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ESPECIAL COLÓQUIO MARXENGELS | Sobre Peter D. Thomas e o marxismo de Gramsci

segunda-feira 13 de julho de 2015 | 15:28

Tradução Matheus Correia

O livro de Peter D. Thomas, The Gramscian Moment: Philosophy, Hegemony and Marxism1, tem gerado um novo interesse pelo pensamento de Gramsci nos âmbitos da esquerda acadêmica e política na Inglaterra e França, e se converteu em certa medida em um acontecimento intelectual internacional.

Os motivos para este sucesso são vários. Em primeiro lugar, um certo “vácuo” teórico concernente às estratégias da esquerda, entendida esta em sentido amplo. Em uma situação de relativa ascensão das coligações da esquerda reformista, passado o momento das “ilusões sociais” que expressou a moda autonomista, as elaborações de Thomas oferecem hipóteses de reconstrução do marxismo pela via de um resgate do pensamento de Gramcsi, com afinidades em direção aos novos movimentos surgidos nos último anos: Ocuppy Wall Street, a Primavera Árabe e movimentos anticapitalistas em geral, e ao tentar retomar a questão “político-estratégica”.

Através de sua leitura de Gramcsi, Thomas postula um pensamento alternativo ao “pós-marxismo” que terminou transformado em uma base ideológica de distintas variantes de projetos “populistas” - sobretudo nos governos que na América Latina conhecidos como “pós-neoliberais” - e também em uma situação de decadência, postulando a seu modo também a questão da centralidade operária, sem cair no “obrerismo” temido ao máximo pela esquerda britânica e francesa.

Desde o ponto de vista teórico, Thomas tem o mérito de fazer acessível ao leitor de língua inglesa certas conclusões dos estudos gramscianos mais recentes, em uma “cultura marxista” onde a principal recepção a Gramsci se faz através do prisma althusseriano; distintos nesse sentido são os casos por exemplo da Argentina ou em parte da América Latina, onde essa contaminação existiu, mas não impediu o desenvolvimento de uma tradição propriamente gramsciana independente ou não necessariamente marcada pelo enfrentamento com Althusser.

Nas pegadas do Estado Integral

A revalorização de Thomas do pensamento de Antonio Gramsci se constrói a partir de polêmicas contra as interpretações do pensamento do comunista italiano praticadas em As Antinomias de Antonio Gramsci de Perry Anderson e Para Ler o Capital de Louis Althusser. Thomas apresenta ambas críticas ao pensamento de Gramsci como complementares e coincidentes com diversos ângulos.

Entretanto, os pontos de vista de Althusser e Anderson são essencialmente divergentes em uma questão fundamental: enquanto para Althusser o central passava por uma crítica “teórica” sobre as relações entre marxismo, ciência e filosofia, sem uma dimensão estratégica clara, o eixo selecionado por Anderson passa pela questão estratégica, e nesse contexto se localizam as críticas teóricas. Nesse sentido, a equiparação de Anderson e Althusser que realiza Thomas se torna discutível, ainda que o debate com Anderson sobre a questão do Estado é produtivo para refletir sobre o tema desde o marxismo.

Thomas resgata a categoria de “Estado Integral” presente nos textos gramscianos, ainda que sem o nível de sistematização proposto por Thomas, que pode sintetizar a seguinte definição de Gramsci: “O Estado (em seu significado integral: ditadura + hegemonia) (C6 §155)2 e tem uma primeira aparição em C6 § 10 a propósito da história dos intelectuais e suas relações com o surgimento e crise do Estado moderno, contexto em que Gramsci diz que na Revolução Francesa a burguesia “pode apresentar-se como “Estado” integral, com todas as forças intelectuais e morais necessárias e suficientes para organizar uma sociedade completa e perfeita”3.

Coincidindo com a necessidade histórica do Estado moderno (burguês) de ter uma base de massas, a categoria de Estado Integral, tal como entende Thomas, permitiria desenvolver uma leitura mais complexa do Estado no século XX e na atualidade.
Neste marco, Thomas se vale do Estado Integral para refutar os três “modelos” das relações (oscilantes e variadas) entre Estado e sociedade civil no Ocidente que Anderson identifica na obra de Gramsci:

  •  O Estado em contraposição à sociedade civil
  •  O Estado abrange a sociedade civil
  •  O Estado é idêntico à sociedade civil 4.

    Assim, define que, com o conceito de “Estado Integral”, “Gramsci tenta analisar a mútua interpenetração e reforço da “sociedade política” e “sociedade civil” (os quais devem ser distinguidos metodologicamente, não organicamente) no interior de uma unificada (e indivisível) forma-Estado” 5.

    Contra estes modelos, a proposta de Thomas consiste em tentar superar as possíveis “oscilações” e mutações realizadas por Gramsci na distribuição da coerção e consenso entre Estado e Sociedade civil para sustentar que o Estado Integral representa precisamente uma nova forma de articulação entre sociedade política e sociedade civil, de forma tal que a localização da coerção ou o consenso em um só dos dois polos resulta impossível. Thomas sustenta que a categoria de Estado Integral é mais ajustada ao texto gramsciano que a categoria de “Estado Ampliado”, proposta no clássico livro de Buci-Glucskmann Gramsci e o Estado.

    No entanto, embora possa ser menos rigorosa filologicamente, a ideia de um "Estado Ampliado” ( que Buci-Glucksmann sintetiza como “uma incorporação da hegemonia e seu aparato ao Estado) 6, ademais de não ser tão diferente em seu conteúdo da proposta de Thomas, pode resultar útil “historicamente”, contanto que ela não caia em uma leitura (interpretação da categoria) de "Estado em disputa" ou "mudar o Estado a partir de dentro, lutando no interior de seus aparatos ideológicos".

    Ou seja, que aquilo a que Gramsci apontava com a ideia de que o Estado em seu significado integral é ditadura mais hegemonia não responde a uma definição estática mediante a qual os Estados do Ocidente são por si só hegemônicos (desde a Revolução Francesa em diante), mas a um processo mais complexo mediante o qual o Estado busca tornar-se de uma base de massas ao mesmo tempo que aperfeiçoa seu aparato repressivo e estende seu controle sobre as organizações que “não são Estado” em sentido estrito, tendência que está bem presente no século XIX, principalmente com a integração ao regime da socialdemocracia, que ganha um salto na época do imperialismo.

    Esta categoria de Estado Integral tem ganhado popularidade entre intelectuais e acadêmicos, tanto desde o ponto de vista do estudo do pensamento de Gramsci a partir de um ângulo filológico, como desde análises das trocas nas formas estatais nas últimas décadas, em um espectro muito amplo que vai desde as relações entre estado e sociedade civil sob o neoliberalismo até as experiências dos governos “pós-neoliberais” latino-americanos.

    Embora seja uma contribuição para a compreensão do conceito de Estado em Gramsci, a utilização desta categoria muitas vezes contém a reprodução de um “sentido comum” que atua como “obstáculo epistemológico”: em muitos casos quando se fala de Estado Integral, ainda que se fala do entrelaçamento entre sociedade civil e sociedade política, se segue supervalorizando o aspecto de consenso, de forma tal que se transforma o Estado Integral em um Estado “consensual”, leitura unilateral que por exemplo, se contradiz com a posição de Gramsci sobre a “ampliação” da polícia. Se se perde de vista o aspecto de “coerção” da dominação estatal, se pode cair em posições pacificistas que transformem a luta política em luta cultural ou eleitoral, mas naturalizando ou escondendo a violência estatal e a necessidade de enfrenta-la. Mas essa violência sempre volta (ou nunca se vai), para recordarmos que a “questão do Estado” é um problema que ultrapassa a teoria.

    Se é correto o que assinala Peter D. Thomas sobre que o Estado Integral se caracteriza pela “mútua interpenetração e reforço da sociedade política e sociedade civil (os quais devem ser distinguidos metodologicamente, não organicamente) no interior de uma unificada (e indivisível) forma-Estado”, isto significa também que a “estatização da sociedade civil”, não se limita a mecanismos de consenso e cooptação, mas inclui o reforço e a extensão do aparato repressivo, de forma tal que o Estado Integral não se contrapõe, mas que inclui e reforça o Estado-policial.

    Teoria, nova imanência e política revolucionária

    Thomas sintetiza a “filosofia da práxis” com os três conceitos gramscianos de humanismo absoluto, imanência absoluta e historicismo absoluto. Busca estabelecer, a partir desses conceitos, as relações levantadas por Gramsci entre história, filosofia e política. Nesse marco, aborda a questão do “novo conceito de imanência” levantado por Gramsci.

    Nos Cadernos do Cárcere, a ideia de um “novo conceito de imanência” ou uma nova imanência aparece relacionada com três possíveis linhas de interpretação (todas convergentes).

  •  Uma continuidade da filosofia imanentista, depurando a versão especulativa desta que oferece ao hegelianismo (recordemos que Hegel considerava a filosofia de Spinoza como um “momento” de seu sistema. Isso está presente na Fenomenologia do Espírito, mas sobre tudo está explicado acabadamente na Ciência da Lógica), para uma compreensão realista e concreta da história.
  •  Uma síntese teórica que une a filosofia alemã, a economia política inglesa e a política revolucionária francesa (as famosas três fontes e três partes integrantes do marxismo), criando uma nova concepção do mundo que em sua vez expressa esta síntese dos três elementos em cada um dos seus segmentos, de forma tal que não há filosofia, política e economia marxista, mas sim uma “filosofia da práxis”, “crítica da economia política” e uma teoria política/estratégica que tem seus fundamentos teóricos nos antecessores e tudo isso é parte de uma “concepção de mundo”.
  •  A categoria de “mercado determinado” e “leis tendenciais” que Gramsci associa ao economista David Ricardo e que considera um elemento convergente com a concepção marxista, em tanto contribui a estabelecer, dito com termos não precisamente presentes em Gramsci em explicar “como surge o movimento histórico sobre a base da estrutura” e a questão das relações de forças.

    Peter D. Thomas, que considerava estes distintos aspectos, tomando, a sua vez, outros estudos gramscianos, intenta fechar o círculo da “nova imanência” com uma definição que é a seguinte: Imanência = Teoria. Creio que se pode ser bem atrativa, não se ajusta ao todo à reflexão gramsciana. Vejamos porquê.

    Thomas cita uma passajem do Caderno 4, em particular C4 §17, em que Gramsci diz: “a expressão ‘imanência’ em Marx tem um significado preciso e isso é o se deveria definir: na realidade essa definição seria realmente ‘teoria”. Dessa frase, Thomas deriva a definição: Imanência = Teoria.

    Entretanto, tal derivação está fora de contexto. Dado que Gramsci não está dizendo que a definição de imanência é teoria, mas que o ato de definir o conteúdo preciso da imanência em Marx tinha sido realmente “fazer teoria”. Para afirmar isto nos baseamos por exemplo no Caderno 4 §13, onde Gramsci sustenta a respeito do Ensaio de Bukharin: “A primeira observação a ser feita é que o título não corresponde ao conteúdo do livro. Teoria do materialismo histórico deveria significar ordenação lógica dos conteúdos filosóficos que são conhecidos sob o nome de materialismo histórico. O primeiro capítulo, ou uma introdução geral deveria ter tratado a questão: o que é a filosofia? Uma concepção do mundo é uma filosofia? O materialismo histórico renova esta concepção? Que relações existem entre as ideologias, as concepções de mundo, as filosofias? A resposta a esta série de perguntas constitui a ‘teoria’ do materialismo histórico”. Mais adiante diz que esses são os problemas teóricos e não “os que o autor propõe como tal”.

    Nesse contexto, ou seja, tendo estabelecido que elaborações ou reflexões têm status “teórico”, Gramsci critica Bukharin por sustentar que a palavra “imanência” tem em Marx um sentido metafórico e por iludir a questão de definir seu significado preciso no pensamento marxiano, o qual seria efetivamente uma definição “teórica”.
    Contudo, parece um pouco forçado dizer que ali se desprende a fórmula Imanência = Teoria. Enquanto resulta acertado resgatar, como faz Thomas, que na “nova síntese teórica” que por sua vez uma redefinição das relações entre a teoria e a prática, como parte do desenvolvimento da luta por constituir a classe operária como classe hegemônica, unindo filosofia e política, a relação entre história, teoria e política se concebe como “imanente”.

    Este debate pode ser contextualizado na reflexão gramsciana sobre Maquiavel, sobre qual o lugar da política na filosofia da práxis e a questão da passagem da filosofia à política subvertendo a relação histórica anterior entre teoria e prática, no sentido assinalado por Gramsci no C11 § 49, no âmbito de uma reflexão sobre o "traduzibilidade" das línguas da Revolução Francesa e da filosofia clássica alemã, quando interpreta a Tese 11, assinalando que “a filosofia deve converter-se em política (...) para seguir sendo filosofia”.

    Se retomamos a questão da “nova imanência” unindo o critério de “traduzibilidade” colocado por Gramcsi entre filosofia e política como chave de interpretação da Tese XI, à luz da pergunta central na reflexão de Gramsci sobre Maquiavel, podemos redefinir o “novo conceito de imanência” como uma nova unidade teoria/prática que é consubstancial para a atividade política revolucionária.

    Este debate é mais importante não tanto pelo tratamento da questão nos estudos gramscianos, mas sobretudo porque a “imanência” foi durante várias décadas a bandeira, primeiro de um marxismo estruturalista e anti-hegeliano e de um autonomismo inimigo do marxismo clássico, mais tarde pelo pós-estruturalismo em diante.

    Quando Toni Negri, ressignificando suas próprias elaborações prévias como as presentes em O Trabalho na Constituição e O Poder Constituinte, lançava muito solta de corpo a ideia de que “a multidão chama ao império”, criando uma má infinidade de desafios “por baixo” respondidas por recomposições “por cima”, que por sua vez dava por liquidadas as mediações político-sociais que necessita construir a classe operária junto com os setores oprimidos para melhor lutar (associadas negativamente com a dialética hegeliana) e habilitava a ideia de um “comunismo sem transição”, estava assim utilizando a tradição imanentista para criar uma filosofia política de uma “substância” que não pode “tornar-se sujeito” ou para dizer mais fácil “tomar o mundo sem mudar o poder” ( a inversão do título de Holloway é proposital). De forma tal que o desafio colocado por Pierre Macherey em seu Hegel ou Spinoza de inverter a forma imposta pelo idealista alemão, para ler o materialista judeu-holandês, se transformaria em uma simples degradação do legado de Spinoza à serviço de uma teoria derrotista de luta de classes.

    Frente a este falso “imanentismo”, o resgate das reflexões gramscianas e sua relação com o “novo materialismo” posto em prática por Marx, permite voltar a pensar nos fundamentos filosóficos do marxismo, não como uma “peça de museu”, mas como uma teoria viva que busca recriar-se contra o pensamento burguês, pseudoautonomista e da esquerda rotineira.

    Hegemonia, revolução passiva, Príncipe Moderno

    Thomas assinala que em Cadernos do Cárcere a revolução passiva emerge como expressão da “crise orgânica” da sociedade burguesa assim como antítese do fracasso da revolução ativa das classes populares. É precisamente essa figura da “antítese vigorosa”, trazida por Gramsci em C15 §62, onde reside a chave para pensar as relações entre revolução passiva, hegemonia burguesa e proletária e construção de um aparato hegemônico proletário, que no léxico gramsciano, coincide com o Príncipe moderno.

    Thomas sustenta que a revolução passiva é uma forma de duração (a dizer, continuidade sem progressividade histórica) do sistema capitalista, e que, no entanto, o proletário não constrói sua própria hegemonia sem impor a revolução passiva.
    Porém, esta ideia da construção de um aparato hegemônico está colocada sem estabelecer uma relação com a experiência da classe operária e suas organizações na luta de classes (o qual, a sua vez incide no tipo de instituição através das quais pensamos que a classe operária pode conquistar sua hegemonia). Desta forma, frente a “duração” da revolução passiva, os tempos da construção da hegemonia podem voltar-se também “vazios”. Isto guarda relação com uma tendência constante na interpretação de Thomas que é a de exacerbar as bordas da “superação do aspecto econômico-corporativo” que contém a teoria da hegemonia, como na interpretação que faz da NEP.

    Thomas sustenta, neste contexto, que o Príncipe Moderno não seria um mero codinome para o Partido Comunista. Sustenta que pelo contrário, contra o formalismo político próprio da modernidade, no qual as formas políticas subordinam o conteúdo social, o Príncipe Moderno, culmina na constituição de um “partido-laboratório” que é expressão de um conteúdo que constitutivamente o excede. Citamos umas linhas de outro trabalho “Hegemony, passive revolution and the modern Prince”:

    A consolidação institucional deste processo em um partido de novo tipo, deveria portanto, não ser entendida como a formação de um “sujeito político”, como um centro unificado de propósito e iniciativa, ou um “instrumento” ou “máquina” (...). Pelo contrário, é uma sempre provisória condensação de relações de força que continuamente modifica a composição do Príncipe Moderno como um organismo coletivo, e como um expansivo processo revolucionário em movimento. Sobretudo, o conceito integral do Príncipe Moderno, tanto como uma ampla dinâmica civilizatória como um novo processo institucional de transformação social, representa, em um sentido ativo, um novo tipo de cultura política que deveria ser capaz de valorizar o poder constituinte como a base de uma nova organização social.

    Se é verdade que Thomas acerta em assinalar que para Gramsci o Príncipe Moderno não é um mero codinome para se referir ao velho PC, sua imagem de um partido de novo tipo aberto ao poder constituinte que vem de baixo parece na realidade destinado a estabelecer um Gramsci que dialogue com o legado do autonomismo e os “partidos amplos anticapitalistas” ou neo-reformistas.

    Ainda que Gramsci postula um partido que ao desenvolver-se põem em marcha um movimento que subverte toda a estrutura da sociedade, o peso que tem em seu “modelo” a atividade autônoma da classe operária é pequena, e que há diferenças em seu período “conciliar”, nos Cadernos do Cárcere não se fazem referências aos conselhos operários, nem aos comitês de fábrica. A única forma “espontânea” da atividade da classe operária que aparece em suas notas sobre o Príncipe Moderno é o sindicalismo, o qual deve ser superado para estabelecer uma perspectiva realmente hegemônica.

    Por este motivo, o Príncipe moderno, sempre na visão de Gramsci, contrariamente a qualquer leitura “expressiva” da relação entre conteúdo social e formas políticas, tende a abarcar todo o espectro da atividade da classe operária, e dessa forma subsume e supera politicamente as formas “espontâneas” do movimento social.

    Do partido-classe (“totalitário” no sentido de que abarca o conjunto da atividade da classe operária e de “massas” no sentido contrário a partido de vanguarda), Thomas realiza uma derivação em direção a um partido-movimento, do qual se mantém seu caráter de movimento histórico e sua forma “ampla”, mas se identifica com experiências que pouco tem a ver com a hegemonia proletária e ao mesmo tempo se investe a relação entre conteúdo social e forma política colocada por Gramsci, deslocando o eixo do político ao social. Aliás, não é a primeira vez que se traz este tipo de interpretação, ampliando a concepção de partido de Gramsci até que abarque diversas experiências de “esquerdas amplas”, populistas ou reformistas.
    Na tradição de Lenin e Trotsky, este problema da relação entre movimento social e partido se aborda desde outra óptica, na qual o partido (de vanguarda) ganha peso de massas através do desenvolvimento de frações revolucionárias nos sindicatos e organizações de massas, a política de frente única operária, cuja máxima expressão são por sua vez os sovietes e a política hegemônica desde a vanguarda da classe operária até o resto dos setores sociais oprimidos, como os movimentos de mulheres, LGBT’s, estudantes, juventude, ambientalistas, etc.

    A hipótese do Príncipe moderno, enquanto partido-laboratório, não hierarquiza as tarefas preparatórias que vão desde as lutas teóricas, políticas, até os combates mesmo parciais da luta de classes, que amadurece e se desenvolve um partido revolucionário. E tampouco as diferentes tendências em que se divide o movimento operário (e que são expressão de sua hegemonia social e política), que fazem a existência de umas frações de vanguarda mais avançadas e conscientes que outras.

    Neste contexto, Thomas considera o plano de desenvolvimento político em termos históricos (a tendência da classe operária a constituir-se em partido), mas fazendo abstração da relação do caráter de classe, as formas organizativas e a estratégia que deve ter esse partido para conseguir o poder operário.

    Algumas conclusões

    O livro The Gramscian Moment tem pontos muito fortes, iniciando pelo trabalho filológico desenvolvido pelo autor, para oferecer uma visão mais completa e precisa do pensamento despregado por Antonio Gramsci em seus Cadernos do Cárcere. Ao longo deste artigo, temos assinalado seus méritos, assim como algumas críticas ao que consideramos pontos débeis da argumentação construída por Thomas.
    A reflexão mais importante, contudo, ainda precisa ser feita e tem a ver com o quão longe pode propor-se uma reconstrução do marxismo exclusivamente desde o ponto de vista da teoria de Gramsci, depois de décadas de “usos” (e abusos) do pensamento do comunista italiano.

    Neste sentido, uma recuperação do pensamento de Gramsci que tenta apresenta-lo como uma alternativa, tanto frente ao trotskismo como al stalinismo, tem o limite de que ao não tomar criticamente e em profundidade a questão político-estratégica, que inclui as lições da Terceira Internacional e a luta contra sua burocratização, luta essa encabeçada por Leon Trotsky, assim como as elaborações teórico-políticas e estratégias do fundados da IV Internacional, sempre pode ser passível de voltar a ser “instrumentalizada”, em termos políticos “eurocomunista”, para além das intenções de seu autor.


    * O presente artigo é uma síntese e reelaboração de diversos trabalhos escritos junto com Fernando Rosso na revista Ideas de Izquierda, assim como outras contribuições do autor publicadas em losgalosdeasterix.blogspot.com

    Notas

    1. Leiden-Boston, Brill, 2009.
    2. Aclaración: Todas las citas de los Cuadernos de la Cárcel, con número de Cuaderno y parágrafo, corresponden a Gramsci, Antonio. Quaderni del carcere. Edizione critica dell’ Gramsci a cura di Valentino Gerratana, Einaudi Tascabili, Torino/Italia, 2001.
    3. Thomas, Peter D., The Gramscian Moment. Philosophy, Hegemony and Marxism, Brill, Leiden-Boston, 2009, p. 93. Traducción propia.
    4. Thomas, Peter D., ob. cit., p. 137.
    5. Buci-Glucskmann, Christinne, Gramsci y el Estado, Siglo XXI España Editores, Madrid, p. 93.


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