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Cultura | A verdadeira história por trás de Enola Holmes

Quem são as trabalhadoras que aparecem no filme? A greve das fosforeiras e a memória urbana. Coluna de Cultura no O Círculo Vermelho, programa do Esquerda Diário Argentina (quinta-feira às 22 horas na Rádio Con Vos FM 89.9)

Celeste MurilloArgentina | @rompe_teclas

sexta-feira 9 de dezembro de 2022 | Edição do dia

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No dia 04/11 estreou na Netflix o segundo filme da saga Enola Holmes, a irmã de Sherlock Holmes, a personagem de Arthur Conan Doyle (interpretada por Millie Bobby Brown). Conta as aventuras de uma jovem detective que quer seguir os passos de seu irmão, mas a sua maneira. Enola investiga o desaparecimento de Sara Chapman, uma trabalhadora da fábrica de fósforos.

Perguntaram ao diretor por que havia escolhido falar da greve das fosforeiras (que existiram de verdade). Harry Bradbeer disse que queria que a segunda parte “se tratasse da corrupção empresarial e o controle dos trabalhadores nessa época… o final do século XIX foi um período extraordinário para o nascimento do movimento sindical e de gente que defendiam seus direitos.

Uma história muito real

Sarah Chapman (a mulher que desaparece no filme) foi uma pessoa real. Era fosforeira e denunciou as condições de trabalho na fábrica Bryant & May, sobre todo as consequências de manipular substâncias tóxicas. No filme vemos como rejeitam as trabalhadoras com sintomas parecidos com os de tifo, que na realidade eram provocados pelas substâncias tóxicas do fósforo.

Sara não era bailarina e nem namorou o filho do dono da fábrica, mas sim liderou a greve de 1888, que foi um antes e um depois para o movimento operário britânicos.

Tudo começou com um artigo em um jornal socialista. Em junho de 1888, a jornalista socialista Annie Bessant escreveu um artigo contando como era trabalhar na fábrica de fósforo Bryant & May. Insalubridade, longas jornadas e castigos econômicos (multa por chegar um minuto atrasada, por falar ou sair da mesa de trabalho).

As fosforeiras eram chamadas de “meninas” porque eram trabalhadoras entre 15 e 20 anos, era um trabalho pouco qualificado e a principal fonte de emprego para as mulheres jovens que não tinham família ou tinham que levar dinheiro para casa.

Quando se publica o artigo de Annie Bessant, expulsaram duas trabalhadoras que se negaram a assinar uma declaração para desmentir essa versão na mídia. Sarah Chapman e outras trabalhadoras falaram com a jornalista e pedem ajuda para se organizarem, porque nenhum sindicato as representava. Por que ela? Porque sabiam que Bessant era ativista e apoiava o movimento sufragista, uma referência importante nesse momento (como em 2018 na Argentina era a Maré Verde).

Os laços entre as trabalhadoras e as ativistas que militavam contra a opressão eram muito mais fortes do que nos queriam convencer. Na Argentina, no começo do século XX, vimos esses mesmos laços na fundação do sindicato da empresa La Higiénica, com a que colaboraram Julieta Lanteri e Carolina Muzzilli.

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A greve e a marca na cidade

O que aconteceu depois? Em junho de 1888, 1.400 trabalhadoras paralisaram a fábrica Bryant & May. Suas demandas foram: melhores condições de trabalho, fim dos descontos e multas, e incorporação das trabalhadoras demitidas. Com o apoio de sufragistas, sindicalistas e grupos socialistas, organizaram um comitê de greve que mais tarde veio a fundar o primeiro sindicato de mulheres, e o primeiro de trabalhadoras e trabalhadores não qualificados. Elas não sabem, mas este será uma mudança de chave para todo o movimento operário britânico.

Chamavam-nas de “meninas” com desprezo, a empresa não contava com ninguém se importando que elas deixassem suas vidas fazendo fósforos. Os empresários riram quando saiu o artigo de Annie Bessant em um pequeno jornal, alguns diriam testemunhal. Mas quando Annie Bessant levantou a voz houve um efeito dominó: houve boicotes, as sufragistas fizeram reuniões de apoio, se cercaram de trabalhadores de outras fábricas.

A empresa teve que negociar, ainda não havia nenhum empresário, porque se havia algo que lhes importava menos que as reivindicações dos trabalhadores eram as reivindicações de trabalhadoras jovens e não qualificadas.

As fosforeiras foram o ponta pé do que se chamou de “novo sindicalismo” que organizava as que não estavam organizadas e assim melhoraram as condições de trabalho, delas e de muitos outros setores.

Há duas marcas históricas dessa greve que resistem em Londres, sobre tudo na zona Oeste que costumava ser o distrito operário dessa cidade. São marcas que recordam a muita gente que preferia esquecer que tudo está construído sobre o trabalho das pessoas.

Uma placa azul recorda a greve no edifício onde estava a fábrica. Hoje é um complexo reciclado de apartamentos muito caros em Londres, onde nenhuma fosforeira poderia viver. Todos os dias ao entrar seus moradores tem que ler que ali houve uma greve de mulheres que mudou a história.

A outra marca é uma estatua com as mãos vermelhas. É William Gladstone, um primeiro ministro liberal muito amigo dos empresários, entre eles Theodore Bryant, dono da fábrica de fósforos. Conta a lenda que Bryant financiou a estatua com descontos nas caixas de fósforos e que em 1882, as trabalhadoras foram na inauguração e pintaram com seu sangue as mãos do governante. As autoridades de cansaram de limpar as mãos de Gladstone, que não importa quantos anos se passem, sempre estão vermelhas.

Nesse filme Enola Holmes é a protagonista, mas não é uma heroína individual. Como na vida real, a solução dos problemas é coletiva.




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