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Luta indígena | A luta indígena em curso é contra Bolsonaro e todo o regime do golpe

Os povos originários estão em luta contra a PL 490, que representa um conjunto de retrocessos nos direitos indígenas, incluindo o Marco Temporal, uma figura jurídica em benefício do agronegócio, madeireiras e mineradoras. Neste artigo, colocamos o porquê esta luta precisa ser tomada nas mãos pela esquerda e setores populares como parte da batalha contra o governo Bolsonaro e todo o regime do golpe institucional.

Cristina SantosRecife | @crisantosss

quarta-feira 8 de setembro de 2021 | Edição do dia

A frase pronunciada por Ailton Krenak, ambientalista e reconhecida liderança indígena, quando afirma que "sempre estivemos em guerra" ao se referir à relação entre os povos originários e os invasores, possui uma forte ligação com a própria gênese do capitalismo, partindo de que, naquilo que Marx denomina de A assim chamada acumulação primitiva, no capítulo 24 do livro 1 do capital:

"O processo que cria a relação capitalista não pode ser senão o processo de separação entre o trabalhador e o processo que, por um lado, transforma em capital os meios sociais de subsistência e de produção e, por outro lado, converte os produtores diretos em trabalhadores assalariados. A assim chamada acumulação primitiva não é, por conseguinte, mais do que o processo histórico de separação entre produtor e meio de produção. Ela aparece como "primitiva" porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção que lhe corresponde"

Partindo disso, os povos originários mantêm uma relação com o território que simboliza uma contradição para o sistema capitalista, que enxerga nessa população aquela fração à qual não pôde despojar de seus meios de produção e lançá-la a obrigatoriedade do trabalho assalariado. Essa constante contradição para o próprio sistema capitalista, traz essa relação de "guerra constante" à qual se refere Krenak, mas que vamos buscar demonstrar neste artigo, que houveram pontos de inflexão importantes nesta "constância"; e as conquistas dos povos originárias estão ligadas aos processos de luta destes povos justamente em momentos em que confluíram com a classe trabalhadora na ofensiva; assim como as investidas contra eles, como o Marco Temporal e a PL 490, estão ligadas a um dos marcos da ofensiva burguesa sobre os direitos da classe trabalhadora: o golpe institucional de 2016 e o regime pós-golpe.

O Brasil desde o princípio da invasão já entra no mercado mundial como capitalista, como fonte de matéria prima para o enriquecimento das burguesias na europa e a existência dos povos que aqui habitavam, que mantinham uma relação com a terra oposta pelo vértice em relação às intenções dos invasores, o que já colocava que não era possível nenhuma coexistência pacífica.

Alguns estudos dizem que no nosso território, havia cerca de 5 milhões de pessoas antes da chegada dos europeus. Somente a primeira leva de europeus vindos no primeiro século, trazendo doenças do velho continente junto às políticas de extermínio, reduziu essa população a 4 milhões. Atualmente, segundo o censo de 2010, há apenas 818 mil indígenas no país.

Neste sentido, aqui podemos falar de um verdadeiro genocídio dos povos originários, como forma da burguesia forçar sua proletarização. A pandemia de covid-19 que já tirou a vida de mais de 583 mil pessoas no Brasil, golpeou com muita força esses povos, onde a contaminação chega a ser 150% maior que a média nacional e tendo levado a vida do último ancião vivo do povo Juma, uma população que também sofreu um verdadeiro massacre durante a ditadura militar. Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o número de assassinatos de indígenas foi o maior dos últimos 11 anos. O assassinato de Galdino Pataxó pelas mãos de cinco integrantes de famílias ricas de Brasília, que foram defendidos legalmente pelo atual governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha do MDB, representa um dos mais escandalosos casos de impunidade no nosso país.

A FUNAI, aparelhada pelo governo Bolsonaro e que tem hoje como chefe um ex-missionário evangélico, já vinha tratando o avanço do garimpo sobre terras indígenas como “conflito”, como se fosse possível uma relação equidistante ou de neutralidade quando estamos entre bandos armados atacando indígenas, amparados nos desmontes dos direitos desses povos, desmonte esse que por sua vez é tido como política de um governo de extrema direita como o de Bolsonaro. Em 16 de abril de 2020, esse órgão que que deveria dar suporte aos indígenas, publicou uma instrução normativa que passava a considerar para conflitos de território apenas terras já homologadas, abrindo caminho para uma série de invasões de terras que foram apenas declaradas e estão em processo de demarcação. Como Davi Kopenawa, uma das mais reconhecidas lideranças indígenas do mundo e um dos principais interlocutores de estudiosos da questão indígena, expressou em depoimento para o antropólogo Bruce Albert o que significa concretamente o “passar a boiada” do governo atual, simulando o que seriam as palavras de Bolsonaro em relação às terras indígenas: “Que venham todos os Brancos que queiram dinheiro, os criadores de gado, os madeireiros, os garimpeiros e os colonos também [...] faremos tudo virar mercadoria”.

Importante ressaltar também que sob o governo Bolsonaro, 60% das direções regionais da FUNAI estão nas mãos dos militares, o que se conecta com a presença militar na região Norte do país, onde se concentra a maioria das reservas indígenas; literalmente “a raposa “cuidando” do galinheiro”, partindo que foi de um militar e coordenador da FUNAI, o tenente Henry Charles Lima da Silva, de quem ouvimos recentemente a inescrupulosa frase de que havia que “meter fogo em índios isolados”.

Agora vemos a gana do governo em aprovar o “marco temporal”, com Bolsonaro chegando a declarar que é ele “quem decide e não importa o que o congresso e STF decidirem”, já que essa tese reacionária - que diz que os indígenas podem reivindicar suas terras somente se estivessem nelas no momento da promulgação da constituição, em 5 de outubro de 1988 - é defendida por ruralistas, madeireiros e mineradoras que são base importante de sustentação de Bolsonaro; setores que querem avançar com a exploração sobre as terras indígenas; e que por sua vez, também é parte importante da agenda do golpe institucional de reprimarização da economia.

Nesse sentido, voltamos à afirmação que colocamos ao princípio deste artigo: a luta indígena é contra o Bolsonaro e o regime do golpe. Há interesse de distintas alas que dão sustentação ao governo Bolsonaro em atacar os povos originários: ao agronegócio, representado pela bancada ruralista no congresso, setor que conseguiu crescer mesmo em meio à pandemia, lhe interessa a extensão da fronteira agrícola para seguir transformando o país em um grande pasto, tanto para a monocultura da soja e do milho, quanto para a cria de animais para exportação; além dos ruralistas, a bancada da bala que reúne lobbys da mineração e garimpo, madeireiras e também grandes latifundiários, setores que historicamente atacam os povos originários. Para se ter uma idéia, 73% das áreas desmatadas com o fim de atividade de garimpo, por exemplo, foram áreas protegidas ou territórios indígenas.

A classe operária avança, os povos originários avançam também

Como colocado a princípio, a própria existência dos povos originários que mantêm sua relação com o território e cultura, representa uma contradição para o sistema capitalista. Porém, por mais que em um sentido macro sempre houve tentativas de avanços sobre os territórios e os direitos desses povos, é notável como os maiores avanços em benefício desses povos estão vinculados também a processos de luta da classe trabalhadora e a correlação de forças entre as classes. Desde a Constituição de 88, os distintos governos deram maior ou menor peso para os processos de demarcação. Segundo dados da Agência Pública, durante o governo de José Sarney, foram 67 territórios homologados; 112 durante o governo Collor; 16 no governo Itamar Franco, 145 nos governos FHC, 87 nos governos Lula e 21 no governo Dilma. Vale lembrar que a Constituição de 1988 representou um desvio de um forte processo de ascenso operário que nos anos 80 se colocou na linha de frente de enfrentamento à Ditadura Militar, sendo o final desta década marcada por fortes greves como a de Contagem em Minas Gerais e ABC em São Paulo, que combinavam reivindicações econômicas e políticas e abriram caminho para a ruptura com o regime militar. A iminência desta poderosa força social dos trabalhadores com seus métodos de luta, junto a setores oprimidos como os povos originários e à qual o desenvolvimento sob uma direção revolucionária significaria uma ruptura não só com o regime militar, mas com a própria burguesia, foi o que impôs que neste documento estivesse expressa as demandas desses povos, assim como cada um dos elementos progressistas presentes, que a medida que avança o reacionário regime do golpe, mais se torna papel molhado.

Cabe dizer também que na Constituição estava estipulado o prazo de 5 anos para a oficialização de todas as terras indígenas. Hoje ainda existem mais de 237 territórios não homologados e a última atualização de território homologado data de 2016, não por coincidência, ano do golpe institucional. Mesmo anteriormente ao golpe, é notável como foram poucos os territórios demarcados durante os governos do PT, por isso não podemos confiar em nenhuma ala que se propõe a gerir esse regime político, como faz Lula e o PT. O PT governou mais de 10 anos ao lado do agronegócio, dos militares e da direita congressista mais nojenta e racista, atacando os povos originários. Foi durante seus anos de governo que ocorreram as catástrofes massacrantes da construção das usinas de Belo Monte e Altamira." Uma mostra de como só um governo de trabalhadores, que defenda uma política de independência de classe e em ruptura com o capitalismo, pode responder de maneira profunda o problema da terra no Brasil.

A luta dos povos originários é também luta de classes

Como colocamos, o golpe institucional de 2016, arquitetado para aprofundar os ataques sobre a classe trabalhadora e os setores pobres e oprimidos que o PT já vinha fazendo, significou um ponto de inflexão quanto aos direitos e desmonte da já débil constituição.

A luta dos povos originários se enfrenta com os mesmos fatores reais de poder que se enfrenta a classe trabalhadora, os mesmos setores que se articularam para aprovar a reforma trabalhista, da previdência, as privatizações de empresas essenciais como os Correios e recentemente aprovaram a MP 1045, que avança ainda mais na precarização da relação de trabalho, se mobilizam também para avançar no desmonte dos direitos indígenas.

Aqui estamos falando de forças concretas, com seu representante máximo sendo o próprio presidente da república, mas que setores que se colocam no campo de oposição, como o próprio Supremo Tribunal Federal que é muitas vezes ovacionado pela esquerda como o ente “controlador” do bolsonarismo, mas que possui representantes diretos de interesses de seus ministros apoiando o marco temporal, como por exemplo o ministro Gilmar Mendes, que segundo a Agência Pública, tem seu advogado Rodrigo Mudrovitsch representando também uma entidade ruralista como a Aprosoja, esta que segundo a Agência Pública “ é amicus curiae no processo do marco temporal desde maio de 2020. O termo em latim significa “amigo da corte”, que tem o papel de subsidiar os magistrados com informações para tomada de decisão. A organização é presidida pelo produtor rural Antônio Galvan, alvo de ação no STF. Ele é investigado por patrocinar atos contra o Supremo fomentados pelo cantor Sérgio Reis. Até dezembro de 2020, Galvan ocupou o cargo de presidente da Aprosoja-MT.”. O presidente da Aprosoja, Antonio Galvan, é um dos mais entusiastas bolsonaristas e suspeito de financiar mobilizações contra o STF. Aqui, fica bastante nítido como Bolsonaro e STF aparecem como rivais nas alturas, mas por baixo estão juntos na hora de atacar os povos indígenas.

Além de agentes diretamente vinculados a ministros do STF e os militares, a direita liberal de Kim Kataguiri do MBL e Joice Hasselman, com quem setores da esquerda como PSOL, PSTU, PCB e UP dividiram palanque para entregar o super pedido de impeachment ao congresso, também já se colocaram favoráveis ao marco temporal, além da própria mídia golpista, que agora expressa seu apoio a este ataque ao povos originários fazendo um cerco midiático e tentando invisibilizar os protestos que estão acontecendo. É notável a ínfima cobertura midiática que está acontecendo no marco de que estão ocorrendo as maiores manifestações de indígenas no país desde a conflagração da Constituição de 1988, com mais de 10 mil indígenas em Brasília nas últimas semanas e cortes de rua por todo o país mobilização que inclusive contará esta semana com uma marcha de mulheres indígenas que prevê a participação de 5000 mulheres, uma disposição de luta exemplar que nós que defendemos a classe trabalhadora e setores oprimidos precisamos apoiar fortemente.

Atrás da “ausência” da mídia golpista, estão seus interesses diretos no agronegócio. A campanha “Agro é pop”, veiculada insistentemente pela Rede Globo e articulada junto com start ups vinculadas ao setor mostra isso. Outra campanha articulada diretamente por Kátia Abreu quando estava no comando da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), contou com globais de peso como Pelé e numa segunda fase, com um dos atores mais populares da emissora naquele momento, o ator Murilo Benício, que tinha acabado de estourar dentro e fora do país com o sucesso do seu personagem Jorge Tufão, um craque do Flamengo.

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Por isso, inclusive, é preciso que as forças que se colocam no campo da esquerda, tomem esta luta como parte do enfrentamento ao regime de conjunto e na perspectiva de superá-lo a partir da atuação consciente da classe trabalhadora junto aos povos originários.

Nós, do Movimento Revolucionário de Trabalhadores, grupo de mulheres Pão e Rosas e do Esquerda Diário, viemos fazendo um chamado à esquerda para conformar um pólo anti burocrático, que exija das grandes centrais sindicais, como é a CUT e a CTB, que convoquem suas bases em um plano de lutas unificado, cercando de solidariedade as lutas que estão em curso, como dos metalúrgicos de Betim, Rodoviários de Porto Alegre, Metroviários de São Paulo e Radialistas da Rede TV, unindo forças aos povos originários em luta contra o marco temporal, levantando a bandeira da unidade da nossa mobilização contra nosso inimigo em comum, que é todo o regime golpista. Por esta razão, neste 07 de setembro, estaremos nas ruas defendendo a unidade dos povos originários e da classe trabalhadora em um plano de lutas unificado para derrotar Bolsonaro, Mourão e todos os ataques.

No marco da nossa mobilização independente, defendemos como saída política uma verdadeira assembleia constituinte livre e soberana, com delegados eleitos e revogáveis e que nessa assembleia, verdadeiramente soberana e democrática, possamos deliberar, decidir e resolver sobre cada um dos problemas que afetam a classe trabalhadora e setores oprimidos do nosso país, como hoje é a demarcação imediata a partir da autodeterminação dos territórios dos povos originários, a reforma agrária radical controlada pelos trabalhadores rurais em aliança com os povos indígenas, assim como a reversão de todas as reformas antioperárias e privatizações, colocando esta luta a serviço de avançar para a conformação de um governo de trabalhadores em ruptura com o capitalismo.




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