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OPINIÃO | A oposição governista e o governo opositor: sobre a dinâmica de transição do governo

Mateus CastorCientista Social (USP), professor e estudante de História

sexta-feira 4 de novembro de 2022 | Edição do dia
Foto: Lula Marques/PT na Câmara/Flickr

O resultado mal havia saído e as tropas bolsonaristas ocuparam rodovias contra a derrota apertada que sofreram. Em mais de 300 bloqueios, clamavam pela intervenção federal, ao passo que figuras da extrema-direita, que conquistaram peso no regime político, declaravam seu reconhecimento do resultado eleitoral, como Mourão e Tarcísio.

Já nas fileiras da frente ampla, a orientação diante da vitória por uma diferença de 2 milhões de votos foi de aproveitar a felicidade e deixar ao STF e a polícia uma resposta aos bloqueios bolsonaristas. Após uma campanha com um giro à direita ainda mais intenso no segundo turno, essa posição foi expressa inclusive por figuras da "esquerda" da campanha de Lula, como Juliano Medeiros e a Resistência.

As respostas de bolsonaro e da frente ampla diante da imediata conjuntura pós eleitoral, incluindo os bloqueios e atos na frente de quartéis, indicam uma inversão de papéis que tende perdurar até a transição do governo derrotado para o vitorioso: a frente ampla de Lula-Alckmin posta-se como governo, enquanto Bolsonaro e seu rebanho localizam-se como oposição, faltando 2 meses para o fim do ano e do mandato atual.

A quebra do silêncio de Bolsonaro, no qual de forma ambígua reconheceu o resultado, é um atestado dessa política opositora que já é praticada: discursou como um "líder da direita", disse para sua base social mobilizada que é justa a sanha golpista, mas que não poderiam copiar os métodos da esquerda.

Os bloqueios e suplício nos quartéis indicam que Bolsonaro busca aproveitar-se da relativa autonomia de suas tropas de caráter protofascista, que demonstram capacidade de ação mesmo na ausência de seu rei por quase 50 horas de um covarde silêncio. Chama atenção que, mesmo não sendo massivos como os 7 de setembro, tanto os cortes nas rodovias, protagonizados por uma pequeno-burguesia e pequenos proprietários, assim como as aglomerações em frente à quartéis, como em SC onde bolsonaristas cantavam o hino posicionando os braços como nazistas, não tiveram a confluência de outros peso pesados da base governista de Bolsonaro em seus 4 anos de governo: as principais entidades e corporações do agronegócio reconhecem o resultado e criticaram os bloqueios, da mesma forma que pastores como Silas Malafaia e Edir Macedo já "oram" por ou "perdoam" Lula.

A mistura heterogênea bolsonarista que compôs o pacto de poder governista sofre de um processo de decantação que perdurará por toda a transição e posteriormente. Bolsonaro e sua retaguarda mais ativa já mobilizam-se com certa autonomia de setores que sempre vão estar na base do governo da vez: agronegócio, grandes pastores evangélicos e centrão. Será essa base pequena burguesa o grosso de sua força social durante a oposição? Tudo leva crer que sim, incluindo com essa decantação do bolsonarismo o desenvolvimento de seus traços fascistizantes.

O fato é que o bolsonarismo, menos de uma semana após perderem as eleições, já se postula como uma oposição ao futuro governo. Por sua vez, o futuro governo da frente ampla já se comporta como uma oposição governista.

Assim que os bloqueios chegaram às centenas, a linha central, da direita de Tebet e Meirelles à esquerda de Juliano Medeiros e da Resistência, foi de reivindicar o STF e a polícia para responder à reação bolsonarista frente o resultado eleitoral. A comemoração durou pouco, mesmo com o presidente do PSOL suplicando para que a esquerda apenas ignorasse os bolsonaristas e aproveitasse a vitória.

A Resistência também desistiu de qualquer perspectiva para derrotar o bolsonarismo de fato, e clamou obediência ao STF e a polícia. Uma postura de quem não só almeja cargos no futuro governo, mas que parece já se ver sentada na cadeira de algum cargo ministerial. Tanto a CUT e as direções da UNE também defenderam uma resposta institucional, a saber, confiar em ordens dos mesmos que retiraram Lula da disputa em 2018 e na repressão policial, mesmo essa instituição podre sendo uma base dura do bolsonarismo.

Talvez não fosse esperada uma iniciativa tão rápida das tropas bolsonaristas. Uma superestimação das instituições do regime do golpe de 2016 e uma subestimação da sanha golpista dos bolsonaristas. O fato é que a situação impôs uma inversão e aceleração dos posicionamentos que, supostamente, veríamos apenas no próximo ano. Nesse cenário, ocorre uma transição cujos primeiros passos são rápidos, conservadores e incertos.

A primeira reunião entre derrotados e vitoriosos foi liderada por Alckmin, Gleisi e Mercadante de um lado e Ciro Nogueira junto ao general Ramos do outro. Ao mesmo tempo avançam as negociações dos eleitos com PSD, MDB e União Brasil na conformação da base governista. A PEC de transição é uma ferramenta importante nas negociações. Segundo Paulo Pimenta (PT-RS), o orçamento secreto não será um tema dessa transição, e Alckmin comenta que Ramos “deu os parabéns, desejou um ótimo trabalho e se colocou à disposição nesse período de transição

Uma ainda oposição que se vê com a responsabilidade de governar para aqueles que acenam ao futuro governo Lula-Alckmin: o agronegócio, os grandes pastores e o centrão, que tiveram uma ótima experiência de acumular lucros, verbas e privilégios nos 8 anos de Lula. Diante de um bolsonarismo que estreia, pela primeira vez, na oposição, a até ontem oposição já é governista, do PSOL à Alckmin e Tebet.

A frente ampla prepara o retorno do bolsonarismo ao poder, em 2026 ou antes. A conciliação de classes, que busca dar o monopólio da agência política no "combate" - ou melhor, disciplinamento - à extrema-direita aos nossos algozes do STF e inimigos da polícia, prepara derrotas mais graves.

Daí a necessidade de se confiar na força da classe trabalhadora para combater o bolsonarismo, a extrema-direita, o golpismo que hoje desfila por rodovias e quartéis do país, ligando essa luta à luta pela revogação das reformas neoliberais e também em defesa das demandas mais sentidas pela população. As torcidas, os trabalhadores e população que vêm enxotando os bolsonaristas das estradas apontam um caminho. A questão agora é organizar a classe trabalhadora para enfrentar esses setores e apontarem um caminho que faça com que os capitalistas paguem pela crise, não nós.




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