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SEMANÁRIO

A guerra e a decadência capitalista retratadas na poesia de Brecht

Giovana Pozzi

A guerra e a decadência capitalista retratadas na poesia de Brecht

Giovana Pozzi

Bertolt Brecht foi um importante dramaturgo e poeta alemão do século XX que vivenciou de perto as duas últimas grandes guerras mundiais: a primeira trabalhando como enfermeiro e a segunda fugindo da perseguição fascista de Hitler. Ao longo de sua vida, se forjou no marxismo e tratou de colocar sua arte à serviço da revolução proletária, usando suas peças, poemas e escritos para denunciar as mazelas do capitalismo e, mais que isso, instigar a consciência de classe nos povos explorados e oprimidos do mundo para que dêem um golpe de morte a esse sistema de misérias.

Por certo a guerra capitalista não escapou das palavras afiadas de Brecht e por isso hoje, em meio à guerra na Ucrânia levada a frente por dois bandos reacionários como o de Putin e da OTAN, se faz ainda mais necessário resgatar suas obras. Publicamos aqui o poema “Cartilha de Guerra Alemã”, escrito na década de 1940 por Brecht, que, salvo todas as inúmeras diferenças de época e principalmente da guerra a que o autor se referia, mantêm uma verdade atual: a guerra entre a burguesia nada tem a oferecer aos trabalhadores senão morte e destruição; e estes são os únicos que podem dar uma saída real à crise. Essa é a situação que vemos acontecer hoje na Ucrânia, onde nem o imperialismo da OTAN nem o reacionarismo de Putin ou a burguesia local são uma alternativa aos Ucranianos: é preciso batalhar pela unidade da classe trabalhadora internacional. Paz entre os nossos da nossa classe e guerra aos senhores da guerra!

Cartilha de Guerra Alemã

O PINTOR FALA DA GRANDE ÉPOCA POR VIR
As flores ainda crescem.
Os campos ainda produzem.
As cidades ainda existem.
Os homens ainda respiram.

QUANDO O PINTOR FALA SOBRE A PAZ
ATRAVÉS DOS ALTO-FALANTES
Os trabalhadores de construção olham para
As autoestradas e veem
Cimento espesso, próprio
Para tanques pesados.

O pintor fala de paz.
Aprumando as costas doloridas
As mãos grossas em tubos de canhões
Os fundidores o escutam.

Os pilotos dos bombardeiros
Desaceleram os motores e ouvem
O pintor fala de paz.

Os madeireiros param no silêncio dos bosques
Os camponeses deixam de lado o arado e colocam a mão atrás do ouvido
As mulheres que levam a comida para o campo se detêm:
No terreno revolvido há um carro com amplificador. De lá se ouve
o pintor pedir paz.

OS DE CIMA DIZEM: GUERRA E PAZ
São de substância diferente.
Mas a sua guerra e a sua paz
São como tempestade e vento.

A guerra nasce da sua paz
Como a criança da mãe
Ela tem
Os mesmos traços terríveis.

A sua guerra mata
O que a sua paz
Deixou de resto.

NO MURO ESTAVA ESCRITO COM GIZ:
Eles querem a guerra.
Quem escreveu
Já caiu.
OS DE CIMA
Juntaram-se em uma reunião.
Homem da rua
Assina teu testamento.

QUANDO OS DE CIMA FALAM DE PAZ
A gente pequena
Sabe que haverá guerra.

Quando os de cima amaldiçoam a guerra
As ordens de alistamento já estão preenchidas.

A GUERRA QUE VIRÁ
Não é a primeira. Antes dela
Houve outras guerras.
Quando a última terminou
Havia vencedores e vencidos.
Entre os vencidos o povo miúdo
Sofria fome. Entre os vencedores
Sofria fome o povo miúdo.

OS DE CIMA DIZEM QUE NO EXÉRCITO
Reina fraternidade.
A verdade disso se percebe
Na cozinha.
Nos corações deve haver
O mesmo ânimo.
Mas nos pratos
Há dois tipos de comida.

NO MOMENTO DE MARCHAR, MUITOS NÃO SABEM
Que seu inimigo marcha à sua frente.
A voz que comanda
É a voz de seu inimigo.
Aquele que fala do inimigo
É ele mesmo o inimigo

GENERAL, TEU TANQUE É UM CARRO PODEROSO
Ele derruba uma floresta e esmaga cem homens.
Ms tem um defeito:
Precisa de um motorista.

General, teu bombardeiro é poderoso.
Ele voa mais veloz que um vendaval e carrega mais carga que um elefante.
Mas tem um defeito:
Precisa de um engenheiro.

General, o homem é muito útil.
Ele pode voar e pode matar.
Mas tem um defeito:
Pode pensar.

QUANDO A GUERRA COMEÇAR
Seus irmãos se transformarão talvez
De modo que seus rostos não serão reconhecíveis.
Mas vocês devem permanecer os mesmos.

Eles irão à guerra, mas
Não como a uma matança, e sim
Como a um trabalho sério. Tudo
Terão esquecido. Mas vocês
Nada deverão ter esquecido.

Vocês receberão aguardente na garganta
Como todos os outros.
Mas deverão permanecer sóbrios.


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Giovana Pozzi

Estudante de história na UFRGS
Estudante de história na UFRGS
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