baseado em organismos de democracia direta, através da luta de classes, em particular, nos países avançados, com o objetivo de derrotar o capitalismo mundial e inaugurar o período da revolução socialista mundial.

As origens da teoria estiveram marcadas, fundamentalmente, pela discussão com as concepções dos membros da social-democracia russa e internacional (especialmente a alemã) do final do século XIX e início do século XX sobre o caráter e as perspectivas da revolução russa no geral, e sobre a experiência da Revolução de 1905 em particular. No seu início, um setor da II Internacional coincidia total ou parcialmente com as posições de Trótski.

Pouco antes, no Congresso de Londres de 1903, o Partido Operário Socialdemocrata russo se dividiu em duas tendências: os bolcheviques, encabeçados por Lênin, e os mencheviques, encabeçados por Axelrod, Martov, Zasulich e o fundador do marxismo russo, Plekhanov. Embora a ruptura apareceu inicialmente como uma questão organizativa, refletia as profundas diferenças existentes em relação ao papel das distintas classes na futura revolução russa. As polêmicas entre os marxistas russos começavam a sair do terreno ideológico e a se colocar à prova nas ruas. Todos ainda concordavam com o caráter democrático-burguês que a futura revolução teria. Entretanto, as diferenças começaram a se manifestar ao redor de qual seria a classe que encabeçaria a aliança que resolveria as tarefas democráticas. Trótski aliou-se inicialmente aos mencheviques (porque apoiava a necessidade de ambos os setores em um partido unificado para a revolução), mas rapidamente se separou deles e manteve, durante esses anos, uma posição independente frente às duas frações. A primeira ruptura pública de Trótski com os mencheviques, em meados de 1904, girou em torno da atitude destes em relação à burguesia liberal, uma vez que seguiam considerando que a classe que dirigiria a revolução contra o czarismo seria a burguesia. Trótski foi quem debateu de forma mais radical contra essas teorias reformistas. A polêmica com a concepção de Lênin e sua consigna de “ditadura democrática dos operários e camponeses”, tinha um caráter secundário. Partia de um acordo fundamental com ele: a burguesia russa e seus representantes desempenhariam um papel contrarrevolucionário na derrubada do czarismo. Era Lênin que se preparava, de forma consequente, para enfrentar todas as implicações deste fato, ao forjar um partido revolucionário internacionalista realmente apto para estes combates.

Entre as revoluções de Fevereiro e Outubro de 1917, alcançou-se uma síntese entre a teoria e a prática, expressa na unidade teórico-político-organizativa de Lênin e Trótski em agosto daquele ano, quando foi formalizada a entrada de Trótski e sua corrente (a Interdistrital) ao Partido Bolchevique.

A Revolução Russa adquiriu rapidamente uma dinâmica internacional, confirmando dessa forma esse aspecto da teoria. Era uma tarefa imprescindível, para os revolucionários russos e de outros países, compreender profundamente os ensinamentos da Revolução de Outubro. Não porque os demais países deveriam repeti-la (Trótski opinava que as circunstâncias específicas que ocorreram no Outubro russo dificilmente voltariam a se repetir), mas porque a primeira experiência de uma insurreição operária dirigida por um partido revolucionário e a fundação da III Internacional, em plena guerra civil encarniçada (tarefas que os revolucionários tiveram que enfrentar, ao mesmo tempo que lutavam contra a Primeira Guerra Mundial), não podiam ser deixadas de lado por quem se propusesse a lutar pela revolução socialista internacional.

Lênin, antes de chegar à Rússia após seu exílio em abril de 1917, defendeu que a etapa da ditadura democrática já havia sido concluída entre fevereiro e abril, e batalhou contra os que seguiram defendendo no partido a consigna da “ditadura democrática de operários e camponeses” e que dessa forma capitularam ao Governo Provisório burguês que alcançou o poder depois da queda do czar.

Era necessário tirar as “lições de Outubro”, já que a troika Stálin-Kamenev-Zinoviev, depois da morte de Lênin, em 1924, se propunha ocultar essas lições; em primeiro lugar, porque as posições defendidas por eles durante Fevereiro-Outubro de 1917 eram muito próximas das dos mencheviques.

Essa luta fracional, que começou em 1923, atingiu seu ponto máximo no VI Congresso da III Internacional de 1928 (com a troika já quebrada, e sob a direção de centro-direita de Stálin-Bukharin), na qual Trótski e os oposicionistas (de forma clandestina) lutaram contra a teoria do “socialismo em um só país”, que abandonava o internacionalismo bolchevique e servia de cobertura para a burocracia defender seus privilégios dentro das fronteiras nacionais e impedir a extensão da revolução e, dessa forma, frear sua dinâmica permanentista.

A Revolução Chinesa apresentará a Trótski a necessidade de dar um novo salto na formulação da teoria. Em luta contra a política stalinista de apoiar as diferentes alas de um partido burguês como o Kuomintang, Trótski aplica a teoria da revolução permanente na experiência chinesa e, baseado nas lições internacionais dos últimos acontecimentos, generaliza-a para os países atrasados.

Novos acontecimentos da luta de classes e fenômenos políticos permitiram a Trótski seguir defendendo a mecânica da teoria da revolução permanente, ao mesmo tempo que foi enriquecendo-a como teoria-programa, sempre em função da estratégia revolucionária: o fascismo, as frente-populares, o nacionalismo burguês e os novos agrupamentos centristas. Nos últimos anos de sua vida, Trótski elaborou documentos nos quais realizou novas sínteses magistrais dos principais problemas de estratégia revolucionária desses momentos. Em especial o documento fundacional da IV Internacional: o Programa de Transição para a Revolução Socialista Internacional (1938) [2] e o chamado “Manifesto da IV Internacional sobre a guerra imperialista e a revolução proletária mundial” [3], conhecido como “Manifesto de Emergência” (1940).

Os inícios da teoria em Trótski

Trótski escreve em Minha Vida sua evolução política na juventude:

"Meu primeiro empreendimento em Nikolaiev foi um primeiro ensaio provinciano, tateando. Entretanto, o ensaio não foi estéril. Talvez em nenhum dos anos seguintes me tenha sido possível entrar em tão íntimo contato com os operários comuns como em Nikolaiev. Então, eu não tinha um nome nem nada que me distinguia deles. Os perfis fundamentais que caracterizavam o proletariado russo ficaram para sempre fixados na minha consciência. (...) No cárcere, tive que me iniciar nos estudos revolucionários começando quase que pelo “abc”. Dois anos e meio de encarceramento e outros dois de exílio deram-me a oportunidade para estabelecer as bases teóricas de uma filosofia revolucionária. A primeira emigração foi, para mim, uma grande escola de política. Sob a direção dos melhores marxistas revolucionários, aprendi a contemplar os acontecimentos a partir das perspectivas históricas e em função das relações internacionais".

Neste momento, Trótski tinha aproximadamente 24 anos. Nessa época, a influência de Parvus (A. Helphand) sobre Trótski foi decisiva. Trótski manteve uma estreita relação com o que definiu como “um dos mais notáveis marxistas do final do século XIX”. Entre o final de 1904 e início de 1905, durante seu exílio em Munich, escreveu:

"Seus trabalhos levaram-me aos problemas da revolução social e, para mim, transformaram de modo definitivo a conquista do poder pelo proletariado, deixando de ser uma “meta” localizada a uma distância astronômica, para ser uma tarefa prática e atual". [4]

A grande contribuição de Parvus para Trótski foi sua visão da existência de uma crescente contradição entre as forças produtivas e os Estados nacionais. Para Parvus, a guerra russo-japonesa era o começo de uma série de Guerras nas quais os Estados nacionais, movidos pela competição capitalista, lutariam entre si por sua sobrevivência. O desenvolvimento da economia mundial era a base que permitia que, em um país capitalista atrasado como a Rússia, o proletariado pudesse se apropriar do poder, inclusive antes que nos países avançados. A conquista do poder pelo proletariado tinha deixado de ser uma “meta” astronômica para se converter em uma “aspiração prática e atual”.

Trótski lembra como a discussão era colocada naquela época:

"Mas você considera que a Rússia está madura o suficiente para uma revolução socialista? (...) E eu invariavelmente respondia a eles: Não, mas a economia mundial e sobretudo a europeia está. A ditadura do proletariado na Rússia vai ou não nos levar ao socialismo? Em que ritmos e com que etapas? Tudo isso depende do futuro do capitalismo europeu e mundial." [5].

Esse ponto de vista internacional sobre a Revolução Russa permitiu Trótski ter uma grande superioridade sobre o resto dos marxistas russos, particularmente sobre a visão dos mencheviques que seguiam repetindo, de maneira dogmática, as “velhas fórmulas” marxistas sem perceber a grande mudança que tinha ocorrido na economia e na política mundial. Para os velhos marxistas como Plekhanov, a Rússia deveria passar por uma revolução democrático-burguesa, como etapa necessária e inevitável, dirigida pela burguesia e com o proletariado como “ala esquerda da frente democrática” [6]. A revolução socialista estaria separada da transformação democrática por vários séculos durante os quais se desenvolveria o capitalismo. Diziam se basear nas “palavras” de Marx e Engels, mas apenas faziam um mero esquema da visão que eles defendiam, como pode ser visto na “Mensagem do CC à Liga dos Comunistas” [7]. Marx e Engels não viam a revolução em “etapas” como os velhos marxistas, mas como uma revolução transitória, ou seja, que começará por um programa democrático mas que, através do mecanismo interno das forças envolvidas, se transformaria em revolução socialista. Como disse Trótski: Marx e Engels foram os primeiros a defender a ideia de revolução permanente. No entanto, a falta de maturidade da época histórica impediu-os de enunciar a teoria da revolução permanente tal como foi formulada por Trótski.

Trótski também compartilhava com Parvus, nessa época, a visão de que as futuras guerras gerariam as condições para a revolução proletária. Este foi o método que lhe permitiu prever não apenas a Revolução de 1905, mas também os acontecimentos de 1917. “A Revolução de 1905, surgiu diretamente da guerra russo-japonesa e, do mesmo modo, a Revolução de 1917 foi resultado da grande matança imperialista” [8].

O elemento que diferenciava Trótski das formulações de Parvus residia no alcance, na dinâmica e nas tarefas que o proletariado deveria resolver uma vez que tomasse o poder. Para Parvus, o proletariado era chamado apenas a estabelecer um governo operário, mas sem romper com os marcos do Estado capitalista, um governo similar ao que existia na Austrália naqueles anos.

Trótski afirma que, em seus traços fundamentais, formulou a teoria da revolução permanente antes da Revolução Russa de 1905. Delineou essa primeira formulação no folheto “Antes de 9 de janeiro”, escrito entre novembro e dezembro de 1904 e publicado com um prólogo de Parvus [9], que só foi publicado (devido à resistência dos mencheviques) depois do “domingo sangrento” de 9 de janeiro de 1905, dia que deu início ao processo revolucionário. “O proletariado russo começou a revolução. Sobre ele recai o seu desenvolvimento e seu êxito”, conclui Parvus em sua introdução de janeiro de 1905.

No folheto, Trótski denunciou que o papel dos liberais burgueses era participar dos Zemstvos (órgãos municipais dominados por eles) e das dumas (espécie de parlamento outorgado como “concessão” do czarismo logo que se deu a Revolução de 1905) para realizar uma “frente única patriótica” com o czarismo e continuar apoiando a guerra ruso-japonesa (incluindo com dinheiro); com o objetivo, no máximo, de fazer um acordo por uma monarquia parlamentaria. Mas “a lógica revolucionária dos acontecimentos não podia ser freada” [10]. A burguesia, por medo da revolução, era incapaz de conseguir as mínimas reivindicações democráticas para o povo, como o sufrágio universal, tampouco se pronunciava sobre a questão agrária. Portanto, era necessário que o proletariado tomasse seu lugar e agitasse o fim da guerra, a queda da autocracia e por uma Assembléia Nacional Constituinte, “não apenas independente da coroa, mas que também possua plenos poderes”, para implementar uma verdadeira democracia. “Uma democracia verdadeira, atuante, nas condições do absolutismo só pode ser uma democracia revolucionária”. Trótski discute contra aqueles que cedem aos liberais e defende que: “Não temos tradições democráticas, é necessário criá-las. Somente a revolução pode fazer isso. O partido da democracia só pode ser o partido da revolução. Essa ideia deve penetrar na consciência geral…” [11].

Fazendo um balanço da onda de greves econômicas de 1903, conclui:

"É preciso fazer todo o possível para atrair a atenção e a simpatia da pequeno-burguesia urbana para a entrada em cena da classe operária. Durante as últimas manifestações de massas do proletariado, como as greves gerais de 1903, não foi feito quase nada nesse sentido, e foi um dos pontos mais fracos do trabalho preparatório. Circulavam, entre a população, os rumores mais insensatos sobre as intenções dos grevistas, como atestam os correspondentes. Os pequeno-burgueses temem ataques às suas casas; os comerciantes, o saque das lojas; os judeus, os progroms. Não se pode permitir que isso ocorra. Uma greve política realizada como uma luta unificada do proletariado urbano contra a polícia e o exército, mas com a hostilidade, ou ao menos a passividade, do resto da população implicaria em um desastre fatal para nós" [12].

Diferentemente de 1903, a guerra estava causando estragos na população e nos soldados, o que criou uma situação mais favorável para os revolucionários, para que o proletariado se convertesse na direção das massas.

"Em primeiro lugar, é preciso estabelecer que o cenário principal dos acontecimentos revolucionários será a cidade. Ninguém se atreveria a negar isso agora. As manifestações só podem se converter em uma revolução popular com a participação das massas, ou seja, antes de tudo, do proletariado fabril. Deve sair à rua com a intelectualidade revolucionária, em particular com os estudantes e a pequena-burguesia urbana. Para mobilizar as massas trabalhadoras é necessário contar com pontos de concentração. Para o proletariado fabril existem pontos de concentração permanentes: são as fábricas e oficinas. É preciso partir delas. Podemos não conseguir - e de fato todas as manifestações demonstraram isso - reunir as massas trabalhadoras dos bairros que vivem em um lugar predeterminado. Mas conseguiremos - e isso confirma a experiência da greve de Rsotov e, sobretudo, os motins de 1903 no Sul - tirar das fábricas e oficinas a massa já reunida. O que deve ser feito não é reunir os operários individualmente, nem convocá-los de forma artificial em uma hora determinada, mas ter como ponto de partida sua “reunião” natural e cotidiana: essa deve ser a saída que nos ensina toda nossa experiência passada" [13].

Dessa forma, ele antecipou até a criação dos sovietes.

A Revolução de 1905, seus Resultados e Perspectivas

Com a Revolução de 1905, “A comédia da primavera liberal terminou; o que se abria era a tragédia da revolução”. As previsões do jovem Trótski se confirmaram plenamente. Após seu imediato regresso à Rússia, ao tomar conhecimento do “domingo sangrento” (mediado por uma estadia na Finlândia em absoluta clandestinidade), Trótski viverá este processo revolucionário como protagonista de seus principais sucessos, presidindo o Soviete de Petrogrado. “Foi precisamente no intervalo que separa o 9 de janeiro e a greve de outubro de 1905, que o autor passou a conceber o desenvolvimento revolucionário da Rússia sob a perspectiva da chamada teoria ‘da revolução permanente’” [14]. Esta teoria surgiu ao calor das polêmicas sobre o caráter da Revolução Russa, que desde seu início excederam os limites da social-democracia russa. Kautsky e Mehring, por exemplo, nessa época, como afirmou Trótski, aderiram “ao ponto de vista da revolução permanente” contra as posturas mencheviques. Trótski partia da análise estratégica das bases econômicas da Revolução Russa, de suas formas e relações de produção, de suas classes sociais, das forças que entrariam em ação sob a influência da dinâmica revolucionária, ou seja, de seus acontecimentos mais importantes, expostos através da narração dos principais acontecimentos, em especial, dos momentos culminantes da revolução: de outubro a novembro de 1905. Trótski chegou à conclusão de que, para além dos fluxos e refluxos, a Revolução de 1905 abria para o proletariado a perspectiva da conquista do poder. Pelas tarefas que tinha que resolver, a Revolução Russa continuava sendo burguesa, mas devido à sua força motriz, era proletária. O triunfo relativo da greve de outubro de 1905 tinha demonstrado, diferentemente das revoluções de 1789 e 1848, a hegemonia do proletariado na revolução burguesa, assim como a hegemonia política da cidade moderna em um país eminentemente camponês. A greve geral política tinha se comprovado como o método da Revolução Russa na medida em que servia para debilitar o inimigo, acompanhada da barricada. Ficava demonstrada a centralidade das fábricas, do transporte e da comunicação na produção e, portanto, do proletariado como a única classe capaz de se organizar de forma independente e dirigir as tarefas democráticas até o final. Entretanto, isso não era suficiente. Ao mesmo tempo, era necessário “pôr de pé um exército da revolução” com o objetivo de “arrancar o poder das mãos daqueles que o detêm e entregá-lo à revolução” [15].

O Soviete de Petrogrado, que deu uma característica distintiva à Revolução de 1905, foi “o embrião de um governo revolucionário”. Entretanto, a revolução não triunfou, não “por defeitos na tática, mas pelo fato decisivo de que a reação era muito mais rica em forças materiais que a revolução. O proletariado colidiu na sua insurreição de dezembro, não com erros de estratégia, mas com algo muito mais real: as baionetas do exército camponês” [16].

O Soviete organizou a greve geral, paralisou o país e começou a tomar as tarefas de administração, mas não teve uma política para ganhar o campesinato que constituía a maior parte do exército. Além disso, sem a quebra do exército, não havia possibilidade de triunfar sobre o czarismo. Os trabalhadores pagaram muito caro pelas consequências dessa lição.

Mas será na prisão de Pedro e Paulo, a fortaleza na qual ficou detido junto a outros dirigentes do Soviete de Petrogrado, que Trótski escreveu o capítulo final dos escritos de 1905: Resultados e perspectivas. Neles, ele apresenta a primeira formulação acabada de sua teoria da revolução permanente.

A comparação entre a revolução francesa de 1789, as europeias de 1848 e a russa de 1905 era fundamental para verificar os diferentes papéis que as classes sociais cumpriram em cada uma dessas revoluções. As posições de Marx e Engels, que analisaram a burguesia de 1848, “estão totalmente determinadas por sua posição no campo histórico transitório do “já não mais” da revolução burguesa e do “ainda não” da revolução proletária” [17]. Trótski, por outro lado, a partir de seus estudos e da experiência da Rússia de 1905, verifica a mudança de época dada pelo “já sim” da revolução proletária.

Trótski baseou suas análises sobre a Rússia na lei do desenvolvimento desigual, herança de Lenin e da social-democracia, mas não a aplicou esquematicamente (o que levava os velhos marxistas a afirmar a impossibilidade de uma revolução operária em um país atrasado como a Rússia). O uso do método dialético do marxismo para analisar a nova época permitiu-lhe, embora sem formular com claridade a lei do desenvolvimento desigual e combinado (como faria depois [18]), ver a combinação de elementos dada a inserção de capitais imperialistas, como o francês e o alemão, que faziam da Rússia um país capitalista com fortes traços feudais mas com um novo e vigoroso proletariado. Essa lei será a base para generalizar a teoria da revolução permanente, tanto nos países imperialistas como nas colônias e semi colônias.

Com base nessas conclusões, Trótski polemiza, em especial, com os teóricos do menchevismo sobre o caráter, o papel das classes e o programa que teria a próxima Revolução Russa, partindo da concepção já adquirida em 1904 sobre a economia mundial. Contra eles, demonstra que era a debilidade e o atraso do Estado russo, como parte da economia mundial, o que justamente tornava possível a revolução proletária. Secundariamente, Trótski polemiza com a formulação de Lênin de “ditadura democrática de operários e camponeses”, defendendo a impossibilidade desta “ditadura democrática” dado que o campesinato tinha demonstrado sua incapacidade de se organizar de forma independente, tanto da burguesia como do proletariado. Para Trótski, apenas o proletariado poderia liderar as massas camponesas para a tomada do poder na Rússia através da ditadura do proletariado, que se dedicaria, em primeiro lugar, a resolver as tarefas democráticas (como a questão da terra). Uma vez no poder, o proletariado não se deteria diante dos limites da propriedade burguesa. O aprofundamento das medidas para resolver as tarefas democráticas levaria, inevitavelmente, à transformação da revolução democrática em socialista. Essa visão do processo revolucionário fazia desaparecer, para Trótski, a velha divisão que a social-democracia realizava no terreno programático.

"Não porque seria inadmissível ’por princípio’ - tal atitude carece de sentido-, mas porque seria completamente irreal, porque seria um utopismo da pior espécie, uma classe de utopismo filisteu revolucionário, e o seria pela seguinte razão: durante o período em que o poder permanece à burguesia, a divisão de nosso programa em máximo e mínimo expressa uma profunda e fundamental questão de princípios. Assim, o fato de que a burguesia está no poder exclui de nosso programa mínimo todas as reivindicações que sejam incompatíveis com a propriedade privada dos meios de produção. Precisamente, essas reivindicações são as que dão conteúdo à revolução socialista, e sua condição prévia é a ditadura do proletariado" [19].

Para Trótski, o que o atraso russo implicava era que, se não se desenvolvesse a revolução europeia, especialmente a alemã, a ditadura do proletariado na Rússia não poderia se sustentar por muito tempo:

"O proletariado, tendo chegado ao poder, não deve se limitar aos marcos da democracia burguesa, mas deve utilizar a tática da revolução permanente, ou seja, anular os limites entre o programa mínimo e máximo da social-democracia, passar a reformas sociais cada vez mais profundas e buscar um apoio direto e imediato na revolução do oeste europeu" [20].

Nesse sentido, os acontecimentos na Polônia (sejam se desenvolvendo a favor da revolução ou da contrarrevolução) eram determinantes para a Revolução Russa e europeia.

O principal defeito da formulação de Trótski nessa época era sua posição conciliadora diante da ruptura entre mencheviques e bolcheviques. O corolário de sua concepção sobre a revolução permanente deveria ser, necessariamente, um partido tal como concebia Lenin já nessa época. Entretanto, como explicou em seu “Prefácio” de 1919 de Resultados e perspectivas [21], nesse momento subestimava as divergências entre mencheviques e bolcheviques, e opinava que o impulso das massas revolucionárias terminariam por limpar as organizações dos elementos “ossificados” e que isso obrigaria a ambas frações se unificarem em uma política revolucionária (posição similar à de Rosa Luxemburgo). Essa posição foi duramente combatida por Lênin na época, através de uma luta política que Trótski, depois de 1917, reconheceu como correta. O mesmo Trótski, em aparente contradição, advertiu no Resultados e perspectivas sobre a possibilidade de que o maior partido e com mais tradição da social-democracia europeia, o partido alemão, por seu rotineirismo e conservadorismo, se convertesse em um obstáculo na luta do proletariado pelo poder e, com isso, da revolução europeia.

Dos anos de reação e da Primeira Guerra Mundial à Revolução de Outubro

Nos anos de reação, posteriores à 1905, Trótski se dedicou a reafirmar seus estudos sobre a revolução passada “e a preparar, teoricamente, o caminho para a próxima”.

Trótski adquiriu um grande prestígio entre os emigrados russos, bem como na própria Rússia. Era reconhecido como o dirigente mais importante do Soviete de Petrogrado e, sobretudo, pela defesa que fez deste e da insurreição diante dos tribunais czaristas. Em 1907, participou do último Congresso conjunto de mencheviques e bolcheviques realizado em Londres, com a presença de 350 delegados, em que se discutiu os problemas centrais da Revolução Russa. Trótski defendeu suas posições, que são seguidas pela representante do Partido Social-democrata polaco, Rosa Luxemburgo (a quem conhecia desde 1904). Lênin (conhecedor da trajetória revolucionária de Trótski durante a Revolução de 1905) tenta aproximar Trótski dos bolcheviques, ao observar que sua posição, sobre a necessidade da aliança entre operários e camponeses, era a mesma que eles defendiam.

Quando, em 1912, Trótski viajou como correspondente para cobrir o início das guerras dos Balcãs, previu com clareza as crescentes tendências para uma guerra mundial. Em 1914, já diante da guerra imperialista, Trótski viu uma nova confirmação de sua teoria: “A guerra de 1914 significa a total liquidação do liberalismo russo e converte o proletariado no único protagonista do combate pela liberdade. Transforma a revolução, na Rússia, na primeira etapa da revolução europeia” [22]. A traição da social-democracia alemã ao votar os créditos de guerra de seu país imperialista, e a qual se soma o conjunto da II Internacional, converte a social-democracia em social-patriota. Trótski se opôs a essa política. Seu internacionalismo o fez confluir com Lênin na conclusão de que era necessário a fundação de uma nova Internacional. Para isso se reuniram na Conferência de Zimmerwald de 1915. Embora suas posições sobre a guerra fossem mais próximas das da Rosa Luxemburgo do que das de Lenin, a coincidência no ponto de vista internacionalista foi a chave para sua posterior integração ao Partido Bolchevique e sua luta junto a Lênin pela III Internacional.

Durante 1912-14 se desenvolveu na Rússia uma grande onda de greves com combates de rua. O bolchevismo, que tinha recém saído de sua clandestinidade forçada, começou a crescer com rapidez nas fábricas. Em Lições de Outubro, Trótski retoma esse processo desde a lógica permanentista: rapidamente poderiam ter se instituído os sovietes, e desde o início poderiam ter sido dirigidos pelos bolcheviques. Eles teriam uma política para quebrar o exército e ganhar os camponeses, lutando pela tomada do poder. Segundo essa hipótese, não estava prefixado de antemão que o processo deveria ter passado por uma etapa com a de Fevereiro de 1917 (no qual o poder foi entregue à burguesia) mas, ao contrário, poderia ter ocorrido diretamente um Outubro russo. A onda patriótica que abriu a Primeira Guerra Mundial quebrou esse processo. Entretanto, a guerra produziu um cenário muito mais favorável para a revolução, já que tiveram que enfrentar um Estado muito mais enfraquecido do que o de 1914, com um exército quebrado, composto essencialmente por camponeses que sofreram durante três anos as misérias da guerra.

A luta pela direção dos sovietes foi mais difícil, e a chave da luta dos bolcheviques neles foi a luta contra o defensismo (ou seja, continuar a guerra e defender o Governo Provisório com a desculpa do inimigo alemão).

O Fevereiro russo de 1917 colocou a teoria de Trótski à prova mais uma vez, assim como suas concepções sobre o partido.

Trótski acompanhou os acontecimentos desde os EUA, devido ao curso de seu exílio. Seus discursos e artigos da época [23] coincidiam como um todo com a visão e a política expressa por Lênin em suas Cartas de longe, escritas na Suíça.

Segundo A. Brossat, nos anos que vão de 1905 até 1917, não houve nenhum salto qualitativo na formulação da revolução permanente de Trótski. Entretanto, houve um processo de evolução molecular em sua concepção de partido que o fez confluir com Lênin em 1917, depois que ele fez o partido girar com as Teses de Abril [24].

Em suas teses, Lênin coincide, de fato, com a teoria de Trótski. As teses eram uma luta contra os “velhos bolcheviques” que seguiam mantendo sua antiga fórmula de “ditadura democrática dos operários e dos camponeses” (como Kamenev e Stálin) como argumento para se posicionarem como uma “esquerda democrática” que apoiava “criticamente” o governo provisório de Kerensky, surgido de Fevereiro de 1917, se negando a lutar por “Todo poder aos sovietes!”, ou seja, pela tomada do poder pelo proletariado.

Em sua primeira reunião de 10 de maio de 1917, depois do regresso de ambos à Rússia, Trótski e Lênin acordam rapidamente sobre a luta contra a unidade com os mencheviques, contra os social-chauvinistas e por uma nova internacional. Trótski reconhece seu erro quanto à concepção de partido, dando razão à Lênin. Lênin afirmou que, depois da entrada de Trótski ao partido, “não houve melhor bolchevique que ele”.

A onda expansiva da Revolução Russa do Oriente ao Ocidente

A Revolução de Outubro de 1917 enterrou as teorias mencheviques, embora estes e os socialistas revolucionários (populistas que agrupavam um setor dos camponeses) tenham se oposto ativamente. O Comitê Central do Partido Bolchevique preparou o conjunto do partido para esse momento, mas diante da necessidade de dar um giro brusco face à mudança na situação, constituiu-se uma ala direita encabeçada por Zinoviev e Kamenev. Eles se opuseram à insurreição e à tomada do poder, alegando a falta de maturidade existente, a necessidade de “respeitar” a democracia dos sovietes e a necessidade de passar por uma “experiência democrática”. Em todos os momentos, tanto para Lênin como para Trótski, a Revolução Russa continuava sendo parte, ou uma faceta, da revolução mundial. O atraso russo não era impeditivo para que o proletariado tomasse o poder, embora fosse para chegar ao socialismo, já que essa tarefa era impossível sem o desenvolvimento da revolução nos países avançados (tal como Marx tinha proposto), em particular na Alemanha.

As condições europeias para a revolução fizeram com que essa postura tivesse um caráter muito concreto. Durante 1918 e 1919, se desenvolveram processos revolucionários no centro da Europa (Alemanha, Áustria, Itália e Polônia), a simpatia pela revolução se estendia entre a classe trabalhadora de todo o mundo, surgiam novos partidos comunistas, e a agitação operária surgia tanto na América como no Oriente. Esses processos, entretanto, foram derrotados devido às traições da social-democracia e a imaturidade dos novos partidos comunistas para enfrentá-la. Esse foi um grande sinal de alerta para os revolucionários russos. Como escreveu Trótski em agosto de 1917: “O internacionalismo não é para nós uma noção abstrata (...) os êxitos decisivos e permanentes são inconcebíveis sem a revolução europeia” [25], chamando a se opor com fervor ao social-chauvinismo. Partindo desta posição diante da revolução russa, da europeia e da mundial, Lênin e Trótski fundaram, em março de 1919, a III Internacional que chegou a ter influência de massas a nível mundial.

Nesse mesmo ano, a partir de seu trem blindado e enquanto dirigia o Exército Vermelho contra as forças contrarrevolucionárias nacionais e estrangeiras, Trótski escreve “A caminho: considerações sobre o avanço da revolução proletária”. Nele, volta a discutir contra as concepções mencheviques que negavam a possibilidade de uma revolução socialista nos países atrasados.

Trótski aplicou a lei do desenvolvimento desigual e combinado para demonstrar a grande possibilidade de que a revolução proletária avance do leste para o oeste. Nos países avançados, apesar de contarem com um proletariado mais forte e mais concentrado e, neste sentido, com melhores condições para a ditadura proletária, essas mesmas condições, geradas pelo seu desenvolvimento precedente, poderiam se converter em um obstáculo para superar a “força mais contrarrevolucionária da política europeia”, a social-democracia, especialmente na Alemanha. Nos países atrasados, por outro lado, a guerra imperialista alterou o instável equilíbrio capitalista, de modo que a relação de forças sociais poderia se romper pela “linha que oferecesse menor resistência”. As revoluções na Hungria e na Baviera, o primeiro um Estado atrasado e o segundo uma região atrasada da Alemanha da Europa Oriental, foram demonstrações disso. Para Trótski, a Revolução Russa foi uma revolução não apenas contra a burguesia russa, mas também contra a europeia (especialmente a francesa e a inglesa) e, portanto, repercutiu nas condições revolucionárias do continente; as revoluções do leste, portanto, embora ocorressem em países atrasados, também atingiram o oeste. Longe de uma visão “messiânica” ou “orientalista”, ele vê as revoluções nestes países como um caminho para a revolução europeia. Por isso tinha expectativas no congresso seguinte da Internacional Comunista (IC) que se realizaria em Berlim ou Paris. Trótski reafirmou suas concepções internacionalistas:

"Expandindo-se à escala mundial, o capitalismo estreitou assim os laços que, na época passada, uniam o destino da revolução social com o de um ou outro dos países capitalistas altamente desenvolvidos. Quanto mais o capitalismo une os países do mundo todo em um só organismo complexo, mais inexoravelmente a revolução social, não apenas no sentido de seu destino comum, mas também do lugar e momento de origem, dependem do desenvolvimento do imperialismo como fator mundial, e em primeiro lugar desses conflitos militares que o imperialismo deve provocar inevitavelmente e que, por sua vez, sacodem o equilíbrio do sistema capitalista até suas raízes" [26].

Entretanto, a primeira onda revolucionária não triunfou e o capitalismo mundial conseguiu um primeiro respiro que obrigou à reformulação da tática revolucionária, tal como se expressou no III e no IV Congresso da III Internacional com a importância dada à tática de frente única nos países capitalistas avançados e ao desenvolvimento da revolução no Oriente.

As devastadoras consequências da guerra imperialista na Europa, a impossibilidade dela se recompor economicamente nos limites das fronteiras nacionais e as intenções dos Estados Unidos de “comprar a Europa por algumas moedas” punham a luta por “governos operários e camponeses” no continente europeu na ordem do dia, ou ele cairia em decadência e na escravização pelo capital norte-americano. Entretanto, para Trótski, a palavra de ordem por “governos operários e camponeses” devia estar indissoluvelmente unida à luta pelos Estados Unidos da Europa. No artigo “É apropriado o momento para a palavra de ordem: os Estados Unidos da Europa?” [27], escrito em 1923 - depois da invasão do Ruhr e antes da Revolução Alemã daquele ano -, Trótski coloca que, depois de uma longa discussão, a consigna dos Estados Unidos da Europa foi incorporada ao programa da IC naquele mesmo ano, quando aumentavam as disputas entre as potências europeias, como consequência da guerra, e a espera de que estouraria a revolução na Alemanha. A importância dessa consigna residia em que continha “a condenação da ideia da evolução socialista reduzida em um só país” [28]; “para superar este caos europeu, é preciso ir pelo caminho dos Estados Unidos Soviéticos da Europa: é uma das primeiras tarefas da revolução proletária [29].

Da derrota da Revolução Alemã às Lições de Outubro

A guerra civil estava no fim em 1921 e a economia do país se encontrava devastada. Lênin impulsionou a chamada Nova Política Econômica (NEP) que, no essencial, buscava (permitindo a venda dos excedentes agrícolas aos camponeses e a exploração privada em pequena escala da indústria leve e do comércio varejista) utilizar mecanismos de mercado para revitalizar a enfraquecida economia soviética ao fim da guerra. Estas medidas foram acompanhadas pelo controle estatal da indústria pesada, dos transportes, de uma parte importante da indústria leve e do monopólio estatal do comércio exterior.

O isolamento internacional da URSS, o atraso da economia soviética e a morte, na Guerra Civil, de numerosos quadros e dirigentes do Partido Bolchevique favoreceram o estabelecimento progressivo, no Estado e no partido, do poder da burocracia. Com Lênin gravemente doente, o “triunvirato” formado por Stálin, Zinoviev e Kamenev assume o controle do partido. Trótski lutava para dar mais recursos à industrialização do país, caso contrário, segundo ele, seria impossível evitar a “crise das tesouras”, ou seja, o aumento do preço dos produtos industriais em relação aos produtos agrícolas, o que levaria a que os camponeses retivessem os seus produtos e não os enviassem para o mercado.

Pouco antes da XIII Conferência do partido, em outubro de 1923, quarenta e seis importantes dirigentes bolcheviques assinaram uma declaração que criticava a inação do partido na esfera econômica e a degeneração burocrática no regime partidário. Trótski, que não assinou a declaração, intervém neste debate através da publicação de O Novo Curso.

O aparelho partidário, respondendo ao “triunvirato”, ataca e persegue a Oposição. Alguns dos seus dirigentes são enviados ao estrangeiro para ocupar cargos em regiões distantes. Em novembro desse ano, o Partido Comunista Alemão deixou passar a oportunidade revolucionária, evaporando, de imediato, a possibilidade da conquista do poder pelo proletariado europeu. Será no quadro desta derrota e da revolta fracassada na Bulgária (e da luta interna contra os triunviros) que Trótski escreverá Lições de Outubro, como apresentação de um volume com os seus escritos e discursos de 1917 [30].

A falta de estudo sobre a insurreição triunfante na Rússia – da qual já haviam passado sete anos –, principalmente dos seus quadros dirigentes, parece refletir, para Trótski, que ninguém se propõe a repeti-la em nenhum outro país, mesmo com as suas particularidades. Isto já era uma expressão de falta de internacionalismo. Por outro lado, afirma que: “Sem o estudo da grande Revolução Francesa, da Revolução de 1848 e da Comuna de Paris, nunca teríamos realizado a Revolução de Outubro, mesmo mediando a experiência de 1905” [31]. A partir da definição de que: “A grande era da estratégia revolucionária começa em 1917, primeiro na Rússia, e depois em toda a Europa” começa um estudo aprofundado sobre como a insurreição de Outubro foi alcançada (teórica, prática e estratégica). Para Trótski, “foi demonstrado que sem um partido capaz de dirigir a revolução proletária, esta torna-se impossível. O proletariado não pode tomar o poder através de uma insurreição espontânea” [32], mesmo num país com um proletariado tão avançado como a Alemanha.

Era necessário aprender das condições políticas que permitiram o triunfo do Outubro russo para não repetir derrotas como no Outubro alemão. Não fazê-lo “denota, além disso, certo caráter de estreiteza nacionalista”. [33]

Segundo Pierre Broué, em Lições de Outubro,

“Trótski(...) elabora um estudo, uma espécie de denso folheto no qual, a propósito de Outubro, retoma as ‘lições’ que lhe parecem essenciais, reagrupando, neste trabalho, as ideias principais defendidas por ele quanto ao papel do partido na revolução em diversas ocasiões e, fundamentalmente, durante o ano de 1923”. [34]

Analisando as tendências no interior do Partido Bolchevique, no período que vai de Fevereiro a Outubro, demonstra as crises que provocam giros bruscos do partido, principalmente na transição para a insurreição. Partindo do conceito de “insurreição como arte”, chega à conclusão de que o momento decisivo de saber aproveitar e não deixar passar o momento revolucionário só pode estar em mãos de uma direção forjada e preparada através de incansáveis lutas; uma direção capaz de levar adiante os giros necessários para a vitória da revolução.

O partido torna-se aqui, como vemos, insubstituível. Se torna uma necessidade histórica. Sem essa premissa, a revolução estará inevitavelmente perdida.

A luta contra o “socialismo num só país”

A derrota da revolução na Alemanha em 1923, causada pela passividade do Partido Comunista, abriu um período de estabilização capitalista na Europa. Esta oportunidade, perdida para o proletariado, deu segurança à burguesia europeia e manteve de pé o cerco capitalista à Rússia. Só uma orientação correta poderia quebrar este cerco e recuperar a Europa proletária desta pesada derrota. No entanto, a política implementada pela IC desde 1923 levará o proletariado da Europa a fracassos retumbantes. Estes fracassos terão consequências decisivas para a Rússia Soviética.

Por um lado, a burocracia fortaleceu o seu domínio sobre o aparato do partido e o aparelho estatal. Por outro lado, as tendências pró-capitalistas no campo e na cidade, que começaram a desenvolver-se desde a implementação da NEP e como consequência dela, foram fortalecidas ao extremo. Os kulaks (camponeses ricos) aumentaram o seu domínio econômico sobre os camponeses pobres e fortaleceram as suas posições políticas nos sovietes locais. A política pró-kulak levada a cabo pela fração governante de Stálin e Bukharin, através do grito de "Camponeses, enriquecei-vos!" deu rédea solta a estas tendências de acumulação capitalista.

Processo semelhante ocorreu nas cidades com os chamados NEPmen. As dificuldades do proletariado e dos camponeses pobres aumentaram. A “aliança” (smytchka) entre os trabalhadores urbanos e os camponeses pobres, sobre a qual assentava a ditadura do proletariado, estava ameaçada. Os boicotes organizados pelos kulaks constituíam um sério perigo de guerra civil para o proletariado.

Segundo Trótski, era necessária uma política de industrialização mais acelerada baseada em recursos obtidos com impostos mais elevados sobre os camponeses ricos. Esta política constituía um dos eixos da crítica de Trótski à política do bloco de centro-direita de Stálin e Bukharin.

Neste marco, as tradições políticas de Outubro foram deturpadas pelos funcionários estatais e pela nova burocracia. Já em 1923, a “troika” desencadeou uma campanha de reação ideológica focada contra a pessoa de Trótski, que assumiu a forma de uma “campanha contra o trotskismo”. A burocracia irá opor, de uma forma caricatural e historicamente distorcida, a teoria da revolução permanente à política de Lênin. A campanha contra as tradições de Outubro servirá de base para a “teoria” do “socialismo num só país”.

A reação, encarnada em Stálin-Bukharin (seguida por quadros e novos dirigentes, muitos deles até então desconhecidos, ou que ocuparam posições secundárias antes e durante a revolução), muda a posição internacionalista de Lênin e Trótski, e sustenta que o socialismo era possível dentro das fronteiras da Rússia. Esta “teoria” teve como consequência direta o desaparecimento da perspectiva da revolução internacional e foi utilizada como cobertura ideológica para a política errática que a IC teria naqueles anos.

Um exemplo disto foi a traição, em 1926, da greve geral do proletariado inglês, que foi abandonada à sua própria sorte pelo Conselho Geral dos sindicatos ingleses. Este último, em aliança com a burocracia soviética no Comitê Anglo-Russo (que tinha como objetivo a “defesa” da URSS), amarrará as mãos do Partido Comunista Britânico e usará isso como justificação para a sua traição.

Trótski polemizou em dezenas de artigos com a ideia do “socialismo num só país”. Em 1926, será formada a Oposição Unificada, reunindo os Oposicionistas de 1923 e os seguidores de Zinoviev e Kamenev que haviam rompido com Stálin.

Desde meados de 1926, a Oposição tentava partir para a ofensiva. Os seus militantes organizaram assembleias nas fábricas, reuniões das células do partido, etc. Os seus principais dirigentes, incluindo Trótski, participaram nestas reuniões para explicar a razão da luta da Oposição. No entanto, a burocracia irá contra-atacar.

Recorrerá ao controle do aparelho estatal e partidário e utilizará métodos repressivos e de perseguição contra os oposicionistas e contra qualquer pessoa que demonstre interesse nas suas posições. Organizará grupos de choque para impedir que os dirigentes da oposição falem nas assembleias e ameaçará os trabalhadores e militantes que demonstrem simpatia com as mais duras sanções. Depois de alguns meses, a Oposição sofre uma primeira e pesada derrota. A maioria do Comité Central ameaça a Oposição com a expulsão do partido por violar as resoluções relativas à proibição de frações do X Congresso [35].

A XV Conferência do Partido Comunista Russo e o VII Plenário do Comitê Executivo da Internacional Comunista reúnem-se após estes acontecimentos. Ambas as instâncias de decisão servirão à fração de Stálin-Bukharin para atingir duramente a Oposição. Stálin apresentará, frente a estes dois acontecimentos, um informe no qual a acusará de ser uma “fração social-democrata” e pedirá a sua condenação.

Trótski faz dois discursos, onde expõe o método marxista partindo da análise da economia mundial. Analisa a economia soviética e demonstrará a sua subordinação ao mercado mundial.

“O caráter da nossa revolução, independentemente das relações internacionais!? Desde quando existe esse caráter autossuficiente da nossa revolução? Sustento que a nossa revolução, como sabemos, não existiria se não fossem por dois pré-requisitos internacionais: primeiro, o fator do capital financeiro que, na sua gula, fertilizou o nosso desenvolvimento econômico e, segundo, o marxismo, a quintessência do movimento operário internacional que fertilizou a nossa luta proletária. Isto significa que a revolução foi preparada, antes de 1917, por aquelas encruzilhadas onde as grandes forças do mundo colidiram umas contra as outras. Deste choque de forças surgiu a Grande Guerra e, desta, a Revolução de Outubro. E agora dizem-nos para nos abstrairmos da situação internacional e construirmos o nosso socialismo em casa, para nós próprios. Este é um método metafísico de pensamento. Não há nenhuma possibilidade de abstração da economia mundial” [36].

Nas “Teses sobre Revolução e Contrarrevolução” [37], escritas nos últimos dias de Novembro de 1926, quando a Oposição acabava de sofrer a sua primeira derrota nas mãos da burocracia, Trótski analisa os fenômenos que ocorrem num país após o triunfo da uma revolução. Dentro destes, os diferentes mecanismos de fluxo e refluxo das classes nos períodos revolucionários e pós-revolucionários e a incidência da não extensão da revolução a nível internacional, o que leva a classe burguesa a tentar diferentes formas de restauração. O perigo de uma contrarrevolução na Rússia decorria deste isolamento, que teria grandes repercussões, especialmente entre os camponeses e trabalhadores desgastados pelo esforço da revolução e da Guerra Civil. Na medida em que o proletariado não consiga manter a sua aliança com o campesinato, as forças da contrarrevolução se verão favorecidas. A referida análise alerta para a nova composição do partido, onde se refletiram estes elementos conservadores, e também para o papel no aparato do Estado dos antigos bolcheviques que haviam atuado de forma inconsistente antes e durante a revolução. O conjunto destes elementos provocou a “reorganização” do partido e o deslocamento da sua política para a direita. Esta análise é também adequada para compreender os golpes sofridos pela Oposição de Esquerda que, em 1927, tentou um novo contra-ataque, incorporando às suas críticas originais o questionamento dos aspectos mais grosseiros da política de Stálin na China. No entanto, a Oposição foi derrotada e Trótski, juntamente com grande parte dos oposicionistas, foram expulsos do partido antes da realização do XV Congresso. Zinoviev e Kamenev capitulam diante de Stálin.

A Crítica ao programa da Internacional Comunista

Trótski condensa, sistematiza e eleva a um nível superior as críticas levantadas anteriormente por ocasião do VI Congresso da IC, que se reuniu em Moscou no verão de 1928. Trótski tinha sido exilado em janeiro de 1928 na remota cidade de Alma Ata, na Ásia Central. No entanto, conseguiu organizar-se desde aquela cidade e, através de uma vasta rede de simpatizantes e adeptos, chegou até os centros clandestinos da Oposição. Sua tarefa será bastante dificultada pela vigilância e censura da GPU. Mas apesar das perseguições, estabelecerá contato, através do correio, com numerosos oposicionistas. O documento foi entregue clandestinamente a numerosas delegações internacionais, o que favoreceu o surgimento da Oposição de Esquerda Internacional.

Lá ele redigirá os principais documentos de crítica ao VI Congresso da Internacional. Este Congresso foi convocado após quatro anos de adiamento. Stalin e Bukharin queriam que a política de subordinação à burguesia do Kuomintang seguida pelo Partido Comunista Chinês na revolução de 1925-27 fosse votada como correta. Além disso, queriam que o Congresso aprovasse o “Projeto de Programa”. Trótski escreverá uma crítica devastadora a esse projeto, que ficará conhecida como "Projeto de Programa IC (Crítica das Teses Fundamentais)" ou simplesmente como Crítica ao Programa da IC, tornando-se um dos marcos em sua formulação da teoria da revolução permanente.

Lá ele fez a exposição mais detalhada das críticas à ideia de “socialismo em um só país”. Com base na experiência histórica deixada pela Revolução Chinesa de 1925-27, generaliza a mecânica interna da Revolução Russa para os países coloniais.

O documento está dividido em três seções, intituladas respectivamente: 1. Programa da revolução internacional ou programa do socialismo num só país?; 2. Estratégia e tática na era imperialista; e 3. Balanço e perspectivas da Revolução Chinesa: suas lições para os países do Oriente e para a IC [38].

Trótski critica um “Programa” que não leva em conta a mudança dos tempos do século XX, onde prevalecem as guerras e revoluções e, portanto, as mudanças bruscas de situações como já havia ocorrido no Outubro russo e na Alemanha de 1923. Sem essa visão, os partidos não estariam preparados para a principal tarefa que têm pela frente: determinar o momento mais propício para liderar a insurreição. Por outro lado, critica a concepção bukharinista da “permanência” da revolução, “segundo a qual nenhuma descontinuidade pode ser concebida no processo revolucionário: períodos de calma, retrocessos, exigências transitórias, etc.” [39]. Nada poderia estar mais longe da concepção de Trótski que, por exemplo, aprofunda, nesta crítica, as consequências da derrota da Revolução Alemã, o papel do PC nela e a necessidade de chamar as “derrotas” pelo seu nome, ao que a direção da IC se negava.

A Revolução Chinesa e a aplicação da teoria da revolução permanente aos países atrasados

As lições da segunda Revolução Chinesa de 1925-27 e a política implementada pelo Partido Comunista Chinês, a mando da IC, e de qual deveria ser a política dos revolucionários, foram a base sobre a qual Trótski elaborou a teoria da revolução permanente para países coloniais e semicoloniais.

Em torno desta revolução surgiu uma polêmica por correspondência com oposicionistas proeminentes, em primeiro lugar, com Karl Radek. A primeira destas cartas foi escrita em meados de 1926, e nela Trótski nega que a opressão nacional ou colonial da China deva resultar na subordinação do Partido Comunista Chinês ao Kuomintang, um argumento que veio do arsenal de Stálin, que tinha promovido a dissolução do PC Chinês naquele partido nacionalista burguês, e nomeou Chiang Kai-shek como membro associado do Comité Executivo da Terceira Internacional, pouco antes de massacrar os comunistas em Xangai e Cantão.

Uma segunda carta para Radek, bem como outra para Alsky, foram escritas em março de 1927, à medida que os acontecimentos na China se aprofundavam em um sentido revolucionário. A fração governante se responsabilizava, naquela época, por ocultar os acontecimentos que ocorriam naquele país, o que dificultava a sua compreensão.

Nestas cartas, Trótski desenvolve o pensamento que estava latente na primeira carta a Radek: o Partido Comunista Chinês deve ser independente do Kuomintang, ambas as organizações devem ser separadas para libertar as mãos dos comunistas chineses e evitar que o partido se degenere para o menchevismo: “Para que as massas compreendam mais facilmente quão traiçoeira é a política do Kuomintang, o que é necessário é um partido completamente independente, mesmo que pequeno, que critique, explique, exponha, etc.” [40]. E liga o futuro do comunismo na China e da revolução à independência do partido: “a permanência do Partido Comunista no Kuomintang ameaça ter consequências horríveis para o proletariado e para a revolução; e acima de tudo ameaça o próprio Partido Comunista Chinês com uma degeneração total em direção ao menchevismo” [41].

Ele justifica esta política na análise da mecânica interna da revolução em curso:

“Na verdade, existem três campos na China – os reacionários, a burguesia liberal e o proletariado – que lutam pela hegemonia sobre as camadas mais baixas da pequena burguesia e do campesinato. (...) O que devemos salvaguardar no decurso da revolução é, acima de tudo, o partido independente do proletariado que avalia constantemente a revolução do ponto de vista de três campos, e é capaz de lutar pela hegemonia no terceiro campo e, através deste, durante toda a revolução [42].

A correspondência entre Trótski e Preobrazhensky desenvolveu-se em 1928 [43]. E será nestas cartas que Trótski dará um enorme passo na aplicação da teoria da revolução permanente na China. A revolução já tinha sido esmagada primeiro por Chiang Kai-shek e depois por Wan Tin-wei. O Kuomintang massacrou o proletariado chinês e reprimiu militarmente as insurreições no campo. O Partido Comunista estava muito enfraquecido. A insurreição dos trabalhadores de Cantão, ocorrida em Dezembro de 1927, demonstrou, como disse Trótski, como num teste de laboratório, a correção da sua análise: a revolução futura colocaria o proletariado no poder.

A revolução permanente

Enquanto esteve em Alma Ata, Trótski dedicou-se a escrever um livro cujo objetivo era analisar a polêmica sobre o caráter e a mecânica da futura revolução lançada no seio da social-democracia russa nos anos que vão de 1905 ao triunfo de Outubro: A Revolução Permanente.

A partir desta análise e da experiência de 1917, tentou demonstrar as distorções deliberadas levadas a cabo por Stálin e Zinoviev. E como estas distorções e a luta contra a revolução permanente, levada a cabo pelos epígonos de Stálin, serviram de base para a política de sabotagem da revolução no Oriente. Foi então que um livro escrito por Radek – ainda uma das figuras importantes da Oposição – começou a circular entre os oposicionistas, no qual tentava contrastar a teoria da revolução permanente com a política sustentada por Lênin antes de 1917. Então, Trótski decide abandonar o seu projeto original e centrar a sua crítica no livro de Radek, uma vez que a sua renúncia à teoria da revolução permanente constituiu um ato muito perigoso para a própria Oposição, já que “o oportunismo na política é tanto mais perigoso quanto mais disfarçado parece”. [44].

Por estas razões principais, Trótski começará o seu trabalho reconstruindo a teoria da revolução permanente tal como foi formulada em 1905. Colocando a teoria em relação ao pensamento de Lênin e delineando as diferenças entre eles. Tudo isto à luz do triunfo de Outubro.

O livro consiste em sete capítulos, cuja escrita Trótski começou no final de 1928, dois prólogos escritos a posteriori (1929-30) e um epílogo. Termina com uma formulação concentrada em quatorze “Teses Fundamentais”.

No primeiro dos prólogos, Trótski expõe o método marxista de análise da economia mundial em oposição à ideia de socialismo em um só país. No segundo, desenvolve uma análise da teoria, tal como foi concebida por ele "antes dos acontecimentos decisivos de 1905", fixa a sua localização histórica em relação à posição oficial dentro do menchevismo e a sua localização em relação à posição de Lênin de “ditadura democrática dos operários e camponeses”.

Aqui ele também fornece uma explicação dos chamados três aspectos da teoria: o primeiro deles era que “os objetivos democráticos das nações burguesas atrasadas conduziam, no nosso tempo, à ditadura do proletariado, e que isto colocava, na ordem do dia, as tarefas socialistas”. Desta forma, a revolução democrática tornou-se socialista, daí o seu carácter permanente.

O segundo aspecto correspondia à própria dialética da revolução socialista como tal. “Ao longo de um período de duração indefinida e de uma luta interna constante, todas as relações sociais são transformadas. A sociedade passa por um processo de metamorfose.

O terceiro aspecto diz respeito à questão internacional da mesma: “A revolução socialista começa na arena nacional, desenvolve-se na arena internacional e atinge o seu termo e termina na arena mundial. Portanto, a revolução socialista torna-se permanente num sentido novo e mais amplo da palavra: no sentido de que só é consumada com a vitória definitiva da nova sociedade em todo o planeta” [45].

Vigência e atualização da revolução permanente em outros países

Depois de aplicar a teoria da revolução permanente aos países atrasados ​​em 1928-29, Trótski viu-se confrontado com um conjunto de problemas políticos agudos, para os quais teve a oportunidade de testar os seus postulados teóricos, bem como de os enriquecer.

Em 1929, Trótski, expulso da URSS, teve que se exilar na ilha de Prinkipo (Turquia). Lá ele dedicou grande energia à organização da Oposição de Esquerda Internacional, que era considerada uma fração da IC. A recusa da frente única do Partido Comunista Alemão com a Social-Democracia, permitindo a ascensão de Hitler ao poder, e a subsequente aprovação desta política como correta pela Internacional, mudou a política de "reforma" da Internacional que tinha sido sustentada pela Oposição de Esquerda Internacional (que adotou o nome de Liga Comunista Internacional). A luta dentro da IC já não era possível. Era necessária uma nova Internacional. As lições estratégicas da Revolução Chinesa e da burocratização na URSS serviriam de base para o programa da nova Internacional.

Os grandes acontecimentos da década de 1930 levaram Trótski a uma nova reflexão sobre a revolução permanente. Foram necessárias hipóteses adicionais para ampliar seu campo de alcance, bem como atualizações em sua “letra”, capazes de dar conta das mudanças no desenvolvimento histórico, mantendo ao mesmo tempo o essencial de seus fundamentos.

Nos doze anos que vão desde a última elaboração de toda a teoria da revolução permanente até ao seu assassinato, os acontecimentos da luta de classes internacional foram altamente convulsivos. Trótski desenvolveu diante deles uma vasta produção onde se consagram aquisições essenciais para a política marxista revolucionária. Seus escritos sobre o fascismo, sobre os problemas da Revolução Italiana [46], o nazismo alemão, a situação política francesa (com a ascensão ao governo da Frente Popular e a grande onda de ocupações de fábricas em junho de 1936), a análise da consolidação da degeneração burocrática da URSS, a revolução espanhola enfrentando o fascismo e a Frente Popular e o POUM que cedeu a esta última, as tendências imperialistas que levaram à Segunda Guerra Mundial, a sua subsequente eclosão e as políticas dos revolucionários nela, o desenvolvimento da classe trabalhadora norte-americana, a análise dos bonapartismos sui generis nas semicolônias a partir da experiência vivida com o governo Cárdenas no México fazem parte dos fenômenos fundamentais em cujo calor Trótski enriqueceu a teoria-programa da revolução permanente.

Em resposta a estes fenômenos, Trótski e os seus companheiros de luta desenvolveram uma ampla base teórica e programática que sustentou a fundação da Quarta Internacional nos seus documentos fundamentais, especialmente, como apontamos no início desta apresentação, o Programa de Transição e o "Manifesto de Emergência”.

Após o assassinato de Trótski, diversas correntes que afirmavam ser seguidoras do seu legado fizeram diferentes interpretações da teoria da revolução permanente. Não é objetivo desta compilação nem deste prólogo analisar essas interpretações. Para isso recomendamos ao leitor os diversos textos nos quais a nossa corrente, a Fração Trotskista - Quarta Internacional, se dedicou a esta tarefa, refletindo sobre a luta de classes internacional após 1940 e sua relação com a teoria da revolução permanente [47].

* * *

Esta nova edição das Obras Selecionadas de Leon Trótski baseia-se na compilação publicada com o título homônimo A teoria da revolução permanente (Edições IPS-CEIP, 2011). Contém os mesmos textos corrigidos e melhorados para esta edição com o acréscimo do panfleto que Trótski escreveu antes da revolução de 1905: “Antes de 9 de janeiro”, traduzido do russo por Guillermo Iturbide especialmente para esta edição e o artigo “Problemas da Revolução Italiana”. As fontes bibliográficas utilizadas foram atualizadas e são apresentadas ao final do volume juntamente com breves notas biográficas.

A compilação dos textos, assim como o prólogo, foi realizada por Gabriela Liszt, esta última com a colaboração de Christian Castillo e Matías Maiello. A edição geral ficou a cargo de Nora Dragún com a estreita colaboração de Rossana Cortez. Laura Salmena fez as correções de estilo e Maximiliano Olivera fez as traduções do inglês. A diagramação ficou a cargo de Fernando Lendoiro (B de vaca). A montagem da capa e o restante da produção editorial ficou a cargo de Luis Rodriguez.


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FOOTNOTES

[1Também hoje, existem inúmeros sites contendo seu texto, entre eles: www.ceip.org.ar e www.marxists.org

[2Trotsky, “El programa de transición y la fundación de la IV Internacional”, Obras escogidas 10, Bs. As., Ediciones IPS-CEIP, 2017, p. 43

[3Trotsky, “La Segunda Guerra Mundial y revolución”, Obras escogidas 8, Bs. As., Ediciones IPS-CEIP, 2015, p. 265.

[4Trotsky, Mi Vida, Obras escogidas 2, Bs. As., Ediciones IPS-CEIP, 2012, p. 200.

[5Trotsky, “Introducción” a La revolución permanente, p. 313 de esta edición.

[6Ibid., p. 314.

[7No Apêndice desta edição, p. 439..

[8“Prefacio a la edición rusa”, 1905, Bs. As., Ediciones IPS-CEIP, 2006, p. 13.

[9Ver Gaido, Daniel y Day, Richard (comp.), Witnesses of Permanent Revolution, Lieden, Brill, 2009, onde mostram as discussões e aportes dos membros da II Internacional (Riazanov, Kautsky, Parvus, Mehring, Luxemburgo) que deram lugar à formulação de Trótski de 1905. Segundo este artigo, a concepção da revolução permanente estava inscrita em muitos teóricos da socialdemocracia (como continuidade das formulações de Marx) que a defenderam especialmente contra o bernsteinianismo (reformismo) do início do século XX.

[10Trotsky, Antes del 9 de enero. Traduzido ao castelhano do original russo para esta edição.

[11Ibid., p. 63.

[12Ibid., p. 79.

[13Ibid., p. 84.

[14“Prefacio a la edición rusa”, 1905, op. cit., pp. 13-14.

[15Ibid., “La huelga de octubre”, p. 97.

[16Ibid., “Conclusiones”, p. 221. Trótski polemizou em seu “Três concepções da Revolução Russa” de 1939 (p. 153 do atual volume) com Stálin que afirmou que a derrota de 1905 se deu devido à falta de maturidade que tornava impossível a “ditadura do proletariado”.

[17Brossat, A., En los orígenes de la revolución permanente, México, Siglo XXI Editores, 1976.

[18Ver a formulação desta lei em Trotsky, “Las características peculiares del desarrollo en Rusia”, em Historia de la Revolución rusa, Obras escogidas 11 Tomo I, Bs. As. Ediciones IPS-CEIP, 2017, p. 21.

[19Trotsky, Resultados y perspectivas, p.93 deste volume.

[20“Prefacio” de 1919 a Resultados y perspectivas, p. 87 desta edição.

[21A nova edição de “Resultados y perspectivas” de 1919 foi traduzida para vários idiomas e, segundo Trótski, o livro era considerado como “uma espécie de tratado oficial do partido, não somente na Rússia, como também entre os comunistas dos países ocidentais”.

[22Trotsky, La guerra y la Internacional, Bs. As., Ediciones del Siglo, 1973.

[23Ver 1917. Escritos en la revolución, Bs. As., Ediciones IPS-CEIP, 2007.

[24Brossat, A., op. cit., p. 117.

[25Trotsky, “Tácticas internacionales”, 1917 (compilación), Bs. As., Ediciones IPS-CEIP, 2007, p. 159.

[26Trotsky. “En camino: consideraciones acerca del avance de la revolución proletaria”, La teoría de la revolución permanente, Bs. As. CEIP, 2000, p. 181.

[27Ibid., p. 193.

[28Em 1915, Trotski levantou, pela primeira vez, a palavra de ordem dos Estados Unidos da Europa. A guerra era o terreno fértil para novas revoluções em solo europeu. Mas Lênin difere desta consigna, não estrategicamente mas taticamente, uma vez que como ainda não existia uma ditadura do proletariado em nenhum país, poderia ser interpretado como uma revolução simultânea em toda a Europa. Após a morte de Lênin e antecipando a “teoria” do socialismo num só país, a camarilha Stalinista usou as diferenças táticas formuladas por Lênin para tentar demonstrar as “diferenças de princípio” de Lênin com o “trotskismo”. Esta foi a justificativa para retirar a consigna do programa da CI.

[29Trotsky, Crítica al Programa de la Internacional Comunista, p. 233 de esta edición.

[30Ver Trotsky, 1917, op. cit.

[31Ídem

[32Trotsky, Lecciones de Octubre, p. 171 desta edição.

[33Trotsky, Idem.

[34Broué, P., Historia del Partido Bolchevique, Madrid, Ayuso, 1973, p. 272.

[35Para tentar evitar a expulsão, os dirigentes da Oposição se veem obrigados a manobrar. Em 16 de outubro se comprometem a continuar defendendo suas posições sem formar frações dentro do partido. Este é um compromisso obrigatório que Trotski deve assumir com a finalidade de continuar sua luta sem ser expulso

[36Trotsky, “Discurso a la XV Conferencia”, La teoría..., op. cit., p. 278.

[37Ver en p. 225 desta edição.

[38Estes documentos, juntamente com outros que Trótski redigiu por ocasião do VI Congresso, foram publicados em 1930 num livro sob o título de “Stálin, o grande organizador das derrotas. A Internacional Comunista depois de Lênin”. Desde então, esta obra foi traduzida para dezenas de idiomas e reimpressa diversas vezes em muitos países. Constitui um objeto de estudo incontornável para a compreensão da teoria da revolução permanente. Nesta edição publicamos a primeira seção

[39Trotsky, Stalin, el gran organizador de derrotas, Bs. As., Ediciones IPS-CEIP, 2012.

[40Trotsky, “Segunda Carta a Radek”, La teoría…, op. cit., p. 370.

[41Idem.

[42Trotsky, “Carta a Alsky”, La teoría…, op. cit., p. 374.

[43“Correspondencia entre Trotsky y Preobazhensky”, p. 285 desta edição.

[44Trotsky, La revolución permanente, p. 301 nesta edição.

[45Ibid p. 427

[46Ver em p. 431 desta edição

[47Cf. entre outros: Estrategia Internacional, Bs. As., N.º 3 (“Polémica con la LIT y el legado teórico de N. Moreno”, 1993), N.º 4/5 (“Los consejos obreros y la revolución socialista”, 1995), N.º 19 (“Trotsky y Gramsci”, 2003), N.º 21 (“Desafiando la miseria de lo posible”, 2004), N.º 22 (“La actualidad del análisis de Trotsky frente a las nuevas (y viejas) controversias sobre la transición al socialismo”, 2005), El programa de Transición y la fundación de la IV Internacional, op. cit., “A 70 años del Programa de Transición (entrevista a Ch. Castillo y E. Albamonte)”, La Segunda Guerra Mundial y la revolución, op. cit.
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Gabriela Liszt

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