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CONFERÊNCIA DA FT | Tensões econômicas e instabilidade política na situação mundial

Documento sobre a situação internacional discutida na XI Conferência da Fração Trotskista pela Quarta Internacional (FT-QI)

sábado 24 de março de 2018 | Edição do dia

A chegada de Donald Trump na Casa Branca e a ascensão de tendências nacionalistas nos países centrais – Brexit, partidos xenófobos eurocéticos, “soberanismos” – mostraram o esgotamento do consenso globalizador neoliberal, que se tornou hegemônico depois dos processos de restauração capitalista na Rússia e na China. Nas últimas décadas, os Estados Unidos exerceram a liderança através de organismos multilaterais, como a OMC, que garantiam o máximo benefício ao capital norte-americano, mas também permitiam que se beneficiassem também, não sem disputas e crises, aliados e competidores dos Estados Unidos, como a Alemanha, o Japão e, mais tarde, a China. Esta ordem (neo)liberal entrou em crise como consequência da Grande Recessão de 2008, que deixou uma profunda polarização social e política.

Independentemente das contradições que Trump enfrente para aplicar o seu programa nacionalista, já é um fato que ele mudou a agenda internacional voltando a colocar no centro a disputa entre “estados nação“ em detrimento das tendências globalizadoras. Isso não significa se retirar dentro das fronteiras nacionais, e sim pelo contrário, perseguir mais agressivamente o interesse nacional em detrimento do resto.

É um fato que no último ano essas tendências nacionalistas se aprofundaram e são as que dão o tom à situação internacional caracterizada pelas tensões econômicas e a instabilidade geopolítica, ainda que tenha se mantido a estrutura globalizada da economia e do comércio mundial, seguindo um desenvolvimento. A imposição por parte do governo de Trump de tarifas de 25% às importações de aço e de 10% nas de alumínio, ainda que tenha excetuado o México e o Canadá – com os quais está renegociando o NAFTA – caracteriza um precedente arriscado de transformar uma disputa comercial em um problema de “segurança nacional". Esta medida protecionista, diferentemente de outras menores que foram tomadas por Trump no primeiro ano de seu governo, está reavivando os temores de que seja o começo de uma escalada que possa derivar em uma guerra de tarifas se os afetados decidem responder com medidas punitivas sobre exportações norte-americanas, inclusive se Trump utilize as tarifas como método de negociação dura.

Se abre um novo cenário de maiores rivalidades, ameaças de guerras comerciais e escalada de conflitos regionais, nos quais grandes potências podem estar envolvidas.

Contradições e instabilidade na economia mundial

Na economia mundial se verificam duas tendências aparentemente contraditórias. Por um lado o crescimento em 2017 – ainda que se encontre no terreno dos prognósticos – foi maior do que o de todos os anos pós crise 2008/9 e se observa uma subida sincronizada nos EUA, China, Japão e Europa – ainda que só os dois últimos cresceram acima do promédio do período. Por outro lado, o crescimento exuberante das bolsas e dos ativos financeiros que nos EUA, Japão, China – como em vários países latino-americanos – alcançaram durante 2017 e princípios deste ano máximos da última década, estão na origem da queda de Wall Street de fevereiro passado que, ainda que tenha durado poucos dias, mostrou uma intensidade surpreendente. Ainda quando essa queda tenha sido contida, se instalou uma situação de instabilidade nos Estados Unidos – com uma rota imprevisível – que afeta a todos os mercados ativos da bolsa e financeiros do mundo.

A diferença de velocidade entre o crescimento da economia – muito lento – e o dos ativos financeiros – muito acelerado – aumenta a distância entre o preço de ditos ativos e os lucros corporativos reais que lhes dão sustento. O preço das ações tende a se separar cada vez mais do lucro real que geram as empresas. Essa relação que, já em 2016, nos Estados Unidos, era de 27 vezes, em 2017 e sob o governo Trump, chegou a 31, ou seja, maior do que a verificada em 2007 pouco antes do início da crise. Esta separação expressa a escassez de fontes para a nova inversão lucrativa de capital, é a base de uma instabilidade estrutural e a essência da tese burguesa do “estancamento secular”.

A origem da instabilidade financeira está associada ao temor de que a Reserva Federal norte-americana, sob administração de Trump, suba as taxas de juros de curto prazo mais além das três subidas programadas para este ano. Nesse caso as dívidas corporativas, que junto com as dívidas públicas cresceram significativamente durante os últimos anos, poderia levar à quebra ao redor de 14% das empresas norte-americanas. Por outro lado, se os incrementos de taxas planificados já terão inevitáveis efeitos negativos sobre as economias semi-coloniais em geral e sobre as latino-americanas mais endividadas ou dependentes dos mercados financeiros – como Brasil e Argentina em particular –, aumentos significativamente maiores aos previstos poderiam gerar potencialmente efeitos catastróficos. Além disso, impactariam negativamente sobre os valores das matérias-primas que neste momento aparecem como fator de estabilidade relativa para muitos países latino-americanos.

Ainda que a possibilidade de um período mais inflacionário seja matéria de discussão, há quem sustente que se a causa da inflação dos últimos anos está associada ao papel da China e a sua tendência à superprodução de mercadorias, os novos planos internos da burocracia de Pequim, assim como as maiores tendências protecionistas, poderiam regenerar pressões inflacionárias. Em tal contexto, uma combinação futura de maior inflação, déficits crescentes e maiores taxas de juros, não seria descartado.

Em termos mais gerais, os limites das políticas de estímulos monetários nos países centrais são em grande parte resultado de um dilema derivado da impossibilidade da China – um motor fundamental que, junto com o dinheiro barato, garantiu o crescimento ainda fraco durante o período pós Lehman – de continuar crescendo como até então. Este problema se tornou presente por volta do ano 2014 e é, em grande medida, fundamento das crescentes tendências nacionalistas na China, nos Estados Unidos, mas também na União Europeia, Rússia e outros países que se expressam em ascendentes tensões geopolíticas e elementos de guerra comercial.
Em definitiva, o maior crescimento da economia mundial não consegue retornar aos valores prévios à crise, e as contradições que firmaram as debilidades destes últimos dez anos se mantêm. A recuperação em curso é modesta e não alcança para desfazer as profundas consequências econômicas, políticas e sociais, que produziu a Grande Recessão de 2008/9. De fato o que preocupa as corporações e os organismos internacionais como a OCDE, o FMI e o Banco Mundial são tanto os prognósticos de uma diminuição do crescimento nos países centrais, como as consequências políticas derivadas da debilidade econômica.

Entre elas o risco de que uma intensificação de disputas comerciais, de tendências nacionalistas e fatores extra-econômicos, como uma crise geopolítica de magnitude ou fenômenos políticos que terminem desestabilizando a economia.

Tendência à crise orgânica, neoliberalismo senil e luta de classes

Desde o ponto de vista teórico, viemos definindo essa situação pós-crise de 2008 como o desenvolvimento de tendências à “crise orgânica” em vários países.
Incorporamos o termo “crise orgânica” às categorias “clássicas” que nós, marxistas revolucionários, utilizamos para analisar situações. O termo foi tomado de A. Gramsci para dar conta de situações intermediárias (entre as situações não-revolucionárias e pré-revolucionárias ou diretamente revolucionárias), abertas pelas consequências sociais e políticas da crise de 2008, na qual se desenvolveram elementos de crise da hegemonia burguesa, mas sem que prime a luta de classes e a radicalização política das massas como tendência generalizada (ainda que tenham tido processos agudos como a Primavera árabe). Estas situações são produto em grande medida de que a burguesia pôde evitar mediante a intervenção estatal, um cenário catastrófico similar à crise de 1930 e a crise seguiu durante vários anos como uma crise rasteira.

Os elementos de crise orgânica têm expressão política na crise dos partidos burgueses tradicionais (o “extremo centro”) que são vistos como agentes dos ajustes e ataques neoliberais.

Sobre esta base surgem novos fenômenos políticos “populistas”, tanto pela direita (partidos xenófobos europeus), como pela esquerda, expressado no surgimento de correntes neo-reformistas como o Podemos, o Syriza, Momentum no Partido Laborista, DAS nos Estados Unidos, França Insubmissa de Mélenchon, Frente Ampla no Chile, etc. O último exemplo desta crise são as eleições na Itália, onde os dois partidos mais votados foram a Liga Norte (que se apresentou simplesmente como “Liga”) e o Movimento 5 estrelas.

Isto não quer dizer que não tenham tentativas burguesas de superar pela direita esta situação (Macron na França, ou Ciudadanos no Estado espanhol, poderiam ser exemplos) ou ataques capitalistas como as reformas trabalhistas ou da previdência, com a contradição de que os governos que tentam aplica-las no geral são fracos e já estão encontrando resistência. Inclusive ainda que passem essas reformas (como a reforma trabalhista no Brasil), se trata de um neoliberalismo senil, não hegemônico, que tende a aprofundar a polarização social e política, o que poderia criar eventualmente condições mais favoráveis para o desenvolvimento de processos agudos da luta de classes e radicalização política.

Trump: um governo bonapartista fraco com fortes contradições

O balanço do primeiro ano do governo de Trump é misto. Ele não pôde aplicar sua agenda mais ambiciosa de campanha, nem no plano interno, nem na política exterior, mas também não foi neutralizado. Enquanto o primeiro dado se evidencia, por exemplo, no fato de que as medidas “protecionistas” implementadas durante o primeiro ano, resultaram em medidas parciais que responderam mais a lobbies de indústrias locais do que a uma estratégia de conjunto, o segundo fato se expressa na recente imposição de tarifas a importações de aço e alumínio. Isto dá um caráter volátil à situação política. A resposta a essas tendências contraditórias, que surgem das divisões na classe dominante e em seus partidos, foi aprofundar os traços bonapartistas do governo.

As divisões na Casa Branca e no establishment político expressam as disputas no interior da classe dominante e da burocracia estatal e também a polarização social, entre as quais Trump busca arbitrar se apoiando na ala militar da administração, mas ainda com uma política errática e pragmática. A demissão de Rex Tillerson e sua substituição por Mike Pompeo no imediato, fortalece o setor completamente alinhado com o presidente. Essas oscilações demonstram que segue sendo um governo bonapartista débil, com uma base social estreita e um presidente muito impopular, o que o torna relativamente instável.

A preparação estratégica dos Estados Unidos para um “conflito entre potências”
O questionamento de Trump às instituições internacionais, como a OTAN, o desprezo aos acordos multilaterais, como os que foram assinados pelos Estados Unidos e a União Europeia com o Irã, e mais em geral, a subordinação da diplomacia com o objetivo de reduzir os desbalanços comerciais, está socavando a relação dos Estados Unidos com seus aliados ocidentais, em particular com a União Europeia.

Por outra parte, há dois processos estruturais que em última instância estão fazendo quebrar a estabilidade da ordem do pós-guerra/pós-Guerra Fria e em certa medida explicam a ascensão de Trump: um é o salto na declinação hegemônica norte-americana e o outro a emergência da China como “competidor estratégico” dos Estados Unidos, e em menor medida e com mais contradições, a atividade de outras potências regionais como a Rússia.

Em linhas gerais, Trump expressa a vontade de uma fração da classe dominante e do aparato estatal norte-americano de reverter essas coordenadas mediante um programa nacionalista reacionário e a reconcentração do poderio militar, sintetizado na consigna “America First”.

A nova estratégia de segurança e defesa nacional define como prioridade o conflito entre potências, deslocando para segundo plano a guerra contra o terrorismo. Segundo estes documentos, elaborados pela ala militar do governo, a principal ameaça para a segurança norte-americana é a China e a Rússia, seguidas pela Coréia do Norte e Irã e por último o terrorismo islâmico.

A chave desta nova estratégia é fortalecer a letalidade do poderio militar dos Estados Unidos para aumentar sua capacidade dissuasiva. No concreto, significa um aumento considerável do gasto militar para modernizar o arsenal convencional e sobretudo para ampliar o arsenal nuclear.

Colocar como norte a preparação para um conflito interestatal de envergadura, depois de décadas de livrar uma guerra assimétrica contra atores maiormente não estatais, é sem dúvidas o giro mais significativo da presidência de Trump.
Mas esta virada estratégica dos Estados Unidos não ocorre no vazio, e ainda que não se trate de uma resposta direta, convém levar em conta as resoluções do 19º Congresso do PCCh de outubro passado, em que o presidente Xi Jinping anunciou a abertura de uma “nova era” que deveria culminar com a transformação da China em uma superpotência mundial para 2050, sob a liderança ferrenha do PCCh, que deverá comandar com mão de ferro as reformas econômicas.

Em síntese, hoje a China não disputa a liderança mundial com os Estados Unidos, que seguirá sendo a principal potência imperialista pelos próximos anos. O PIB per capita da China segue sendo muito inferior, a sétima parte do PIB dos Estados Unidos, atrás ainda da Rússia e quase no mesmo nível que o México. No plano militar, ainda que a China esteja modernizando as suas Forças Armadas, a disparidade segue sendo gigantesca, o mesmo ocorre no terreno tecnológico. E nem na China nem na Rússia, pelas particularidades da restauração, se consolidaram uma classe capitalista e segue primando o papel do estado. Mas também, a China é muito grande, autossuficiente e bem financiada para sucumbir à pressão econômica direta dos EUA ou de um grupo de potências imperialistas. A dupla dificuldade da China para sair do círculo que impõe o domínio imperialista a nível mundial, e a dificuldade dos EUA de dobrar o mais forte estado chinês em comparação à China que sofreu a brutal opressão imperialista desde meados do século XIX até meados século XX, é o que explica as tensões da situação atual na principal relação de co-dependência EUA/China do ciclo neoliberal/globalizador que está acabando.

O dado objetivo é que a brecha entre ambos se estreitou. Em 2000, os Estados Unidos davam conta de 31% da economia global, e a China de 4%. Hoje a porção dos Estados Unidos é de 24% e a da China de 15%. É sobre esta base que os setores protecionistas e os falcões do Pentágono exageram as ameaças tecnológicas assegurando que em alguns anos a China alcançará os Estados Unidos, para assim justificar com argumentos defensivos uma política mais ofensiva, por exemplo exigir a abertura do setor financeiro ou que o governo chinês retire a cláusula que impõe às empresas norte-americanas a integrar joint ventures e “compartilhar” tecnologia para ingressar a seu mercado. Esta linha dura também se justifica no fracasso das políticas amistosas de domesticar a burocracia do PCCh, atrás da esperança vã de que o mercado e a entrada à OMC trariam uma democracia burguesa pró-imperialista e um mercado interno sem restrições para o capital estrangeiro. O que mostra que não há nenhuma possibilidade de uma “via pacífica” ao desenvolvimento imperialista da China.

A hipótese a longo prazo de conflito entre potências como prioridade, colocou em marcha um tipo de reedição da corrida armamentista que envolve não só os Estados Unidos, China e Rússia, mas também o Japão e as principais potências da UE.
Seria um erro confundir o posicionamento estratégico com a política imediata. Hoje não está declarada uma guerra entre potências, mas só o fato de que apareça como uma perspectiva na política estatal dos Estados Unidos, influi nos acontecimentos atuais e torna mais provável a escalada de conflitos regionais, nos quais já competem diversas potências, como a guerra civil na Síria e a crise com a Coréia do Norte – um conflito com profundas contradições e de difícil resolução, ainda com a proposta de reunião entre Trump e Kim Jong-un em meados de maio.

Em outro nível se encontra a mudança na estratégia da política norte-americana em relação ao Oriente Médio, em particular em relação ao Irã e o acordo nuclear, o que está exacerbando o conflito intra-islâmico entre xiitas e sunitas, que se expressa em um enfrentamento de bandos encabeçados pelo Irã e pela Arábia Saudita, respectivamente. Este tipo de guerra fria tende a esquentar em conflitos como a guerra civil no Iêmen ou Síria.

A crise do projeto imperialista da União Europeia

A relação entre os Estados Unidos e a União Europeia está em seu ponto mais baixo e é quase de ruptura com a Alemanha. Esta hostilidade manifestada une o motor franco-alemão e alenta a procura de políticas independentes, como a proposta de constituição de uma força de defesa europeia. Mas também existem tendências centrífugas de grupos de membros de distintas hierarquias dentro da UE, onde os partidos nacionalistas de direita estão no poder e se identificam claramente com o Brexit ou o discurso nacionalista de Trump. É o caso da Polônia, Hungria ou República Tcheca. A tendência contra-restante foi a expressão por esquerda do processo independentista catalão.

A maior novidade é que a crise política chegou na Alemanha, que foi o bastião da estabilidade e conservadorismo e a potência regente da UE. A “era Merkel” está chegando ao fim. Nas eleições de setembro os dois grandes partidos sofreram uma derrota e emergiu a Alternativa pela Alemanha, um partido de extrema direita que pela primeira vez acessou o parlamento. Ainda que Merkel tenha conseguido formar um governo de coalizão com o SPD, este é um governo fraco surgido depois de meses de negociações com um custo alto.

Esgotamento do populismo e das direitas hegemônicas na América Latina

Na América Latina, se esgotou o ciclo dos governos populistas. Houve uma troca de governos de direita na maioria dos países, mas esta é uma direita não assentada, que não tem um projeto hegemônico, como foi o neoliberalismo dos anos ‘90, e deve lidar com uma relação de forças herdada da situação anterior que não conseguiu reverter, o que dificulta os ataques neoliberais e as reformas que são o núcleo de seu programa econômico que passam, mas com um custo muito elevado. Estas condições, junto às más perspectivas econômicas, tornam difícil a estabilidade dos governos de direita e abrem a perspectiva de giros bruscos e mudanças de situação política, como sucedeu na Argentina a partir das mobilizações do dia 14 e 18 de dezembro contra a reforma da previdência.

A política de Trump é recuperar influência e negócios no antigo pátio traseiro norte-americano, que agora também é disputado com a China.

No Brasil a crise política e a polarização se expressam de maneira aberta e ainda não existe um candidato aceitável da burguesia para as próximas eleições presidenciais. O golpe institucional contra a Dilma tem hoje sua continuidade na ação bonapartista do poder judiciário e da operação Lava Jato, pela qual Lula, o candidato mais votado se pudesse se apresentar às eleições, está sendo condenado e pode ir para a prisão. Ainda que a situação possa dar um giro depois do assassinato de Marielle Franco, vereadora do PSOL no Rio de Janeiro, o qual o regime golpista é responsável, independentemente de quem sejam seus autores materiais (narcotraficantes ou policiais).

A crise na Venezuela é a mais aguda do continente. A direita pró-imperialista tenta capitalizar ainda sem êxito a decadência do chavismo, utilizando a dupla pressão dos governos de direita da região e a intervenção dos Estados Unidos e da União Europeia. O governo de Maduro perdeu a base popular e, como todo governo bonapartista, se apoia nas Forças Armadas para se manter no poder, aumentando o controle social sobre os setores populares e a repressão para evitar um estalo similar ao “Caracaço” motorizado pela catástrofe econômica e social. As Forças Armadas passaram a concentrar os recursos do poder, se transformando no árbitro de qualquer saída burguesa à crise. Enquanto que as correntes do populismo latino-americano seguem absolvendo o chavismo de sua responsabilidade nesta catástrofe nacional e justificam suas medidas repressivas, inclusive quando se dirigem a trabalhadores e pobres esfomeados, setores da esquerda, como a UIT e a LIT, se opõem ao bonapartismo de Maduro, mas desde uma posição democrática liberal, sem partir da luta contra o imperialismo e a direita esquálida que são agentes diretos dos empresários e banqueiros. A situação na Venezuela mostra a ruína do nacionalismo burguês. O regime chavista manteve a estrutura rentística do país, não mudou as relações sociais fundamentais, apesar de ter levado adiante nacionalizações de empresas, nem terminou com a dependência nacional a respeito do capital imperialista. Ainda hoje, em meio a um desastre econômico sem precedentes, o governo de Maduro segue pagando a dívida externa e aplica medida anti-populares, enquanto a camarilha que detém o poder do estado e a burguesia segue se beneficiando. Nossa corrente vem levantando a necessidade de uma saída operária independente, contra o bonapartismo de Maduro e contra o imperialismo e seus agentes.

Luta de classes e perspectivas políticas para a FT

No último período vêm se desenvolvendo novas tendências da luta de classes que podem estar anunciando processos mais profundos da classe trabalhadora, influídos pela irrupção de grandes movimentos progressivos (ainda que policlassistas), em particular o imponente movimento de mulheres que voltou a expressar, no último 8 de março, e novos fenômenos políticos na juventude.

O mais avançado foi o processo na Catalunha, apesar do papel catastrófico de sua direção burguesa, as quais as correntes do independentismo radical pequeno-burguês, como a CUP, acabou se adaptando. A Corrente Revolucionária de Trabalhadores e Trabalhadoras (CRT) do Estado espanhol, integrante da FT-QI, interviu declarando claramente uma posição revolucionária, em que levantamos a perspectiva de uma Catalunha operária e socialista que seja ponto de apoio para desenvolver a luta anticapitalista e anti-monárquica no conjunto do Estado espanhol.
Na Argentina, as jornadas dos dias 14 e 18 de dezembro mudaram a relação de forças, e de fato fizeram retroceder o plano de ataque mais ambicioso que o governo de Macri tinha, que pretendia aprovar uma reforma trabalhista que atacava importantes conquistas do movimento operário. Esta situação política mais geral cria melhores condições para as lutas parciais contra demissões que se dão em setores pontuais, tanto no estado, como no setor privado, onde a estratégia do PTS é coordenar essas lutas e ligá-las aos movimentos de massas progressivos como o movimento de mulheres.

Na França, o governo de Macron lançou um ataque contra os ferroviários que pretende transformar em um conflito testemunha para passar sua agenda neoliberal. O “plano de guerra” é avançar com a abertura da competição, liquidar conquistas e fechar ramais não rentáveis. Os sindicatos já preparam a resistência que tem o potencial para se transformar em um conflito de grande magnitude. A outro nível, a greve da Onet, protagonizada por setores precários da classe operária, se transformou em um conflito de grande visibilidade que terminou em uma vitória, mostrou como uma política e uma estratégia justas permitem a politização dos setores mais oprimidos da classe operária. O papel da Courant Communiste Révolutionnaire (CCR) foi um fator importante neste resultado.

Também foram novidade as greves da IG Metall na Alemanha, das quais participaram algumas centenas de milhares de trabalhadores, paralisando importante automotoras. Estas greves deram visibilidade à redução da jornada de trabalho, ainda que em uma chave reformista. Apesar da direção burocrática que levou a um resultado misto, é provável que esta ação tenha subido as aspirações do conjunto da classe operária que tem um amplo setor precarizado, sobretudo de jovens. E nos Estados Unidos, a greve dos docentes de West Virginia desafiou as leis anti-greve em um estado onde Trump ganhou com nada mais, nada menos do que 68% dos votos.

O movimento de mulheres segue sendo o principal fenômeno de alcance internacional, no qual conflui também a juventude. Ainda que tenha um caráter progressivo, tomado de conjunto é um movimento policlassista, em que nossa estratégia é intervir para construir uma fração feminista socialista em luta política e ideológica com o feminismo liberal e o “feminismo radical”.

As tendências que desenvolvemos neste documento de maiores tensões econômicas, polarização política e crise dos partidos patronais, colocam a perspectiva de situações transitórias e giros bruscos, onde possam emergir processos mais agudos da luta de classes, radicalização política e surgimento de fenômenos políticos progressivos (tendências “centristas” progressivas, etc.), sobretudo nos países onde se combinam o peso do movimento operário com tradições políticas de esquerda, como por exemplo a Argentina ou a França, que possuem então melhores condições para a construção de partidos operários revolucionários.




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