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Análise | 5 anos do golpe institucional, a antessala do bolsonarismo e o caminho trilhado pelo PT

No dia 31 de agosto de 2021 se completaram 5 anos do golpe institucional. São 5 anos do golpe que levou Michel Temer à presidência, que abriu as porteiras para a ofensiva reacionária sobre os direitos dos trabalhadores e pavimentou o caminho de Bolsonaro, Mourão e militares ao poder.

Clara GomezEstudante | Faculdade de Educação da USP

quarta-feira 1º de setembro de 2021 | Edição do dia

FOTO: André Dusek / EDIÇÃO: Esquerda Diário

As mudanças do golpe institucional no regime político

Passados 5 anos do golpe institucional, a população pobre e os trabalhadores sentem mais do que nunca os efeitos do projeto autoritário imposto pela burguesia nacional e o imperialismo. Especialmente com a chegada da pandemia no país, os efeitos nefastos do aprofundamento das reformas econômicas iniciadas em 2016 e aprofundadas no governo Bolsonaro, constituíram uma uma crise multifacetada marcada pelos 600 mil mortos, pelo desemprego crônico, pela alta do preço dos alimentos, a fome e pela bateria de privatizações e retrocessos sobre os direitos dos trabalhadores.

Lançando um olhar sobre a trajetória política no país, fica nítido que um dos objetivos centrais por trás do golpe foi abrir caminho para aplicação de um violento ajuste neoliberal. A crise econômica mundial, em curso desde 2008, não foi uma "marolinha" como dizia Lula quando o PT ainda governava. Com medidas anticíclicas e se apoiando no efeito dos salvamentos trilionários para os grandes bancos internacionais, o PT conseguiu empurrar adiante as contradições. Antes da crise econômica, que iria golpear o Brasil em 2014, a crise capitalista teve efeitos políticos sobre o Brasil e as manifestações de junho trouxeram a tona o desgaste do sistema político e as aspirações de uma juventude que se inspirava na praça Tahir, nos indignados da Espanha e no Ocupy Wall Strett, que se chocou tanto com o gradualismo petista e mais ainda com a necessidade de mais ataques, que a burguesia já vislumbrava.

Tudo isso exige, por parte da burguesia, sua reorganização para a aplicação de um projeto a serviço da manutenção de seus crescentes lucros. Diante da crise do capitalismo a nível internacional, preservar as altas taxas de lucro significava fazer com que as condições de vida e trabalho das massas pagassem a conta. Para tanto, as frações burguesas fortalecidas durante o governo do PT, como o agronegócio, os industriais da FIESP, os bancos, com apoio direto do imperialismo, os setores evangélicos, além do próprio judiciário buscam alterar a correlação de forças de maneira abrupta, se apoiando no fortalecimento do judiciário. A operação Lava Jato emerge, incialmente, a serviço do desmantelamento da Petrobrás, mas também atinge construtoras e vários pilares daquele projeto de país petista, debilitamento das “Global Players” brasileiras e de projetos de tecnologia nacional, abrindo caminho para monopólios imperialistas avançarem sobre as riquezas nacionais, ao passo que a justiça mantém Cunha intocado enquanto este ainda era um fator fundamental para concretização da agenda econômica do golpe.

Além do judiciário, que segue até hoje sendo fundamental para aplicação da agenda econômica neoliberal, a materialização do golpe remonta também a outros atores como o exército que forneceu suporte para impor o impeachment e aprovar cada um dos ataques do governo Temer. O próprio Temer revela a aproximação com o alto escalão dos militares às vésperas do golpe, processo que ampliou o intervencionismo das Forças Armadas nos rumos do regime político, que se aprofundou ao longo do julgamento da prisão do Lula e agora garantem a sustentação do governo Bolsonaro, abocanhando uma parte cada vez maior do orçamento estatal.

Em linhas gerais, o golpe vem para acelerar os ritmos das reformas e privatizações, uma vez que os ataques e entregas promovidos ao longo do governo Dilma, como os cortes sobre o seguro desemprego, leilões do pré-sal, cortes no orçamento da educação, não foram suficientes, em base ao avanço das forças bonapartistas no judiciário e nas Forças Armadas e o ataque a direitos políticos mínimos dos trabalhadores. Como dizia Lula, nunca em seus governos os bancos lucraram tanto, mas agora, em outra situação econômica internacional, esses mesmos setores necessitavam de ataques muito mais duros para descarregar a crise nas costas dos trabalhadores e do povo pobre. Aquele país, ancorado na perspectiva do consumo, do trabalho precário e na conciliação de classes, ruiu.

Com a ascensão de Temer, todas as medidas reacionárias que vinham sendo aplicadas foram aprofundadas. Ao longo dos anos de seu governo, foram aprovados ataques como a Lei do Teto de Gastos, que congelou o investimento em áreas como a saúde e a educação, assim como a lei de terceirização irrestrita e a aprovação da reforma trabalhista, sendo que esta última contou com a traição por parte das centrais sindicais que na época frearam a radicalização nas ruas expressa na paralisação nacional de abril de 2017.

A não resistência do PT ao golpe institucional

No primeiro semestre de 2016, enquanto nas ruas e nas redes se fortalecia o rechaço ao golpe que estava sendo articulado entre Congresso e STF, juntamente a Michel Temer, Lula tratava de negociar com partidos do Centrão os votos necessários para impedir que o impeachment fosse viabilizado na Câmara dos Deputados. Lula se reunia com o PP de Paulo Maluf e o PSD de Gilberto Kassab naquele momento, propondo a entrega de ministérios do governo a esses partidos, mas já em abril esses dois partidos se uniram ao PMDB e selaram um acordo pela votação do impeachment, que já havia sido aberto por Eduardo Cunha ainda em 2015.

“O Governo do Brasil se transferiu do Palácio do Planalto para o hotel Golden Tulip”, disse Rodrigo Maia em referência às negociações que Lula tentava fazer para salvar o Governo Dilma. Impedido de forma arbitrária pelo poder Judiciário de assumir como “super ministro” de Dilma, Lula passou a se reunir com inúmeros caciques da política nacional, como se isso pudesse evitar o golpe. As reuniões tinham como objetivo conquistar o maior número possível de votos contrários ao impeachment. O preço disso? Mais ministérios do governo e o apoio de Lula em 2018 a candidatos do Centrão.

Naqueles primeiros meses de 2016 ficou evidente que a estratégia do PT para tentar conter o golpe institucional não seria de mobilização nas ruas, como inclusive fazia a direita golpista levando milhares à Paulista domingo após domingo. Lula e o PT apostaram mais uma vez na conciliação com os velhos partidos burgueses do centrão que acumulam dentro de si todo tipo de reacionarismo e que, hoje, como não poderia deixar de ser, servem de sustentação a Bolsonaro com Arthur Lira na presidência da Câmara.

As maiores centrais sindicais do país, a CUT dirigida pelo PT, e a CTB dirigida pelo PCdoB, que compunha o governo na época, não fizeram qualquer mobilização séria contra o golpe, pois mantiveram sua submissão política ao governo Dilma, que atacava os trabalhadores e a juventude após fazer uma campanha em 2014 prometendo que não iria aplicar ataques e cortar direitos. Para além de atos protocolares, não vimos nenhuma medida de força ser organizada a partir da mobilização auto organizada da classe trabalhadora, ao contrário, enquanto a direita ficava cada vez mais ofensiva, mais o PT paralisava os sindicatos. Dilma disse que não reduziria direitos trabalhistas “nem que a vaca tussisse”. Após a reeleição, ainda em 2014, algumas de suas primeiras medidas foram entregar o ministério da economia ao ajustador Joaquim Levy, e em 2015 atacar o seguro desemprego e cortar bilhões da educação.

Em 2017, quando a crise do governo Temer e a maior paralisação nacional em décadas colocaram na ordem do dia a possibilidade de derrubar o governo golpista, o papel do PT foi de traição ao movimento. A greve geral contra a reforma trabalhista foi simplesmente cancelada da noite para o dia, papel que a CUT teve uma papel central. A estratégia eleitoral implicava se mostrar confiável para a burguesia e em ajudar a estabilizar o governo contendo a mobilização de massas. A partir daí, assistimos um giro reacionário na situação do país, no qual a traição das grandes centrais, e a política do PT, foram fundamentais para que não houvesse uma grande resistência que pudesse colocar limites à sanha de ataques do grande empresariado.

O papel do PT hoje de sustentação ao regime do golpe e de contenção dos trabalhadores

O golpe avançou sobre os direitos democráticos dos trabalhadores, rasgando o sufrágio universal para impor uma agenda neoliberal, uma vitória para a burguesia, do ponto de vista das deterioradas condições de trabalho e vida que enfrenta a maioria da população enquanto surgem mais 40 bilionários no Brasil. No entanto, do ponto de vista político frente às massas, o PT foi preservado como “vítima” do golpe e da lava-jato, enquanto se apoiava nas burocracias sindicais e estudantis para se provar para a burguesia sua funcionalidade para sustentação dos ataques e do próprio regime do golpe.

O partido deixou claro que está disposto a reintegrar-se como a pata esquerda do regime imposto por aqueles que lhe golpearam, e poderes centrais na política nacional dão importância em ter Lula, e toda sua capacidade de contenção da luta de classes, em um momento de deterioração das condições de vida de massas e descontentamento com Bolsonaro, sem que a burguesia possa garantir a estabilidade econômica e política própria. Lembremos do discurso de Lula, assim que foi solto, que estava disposto a perdoar todos, com exceção dos seus algozes diretos, Moro e Dalagnol.
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5 anos após o golpe institucional que tirou Dilma do poder, observa-se um PT que segue conservado e adaptado ao regime político reacionário em curso, e que se prepara para ser o administrador do regime herdeiro do legado do golpe institucional. Mesmo após a derrota nas eleições que se deve especialmente ao papel da mídia e do judiciário que caçou a candidatura do Lula e que sequestrou milhões de votos no nordeste, onde se concentra uma base social importante deste partido, pavimentando a vitória de Bolsonaro, Lula diz que perdoa a todos, que não tem raiva das reformas e privatizações, e a cada dia calça as alianças com os golpistas de 2016.

Em recente viagem ao Nordeste não deixou dúvidas disso. Em cada estado fazia comícios com setores dos movimentos sociais e do PT e logo em seguida promovia encontros e jantares com setores reacionários da política. Desde o PSB de Paulo Câmara, que reprimiu uma manifestação pelo Fora Bolsonaro, cegando dois manifestantes, até partidos como Republicanos, de Flávio Bolsonaro, o PSD de Gilberto Kassab e Fábio Faria, o PP de Ciro Nogueira. Antes desses, encontrou-se diretamente com FHC, Sarney, Kassab. Todos velhos representantes da burguesia neoliberal.

Além de velhos amigos das oligarquias regionais, como os Alves no Rio Grande do Norte, oferecendo o cargo de vice da governadora do PT, Fátima Bezerra, para Walter Alves, um deputado do MDB que votou a favor do voto impresso e da reforma da previdência. Fazia isso enquanto 10 mil indígenas ocupavam Brasília contra o ataque à demarcação de terras, sendo o RN um estado que sequer tem terras indígenas demarcadas justamente por conta dos interesses de famílias como a dos Alves. Com objetivo de minar as pontes de Bolsonaro no Nordeste saiu buscando acordos com o Centrão e a velha direita fisiológica, repetindo a dose de alianças com a direita que levou a tragédia do golpe de 2016, inclusive mantendo o silêncio por cada luta e cada ataque em curso, buscando ganhar a confiança novamente do agronegócio, dos bancos e industriais para os quais sempre governou, de que não será um impecílio para os seus lucros em meio a crise. Até mesmo com os militares Lula se esforça a dar sinais de que baixará a cabeça, aceitando governar sob sua tutela, embora não tenha tido muito eco entre os fardados.

Tudo isso para mostrar que o PT quer estar à cabeça da administração dos negócios capitalistas em meio a crise, que os seus governos estaduais são exemplo do que se dispõe a fazer, tendo todos eles aprovado reformas da previdência estaduais, com direito a repressão violenta da polícia como na Bahia de Rui Costa. Temos que ter claro que a conciliação de classes é impossível em qualquer situação, mas nas condições da crise atual, ela não é só impossível como obrigará o PT a ser agente da implementação dos ataque, como já prometeu com a privatização da Caixa, enquanto contém o movimento operário com suas “polícias” nos sindicatos da CUT e CTB.

Os 5 anos de golpe deixaram um legado que, não obstante, pode ainda ser revertido pela força da nossa classe. E para isso é necessário exigir das centrais sindicais que rompam com a sua paralisia e omissão frente aos ataques, a serviço da estratégia eleitoral de Lula. Exigir que ao invés de pedir à Justiça e aos governadores que nos atacam, que construam um plano de luta para poder enfrentar a MP 1045, o Marco Temporal, a Reforma Administrativa e as privatizações, com assembleias nos locais de trabalho para organizar a força dos trabalhadores, unificando com os focos de resistência, como a greve de mais de um mês dos trabalhadores da SaeTower em Betim, com a força dos povos indígenas e demais setores oprimidos. Uma frente única dos trabalhadores pode não só barrar os ataques como abrir caminho para reverter toda a obra econômica do golpe, desde de que não caiamos em armadilhas como a defesa do Impeachment, que daria protagonismo ao Centrão e ao STF para derrubar o governo, mantendo de pé os ataques através de um governo de Mourão.

Inclusive, é uma expressão categórica dessa política do PT, a nota assinada por todas as centrais sindicais, com um chamado para que o STF e o judiciário, o legislativo, os governadores e prefeitos tomem a frente do país contra Bolsonaro. Justamente aqueles que seguem nos atacando, com níveis comparáveis somente à década de 90, e que foram responsáveis para o país chegar até a atual situação. Ao invés de se dirigirem à classe trabalhadora, para que ela seja protagonista dessa luta, dirigem-se aos seus inimigos de classe, justamente porque são esses que o PT quer governar junto em 2022. Não fosse suficiente esse absurdo, até mesmo centrais que se dizem de oposição pela esquerda ao PT, como a Conlutas, dirigida pelo PSTU, e as Intersindicais, assinam este chamado absurdo, no qual chamamos abertamente para que revejam e rompam essa submissão à essa política traidora das centrais.

Nós do Esquerda Diário defendemos uma política independente dos trabalhadores que permita à nossa classe se defender contra a ofensiva autoritária de Bolsonaro e dos juízes, impondo pela luta uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana que destitua Bolsonaro, Mourão, o Congresso e os militares, para debater cada um dos problemas do país, a começar pela revogação das reformas e privatizações de Temer e Bolsonaro, da Lei de Segurança Nacional reformulada, do artigo 142, e avançar com propostas que questionem os lucros e a propriedade capitalistas, que são a única maneira de dar uma resposta aos anseios de massa nessa crise. Os capitalistas, que não ficariam passivos diante dessas medidas, mostrariam a serve a polícia e o Estado burguês e exigiria dos trabalhadores a se organizarem para se defender e poder implementar tais medidas anticapitalistas através de um governo de trabalhadores aliado aos indígenas, trabalhadores do campo e o conjunto dos povos oprimidos.

Essa é a perspectiva que nós do Esquerda Diário propomos hoje a ser defendida pelo conjunto da esquerda socialista, como setores do PSOL, o PSTU, que junto aos stalinistas da UP e do PCB se adaptam à política de impeachment e às burocracias sindicais e estudantis do PT e PCdoB. Chamamos os companheiros a romperem com essa política e se apoiarem nos seus postos no parlamentos e nos sindicatos, como a CSP-Conlutas, a batalharem pela auto-organização da nossa classe, unificando e articulando toda e qualquer luta que surja, para dar força à exigência para que a CUT, CTB e UNE rompam com sua paralisia que visa 2022, com objetivo de unificar a classe trabalhadora agora para dar uma resposta através da mobilização à esse regime político cada vez mais decomposto e carcomido.




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