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Cafezinho requentado | A mídia petista e a luta de classes no governo Lula-Alckmin

No último dia 06/01, Miguel Do Rosário, editor do Portal O Cafezinho e âncora do Jornal da Fórum, publicou o artigo "Greve contra Lula e a lição de Jorge Maravilha", em referência ao anúncio da paralisação nacional dos entregadores de APPs no próximo 25J. Nele, está presente o mais requentado bordão petista de que fazer greve é um "tiro no pé " e favorece a direita "derrubar o governo democrático". Mesmo com a paralisação suspensa pelas lideranças dos entregadores, após reunião convocada pelo Governo e o Ministério do Trabalho, consideramos que seja um debate importante defender a perspectiva estratégica da luta de classes contra a política de contenção e institucionalização petista.

Nos últimos anos, desde o golpe institucional de 2016 e as eleições manipuladas que levaram Bolsonaro à vitória em 2018, a classe trabalhadora sente todos os dias o mais forte amargor do pior café requentado todos os dias. A reforma trabalhista, da previdência, a lei da terceirização e o aprofundamento do trabalho precário com o fenômeno da "uberização". Além das milhões de mortes provocadas na pandemia pela política bolsonarista.

Esse amargor não somente deixa o café quase intragável, mas como é resultado da oxidação das substâncias que compõem a cafeína, também faz muito mal à saúde, provocando uma série de doenças estomacais. A mesma sentida quando somos obrigados a ler artigos que se utilizam da teoria revolucionária de Marx e Engels, com o objetivo de distorcer suas obras para sustentar a mais famigerada utopia reformista da conciliação de classes. Defender o regime político burguês, o governo de frente ampla e a democracia com um suposto valor universal, mas que exclui as classes dominadas.

A discussão aqui vai muito além do anúncio em si de uma possível paralisação nacional dos entregadores. Afinal, justificativas não faltavam para esse setor super explorado da classe operária lutar contra as péssimas condições de trabalho que são submetidos todos os dias. O próprio autor sustenta que sua análise estava submetida a uma condição geral da luta do conjunto da classe trabalhadora diante o novo governo Lula. Ou seja, as perguntas a serem respondidas aqui são duas:

1-) A luta da classe trabalhadora é um fator de instabilidade contra a Governo que favorece a direita?

2-) Ou é a política de conciliação petista, seu programa de revisão das reformas do golpe institucional e sua política de contenção apoiada na burocracia sindical para defender o regime político burguês, o que vem favorecido há tempos o fortalecimento do Bolsonarismo?

A ingenuidade de Proudhon e a ingenuidade do PT

No ’O18 Brumário’ de Luís Bonaparte , Marx explica com precisão cirúrgica que o golpe de 1851 na França não foi fruto de um acaso, como afirmava Proudhon mas sim resultado da derrota revolucionária da classe operária na luta de classes, devido á política de isolamento das direções burguesas e pequeno burguesas que se juntaram aos monarquistas e se voltaram contra ela na insurreição de Junho.

A ingenuidade de Proudhon que o artigo do Cafezinho menciona de fato está presente, e é a mesma que ouvimos diversas vezes nos anos de governo petista para acreditar que as coisas podem ser boas no capitalismo. Para esses setores petistas, os anos de conciliação feitas com a bancada evangélica e agronegócio, aliados que posteriormente foram cabos eleitorais de Bolsonaro, o compromisso com o lucros dos Bancos (que segundo o próprio Lula "nunca antes na história do país lucraram tanto" como no seu governo), e o ataque profundo aos direitos dos trabalhadores no Governo Dilma (mesmo depois de prometer que não retiraria direitos "nem que a vaca tussa"), não tiveram nenhuma relação com o golpe institucional e o fortalecimento da extrema direita.

O que está na boca desses setores é que o raio de céu azul visto por Proudhon na França, foi o mesmo que caiu no Brasil em 2013 onde na odisseia petista, os responsáveis foram a juventude e os trabalhadores que realizavam protestos e greves por melhores condições de vida. Entretanto, é necessário fazer justiça a Proudhon que cometeu uma série de equívocos na sua teoria, que influenciaram em especial a Comuna de Paris em 1871, mas nenhum deles chegou perto do oportunismo petista contra a luta de classes, em prol a governar o regime burguês.
Não precisamos ir tão longe. O PT se calou diante o golpe e as reformas, as principais Centrais Sindicais promoveram sucessivas traições nas greves em 2017, 2018 e 2019, e posteriormente "ficaram em casa" quando os trabalhadores eram obrigados a "irem para a rua" durante a pandemia. Diferentemente do que o autor sustenta, não teve "teatro e nem na rede social", foram os entregadores de aplicativo em 2020 que realizaram uma heroica greve em defesa de melhores condições de trabalho e denunciando as mazelas da reforma trabalhista aprofundadas pelo Bolsonarismo e Paulo Guedes. O movimento ficou conhecido como breque dos APPs e conquistou a simpatia e apoio de grande parte da população trabalhadora.

A greve dos entregadores mostrou a enorme força social dos trabalhadores quando estão organizados em luta. Provocaram um temor nas principais empresas de aplicativo e só não tiveram um impacto político e econômico maior, porque a burocracia sindical controlada pelo PT e PC do B não fizeram nenhuma ação de solidariedade e deixaram a greve ocorrer de forma isolada, enquanto seguiam sua política eleitoral de passividade e trégua com o Bolsonarismo.

Definitivamente, o socialismo científico não é o novo Governo Lula- Alckmin!

Dito isso, vejamos o que para o autor é a expressão do Socialismo Cientifico elaborado por Marx. O novo governo de Frente Ampla, liderado por Lula, "democrático" e "preocupado em melhorar a renda dos mais pobres, elevar a massa salarial, oferecer, em suma, melhores condições de trabalho para todos, incluindo aqueles que trabalham em aplicativos".

Nas palavras de Engels apoiando- se em Marx no 18 Brumário de Luis Bonaparte , no prefácio da obra de Marx As Lutas de Classe na França (também citado pelo artigo em questão com outros objetivos distorcidos que veremos adiante), a definição de socialismo científico expressa é "por trás do direito ao trabalho está o poder sobre o capital, a apropriação dos meios de produção, seu submetimento a classe operária associada, portanto a supressão do trabalho assalariado, do capital e de sua relação de troca". Engels, complementa: "Portanto, aqui se encontra formulada - pela primeira vez- a sentença pela qual o moderno socialismo dos trabalhadores se diferencia nitidamente tanto de todos os diferentes matizes do socialismo feudal, burguês, pequeno burguês, etc."

Não é necessário ser um especialista em socialismo científico para enxergar o abismo de diferença existente entre isso e o governo de conciliação de classes do PT, com Alckmin Múcio, Daniela Carneiro, União Brasil e com tudo. Apoiar esse governo já seria em si contraditório com os princípios marxistas. Agora defender o seu programa, que nem a reforma trabalhista pretende revogar para manter o privilégio dos empresários, colocando-se contra a luta dos entregadores que reivindicam melhores condições de trabalho só demonstram que o ideal de democracia defendido pelo autor universaliza o seu caráter hegemônico burguês, em detrimento do operário.

O valor da democracia ateniense não é o mesmo da democracia na revolução francesa, que por sua vez é completamente diferente da revolução operária dos Soviets na Rússia em 1917. Enquanto, as forças revolucionárias insistem em atuar nas sociedades, a reação segue historicamente em nome da democracia defendendo a "religião, família e propriedade" (Marx, 18 Brumário). Talvez, esse fator explica porque numa democracia que o autor reivindica existir atualmente, é a mesma que persegue e pede prisão a Galo, um dos líderes do movimento de entregadores, e que o mesmo autor faz questão de criticar no texto por defender a greve.

"A análise não vale apenas para entregadores de aplicativo, mas para todos os trabalhadores"

O que vimos desde a eleição de Lula até os desdobramentos pós a sua posse, vem sido justamente a política de conciliação a responsável por permitir a impunidade aos golpistas. Os acampamentos bolsonaristas duraram meses sob anuência da alta cúpula das forças armadas e polícia. Principais protagonistas do Golpe de 2016, junto com o STF, que na figura de Alexandre de Moraes aplicou medidas, que se voltarão contra a classe operária, proibindo protestos, manifestações e aumento da repressão.

Enquanto, milhares nas ruas gritavam Sem anistia, Lula nomeava Múcio como ministro da defesa, e Daniela Carneiro no Turismo que rapidamente teve que apagar das suas redes sociais a relação que possui com a milícia. Como lutar contra anistia, garantindo impunidade desde a formação do governo e sua transição liderada por Alckmin?

Durante todo esse período o que faltou justamente foram as centrais sindicais organizarem o movimento operário e popular. Assim como faz o autor, suas ações se reduziram em apoiar a frente ampla de Lula com a burguesia, se calar sobre as reformas, chamar os trabalhadores a confiar no regime burguês, e permitir as ações golpistas da extrema direita nas ruas. Isso significa "acreditar na política e democracia ", segundo o colunista, mas fazer greve não. É apenas uma medida midiática dos "webrevolucionários" nas redes sociais que não adianta nada.

Já pensou se os entregadores de aplicativo não tivessem realizado sua paralisação em 2020? Muito provavelmente suas condições estariam piores hoje, e talvez até essa polêmica, por maus motivos, acabaria não existindo, porque o que prevaleceria seria o silêncio do petismo diante o trabalho precário, assim como foram os anos das politicas de privatização e terceirização dos governo de Lula e do PT.

Faço parte de um sindicato que nos últimos anos, pelo menos de 2012 para cá realizou uma série de greves em defesa dos direitos dos Metroviários e contra a política de privatização e terceirização, que promove um transporte cada vez mais precário e caro para a população. O autor do artigo, com seu argumento, quer dizer que nossa luta não adiantou nada? Que defender o acordo coletivo, com piquetes no meio de uma pandemia contra Bolsonaro e o tucanato em SP, foi em vão? Não me parece isso que a mídia tradicional e bolsonarista, a direção do Metrô, sentiram quando fomos para a luta, junto com os professores e tanto outros setores, que se possuem algum direito nos últimos 4 anos, é fruto integral de sua luta.

O fato é que o espaço aberto pelo petismo, principalmente a partir do seu papel de controle da burocracia sindical e na sua aliança com a direita golpista, permitiu a extrema direita não somente ter condições de conquistar um resultado eleitoral expressivo, como também abriu margem para ações de rua. Gerando uma polarização assimetrica, cujo o protagonismo de enfrentamento ao status quo reinante ficou concentrado pelas manifestações bolsonaristas. Por outro lado, após o dia 08/01 em Brasília ao bolsonarismo ultrapassar o limite da relação de forças, a consequência foi justamente um fortalecimento das instituições do regime político burguês, como o ST, através de medidas bonapartistas que conservam em si toda a herança do golpe de 2016, principalmente as reformas e ataques contra a classe trabalhadora. E a continuidade da paralisia do movimento de massas que desenvolveremos a seguir.

O PT e a institucionalização do movimento sindical

O fato é que a luta de classes só não desempenhou um papel mais central ate agora na conjuntura politica pelo papel da burocracia sindical e a política de contenção do petismo. Os mesmos "profissionais do sindicato" que na época da Ditadura não organizavam as greves, como o famoso pelego Joaquinzão apoiado pelo PCB, a frente do Sindicato Metalúrgicos de SP. Ao contrário do que o autor afirma, os trabalhadores nesse período também tiveram que se enfrentar com sindicatos altamente organizados na realidade em derrotar a luta dos trabalhadores.

Lula é subproduto desse processo. Se é verdade que naquele momento ele era obrigado a se diferenciar do sindicalismo oficial traidor da ditadura, também é verdade que sua atuação nessa estrutura sindical foi justamente no sentido de conter a luta dos trabalhadores, desviando-as para uma estratégia de transição lenta, gradual e segura para reconstruir o regime político burguês. Não é um detalhe, que mesmo com forte pressão da sua base nos metalúrgicos do ABC, Lula atuava sempre para dividir a luta e não permitir que ela se unificasse om as greves organizadas pela oposição Metalúrgica em São Paulo.

Não era Lula que organizava as greves sozinho, era Lula que nos piquetes no final da década de 70 falava para os trabalhadores mobilizados tinham que largar os bloqueios nas portas da fabrica que garantia o seu direito de greve e ir pra casa.
Esses fatos tem que ser recuperados, porque explica muito do que o autor sustenta para defender a sua politica atual para os entregadores. Inclusive uma linha que o PT já adota institucionalmente para tentar conter a paralisação, como demonstrado nesse encontro articulado pelo Ministério do Trabalho. Não se trará aqui de ser contra qualquer tipo de negociação por melhores condições de trabalho numa luta em curso, mas sim ir contra essa concepção que separa a organização da luta política e econômica:

“Os trabalhadores de aplicativo precisam, antes de tudo, criar organizações próprias, que sejam respeitadas pela própria categoria. Essa me parece a primeira demanda a ser feita para o governo, que lhes ajude a construir um novo sindicalismo, que lhes dê instrumentos adequados à sua luta.
O novo ministro do Trabalho, Luiz Marinho, poderia ser abordado por esses trabalhadores, para que criasse algum tipo de estrutura específica para abrigar as suas demandas.”

Essa separação entre a luta e a organização em etapas não existe. É um argumento que serve apenas para conter os métodos de luta e da própria organização da classe trabalhadora. Um exemplo disso recente é o processo de luta que tiveram em várias empresas como Starbucks nos Estados Unidos, que culminou na própria organização de novos sindicatos de representação aliado à luta por melhores condições de trabalho. Um golpe profundo na patronal, e diga-se de passagem também em vários setores do Partido Democrata de Biden que atuaram contra os movimentos. Um novo tipo de sindicalismo passa necessariamente pela luta de classes, em base ao princípio da independência da classe operária em relação a burguesia, e não pela política do Estado capitalista e o seu regime sindical.

Separar a organização da luta só serve para uma política de institucionalização do movimento sindical, que o PT herdou do varguismo e há anos vem se estruturando nos sindicatos, ajudando a fortalecer uma burocracia sindical descolada da massa de trabalhadores. Se os entregadores de aplicativo hoje não possuem instrumentos de organização, não é por culpa deles, mas sim porque a estrutura sindical das grande centrais nada fizeram até agora para combater a divisão das fileiras operárias, e unificar a lutas por mesmos salários e direitos, pela revogação das reformas, e batalhando pela efetivação dos trabalhadores terceirizados sem concurso. Não é difícil achar dirigente sindical da CUT, CTB ou da Força Sindical contra direitos dos trabalhadores terceirizados e até informais, mas se silenciando diante a proliferação do trabalho precário. Ou que o PT chama hoje de Empreendorismo Liberal para combater o desemprego.

Inclusive, a própria reunião convocada junto às centrais em Brasília demonstram qual será a política do novo governo Lula -Alckmin, de contenção e pacificação da luta de classes, sinalizando parciais concessões naquilo que as margens da crise capitalista permitir, mantendo a estrutura das reformas neoliberais aplicadas desde o golpe. Um programa de revisão já assumido pelo PT, garantido por Alckmin e assimilado pelas principais centrais sindicais CUT, CTB, Força Sindical e UGT. Que seguem a mesma dinâmica do ano passado sem chamar a construção de um plano de luta. Diante as ações golpistas da extrema direita era fundamental ter um dia de paralisação nacional que permitisse colocar a classe operária no protagonismo da cena política do país enfraquecendo de fato o bolsonarismo.

Um dia que comprovasse que não há como lutar consequentemente contra a anistia aos golpistas, desvinculado da luta pela revogação de todas as reformas que atingem a nossa classe. Essas são o principal legado do golpe de 2016 que pavimentaram o caminho do Bolsonarismo. A ideia de que a classe operária precisa sustentar a paz social e respeitar o regime burguês para não fortalecer a direita, já se comprovou equivocada na história recente, e se formos ir além na história das revoluções. Não há nada mais antiquado do que esse dogma reformista.

Marx e Engels: os meios legais e ilegais para defender a hegemonia operária e a revolução.

Por fim, não seria demais afirmar a inexistência completa de relação entre o que o PT defende e o que Engels debate sobre os meios legais no prefácio, citado pelo autor do artigo, em As lutas de Classes na França. Ao contrário do que explica Miguel Do Rosário, a discussão não é em contrapor a luta de classe aos métodos legais de atuação dos revolucionários no regime de dominação burguesa.
Engels se apoiava nas teses de Marx justamente para combater as influências Blanquistas naquele período de táticas militares organizadas por uma minoria de golpes de efeito no movimento sindical, por fora das ações de massa. Não se tratava de privilegiar nem um método, nem outro, mas sim ter uma atuação combinada para conquistar a hegemonia proletária sobre o conjunto junto do povo oprimido pelo capitalismo, na organização para a revolução cujo principal objetivo era a conquista dos trabalhadores dos meios de produção e a supressão do trabalho assalariado rumo ao comunismo.

Marx e Engels estavam preocupados em conquistar a hegemonia operária, aliando a classe trabalhadora aos setores mais oprimidos. São os negros, as mulheres, Lgbts, os principais alvos dos ataques realizados no último período. Seguir a teoria revolucionaria marxista, significa partir da construção de um partido que unifique internacionalmente a classe operária contra a ordem capitalista. O papel do PT é exatamente ao contrário. Trata-de estabelecer uma mediação de conciliação que favorece o aprofundamento da hegemonia burguesa e suas instituições, em base a super exploração e opressão.

Usar Engels e Marx como pressuposto teórico para os trabalhadores defenderem "as leis e a constituição ", que atuam sistematicamente contra eles, é como utilizar uma música do Chico Buarque supostamente contra os generais da Ditadura, para aludir contra uma luta de uma classe super explorada. Mas isso já seria uma outra discussão, que essa linhas não farão entrar pelo tom malicioso e infundado pelo autor do artigo.




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