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Quando surgiu o hip hop?

Renato Shakur

Dossiê

Quando surgiu o hip hop?

Renato Shakur

Os irmãos DJ Kool Herc e Cindy Campbell dizem que o hip hop surgiu de fato no dia 11 de agosto de 1973, mais precisamente na avenida Sedgwick nº 1520 no Bairro do Bronx, Nova York, numa festa que reuniu a juventude negra da região.

Naquela época os frequentadores eram estudantes e jovens trabalhadores, pagaram 50 centavos para poder curtir os discos de soul e funk soul que iam desde de James Brown, Baby Huey e Jimmy Castor Bunch’s. Esses tipos de festa da comunidade negra para ouvir soul era conhecida também como “block parties” ou festas de ruas.

Ainda que tenham registros de que as block parties tenham existido desde o final dos anos 1960 e de que a comunidade porto riquenha no Bronx também organizava esses tipos de festas, não é errado afirmar que o hip hop surgiu dessas block parties. Dito de outra forma, o hip hop surgiu do que conhecemos na experiência brasileira como os bailes black.

Os pontos de contato entre a experiência brasileira e a norte americano são vários, é só olhar para a composição social, uma maioria negra e trabalhadora, fortemente marcada pela juventude dos bairros precários dos dois países. No caso das block parties do Bronx, as festas serviam para comunidade negra se divertir e estar junta, não só entre os negros, mas também com os trabalhadores e jovens brancos, como afirma DJ Kool Herc nessa entrevista.

Não daria para esquecer o fato de que as festas organizadas por Kool Herc e Cindy Campbell tinham um diferencial. O primeiro deles consistia no fato de Kool Herc ter inventado o break down. Hoje pode parecer algo tão simples, mas que naquela época revolucionou a música e a discotecagem. Kool Herc com a ajuda de Cindy conseguia ter dois discos iguais do mesmo artista, isso possibilitava ele tocar ao mesmo tempo a mesma música em dois toca discos diferentes. Por conta disso, ele conseguia posicionar uma faixa para começar onde a outra terminaria, e assim, aumentava o tempo da música. Ele fazia isso com o objetivo de aumentar o tempo da parte instrumental, uma especie de sample que conhecemos hoje. O breack down foi chave, por exemplo, para que o break dance e os b-boys se desenvolvessem nos anos 1970.

Outro elemento que dava um caráter particular às festas de Kool Herc era que ele por ser jamaicano tinha trazido de seu país de origem o sound system. A estética jamaicana das festas de reggae onde várias caixas de som empilhadas uma ao lado das outras e também uma em cima das outras criando um paredão de som, foi trazida por Kool Herc para o Bronx – e acabou se espalhando pelo Brasil e Inglaterra. Mas o que chama a atenção nesse aspecto da inspiração jamaicana de Kool Herc no desenvolvimento do hip hop em Nova York é justamente o elemento antirracista. Quando perguntado naquela mesma entrevista se havia alguma coisa na música jamaicana que ele trouxe para a música dele, ele não exitou em dizer:

“Sim. Porque eu conhecia meus discos. Até o [astro country] Jimmy Reeves. Eu sabia. Não há racismo na minha música. Martin Luther King estava vindo com “I have a dream”. E então ele disse, se um menino branco e um irmão negro dançarem juntos – ótimo. Então ouvi Baby Huey dizer: Existem três tipos de pessoas. Existem os brancos, existem os negros e existe o meu povo. Isso é bom”.

As festas de rua onde o hip hop se originou, portanto, carregavam por conta de ser uma festa negra um conteúdo social bastante importante. Não podemos nos esquecer que essas festas surgiram pós-movimentos por direitos civis, isto é, eram ainda a expressão social de um setor da população norte americana que tinha saído às ruas por direitos e contra o racismo. Tinha visto seus principais líderes assassinados pelo estado. Muitos deles, sobretudo os jovens trabalhadores do Bronx convivam ainda com os subempregos, o desemprego, a precariedade dos bairros, a violência social e a repressão policial. Não à toa encontravam na música soul, ou seja, aquele grito que vem da alma, o refúgio para as dores e ódio contra a miséria e o racismo. Além disso, esses jovens faziam parte também de uma geração que se inspirou no movimento anti-guerra.

Foram os Panteras Negras, Martin Luther King, Malcom X que inspiraram essas gerações de jovens que construíram a cena hip hop em seu conjunto. Quando organizavam essas festas de rua não apenas o faziam para se divertir, também queriam dizer que a luta não havia acabado, e sobretudo, o antirracismo seguiria fazendo parte de suas vidas.


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Renato Shakur

Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF
Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF
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