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Meio Ambiente | A guerra e a crise energética mostram que o capitalismo é incapaz de resolver a crise climática

A crise dos combustíveis diante da Guerra na Ucrânia, as debilidades econômicas estruturais que perpassam o setor energético e sua distribuição internacionalmente, demonstram a necessidade de uma transição energética radical. Mas as próprias condições objetivas e as políticas dos imperialismos colocam que apenas a classe trabalhadora e a juventude internacionalmente podem realizar essa tarefa.

Rosa Linh Estudante de Ciências Sociais na UnB

terça-feira 29 de março de 2022 | Edição do dia

Segundo a Bloomberg, há evidências crescentes de que a desigualdade entre as emissões de gases de efeito estufa de pessoas ricas e pobres dentro dos países já supera as disparidades entre os Estados. Analistas do World Inequality Lab, liderado pela Escola de Economia de Paris e pela Universidade da Califórnia em Berkeley, apresentaram recentemente uma avaliação de que o 1% mais rico — os mais de 60 milhões de pessoas que ganham US$ 109.000 por ano — são de longe a fonte de emissões que mais cresce. Eles vivem em todo o mundo, com cerca de 37% nos EUA e mais de 4,5% cada no Brasil e na China.

Essa pesquisa mostra como, além de uma responsabilidade clara de países como EUA e China na emissão de gases de efeito estufa, não se trata de uma questão de responsabilidade individual pela crise climática e ambiental. E seria crucial ir ainda mais longe: não apenas o 1% mais rico internacionalmente é quem mais emite gases de efeito estufa, mas é a burguesia, em especial a imperialista, o capital financeiro e seus governos que lucram bilhões de dólares com combustíveis fósseis, o avanço do agronegócio capitalista, a mineração predatória, etc.

A culpa do aquecimento global é de classe, não individual e nem se explica pura e simplesmente por faixa de renda. Essa questão, na realidade, ganha contornos ainda mais sérios e escancarados diante da Guerra na Ucrânia e o aumento mundial nos preços dos combustíveis.

Como apontei na semana passada, a guerra, a crise econômica e os processos políticos e de luta de classes desencadeados desde 2008 - e que ganham novo marco diante da recomposição subjetiva do proletariado estadunidense e as revoltas antes e durante a pandemia com maiores e menores presença do proletariado como sujeito - reatualizam a definição de Lênin da época imperialista como de crises, guerras e revoluções.

A economia internacional já vinha de uma instabilidade importante, e a chance de maiores choques se torna ainda mais possível enquanto dura o conflito militar. A pandemia escancarou uma série de falhas no modelo de internacionalização produtiva baseada no modelo “just-in-time”, com várias interrupções na cadeia de suprimentos e a persistência de gargalos nas cadeias de abastecimento; as transformações econômicas impostas com as paralisações das cadeias de abastecimento escancararam uma potente contradição desse modelo. Essa dinâmica já estava aumentando significativamente os níveis globais de inflação, acompanhados com a desaceleração do crescimento da China e o baixo crescimento dos EUA. A guerra, nesse sentido, é mais um grande golpe, com consequências ainda não vistas que irão se alastrar por anos na vida das massas em todo o mundo. As taxas de acumulação dos capitalistas já não consegue manter seus níveis pré-pandêmicos, algo que vem de uma debilidade também estrutural escancarada pela crise de 2008 na contradição entre o trabalho produtivo e a financeirização da economia, além das dívidas públicas cada vez mais gigantescas.

Essas condições estruturais possuem um profundo impacto nas políticas de transição energética - e, na verdade, escancaram a absoluta incapacidade da burguesia em realizá-la. A internacionalização produtiva neoliberal, na realidade, desenvolveu redes de interdependência complexa entre os Estados, e pior: criou um pujante proletariado, negro, imigrante e feminino ao redor do mundo e que, cada vez mais diante da crise, não irá se contentar com a situação.

Segundo a The Economist, a Agência Internacional de Energia (IEA), prevê que a energia eólica e solar podem responder por 70% da geração de energia até 2050, acima dos 9% em 2020, se o mundo embarcar em um caminho para se tornar neutro em carbono até 2050. Isso quer dizer uma enorme demanda por metais, como cobalto, cobre e níquel, que são vitais para tecnologias presentes desde carros elétricos até fontes de energias renováveis; a IEA calcula que o tamanho do mercado desses metais verdes aumentaria quase sete vezes até 2030. É nessa perspectiva que o imperialismo busca se apoiar para fazer demagogia de uma política sustentável, ao passo que tenta realinhar alianças em relação aos combustíveis, como os EUA com a Venezuela, por exemplo.

No entanto, a própria revista salienta para um cenário de debilidade energética global para o futuro. Ela ressalta dois problemas principais: o primeiro, é que a geopolítica de encolhimento da indústria do petróleo é preocupante. À medida em que as empresas ocidentais se retirem por razões ambientais e em resposta aos altos custos, a participação de mercado da OPEP e Rússia aumentaria de 45% para 57% até 2040, dando-lhes mais influência.

Em segundo lugar, os gastos com metais verdes aumentaram. Alguns beneficiários, como a Austrália, estão bem equipados para lidar com isso, mas Estados mais frágeis, incluindo Congo, Guiné e Mongólia, não estão. A mineração foi fonte de discórdia nas eleições recentes no Chile e no Peru, as empresas globais de mineração estão preocupadas com o fato de seus direitos de propriedade serem ameaçados. A falta de investimento resultante elevou o preço de uma cesta de metais verdes em 64% no ano passado. Tudo isso é agravado pela China, que busca os mesmos recursos - e que, cabe ressaltar, sofreu no ano passado com crises energéticas importantes.

Ou seja, uma economia internacional com inúmeros gargalos na distribuição e produção, aumento nos preços dos principais metais base para a suposta transição energética burguesa, um cenário de convulsões políticas e sociais que não tende a cessar. Tudo isso aponta para que os prognósticos para o “combate” ao aquecimento global vão continuar sendo meros prognósticos .

A máxima de Rosa Luxemburgo é mais atual do que nunca: socialismo ou barbárie. No entanto, essa frase não tem nada que ver com uma chegada automática ao socialismo. É preciso apostar em uma alternativa revolucionária, pautada na independência de classe e na hegemonia operária. Não será confiando nas cúpulas climáticas imperialistas da ONU ou no ecocapitalismo do “Green New Deal” - que na prática significa financiar aqueles que destroem a natureza para, em tese, fazer uma transição energética (e pelas próprias condições objetivas, demonstra-se essa impossibilidade) - que alcançaremos para romper com esse ecocídio.

Por isso, desde o Brasil, o MRT defende, entre outras coisas, uma Petrobrás 100% estatal sob gestão operária e controle popular - afinal, é a classe trabalhadora quem tudo produz e quem melhor tem condições para promover uma transição energética; pela revogação do aumento dos preços; criação de cinturões verdes e um plano de obras públicas sustentável a partir da taxação das grandes fortunas e o não pagamento da dívida pública que rouba as riquezas nacionais e impossibilita a soberania energética; reforma agrária radical com expropriação de todo o latifúndio, nacionalização das terras e incentivo de manejo e técnicas sustentáveis aos camponeses pobres.

Essa luta precisa, necessariamente, ser internacionalista. A conquista dessas demandas no Brasil seria uma trincheira para o proletariado e os oprimidos a nível internacional. O que barra isso é a burocracia sindical petista que, ao invés de organizar uma paralisação nacional contra a carestia de vida e pelo Fora Bolsonaro e Mourão, à exemplo do que fazem as professoras em Minas Gerais, preferem subordinar todo o descontentamento para eleger Lula junto de Alckmin - capacho desse mesmo capital financeiro que privatiza a Petrobras e destrói o meio ambiente em todo o mundo.

A luta por essas demandas, que só podem ser impostas pela luta, se entrelaçam com as mobilizações na Europa contra o aumento do combustível, contra a carestia de vida na Albânia e Iraque, contra ao envio de armamento para a guerra por parte dos ferroviários bielorrussos. Se as redes internacionais de produção e circulação estão mais ligadas do que nunca, bem como a emissão de gases de efeito estufa - e sabemos quem as emite - é o momento do proletariado internacional tomar em suas mãos a luta contra o aquecimento global numa perspectiva radical, rompendo com as burocracias sindicais e confiando em suas próprias forças. Isso sim poderia pavimentar caminho para romper com o capitalismo e esse modelo do ecocídio, rumo a uma sociedade em harmonia com a natureza a nível global.




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