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Dívida Pública | Adversários públicos, BC e Lula convergem quando se trata da Dívida Pública

Questões de ordem econômica têm alcançado relevância no início do novo governo Lula-Alckmin e continuarão a ter no decorrer de todo o mandato. A classe dominante e suas principais forças, que controlam o capital, tem buscado, nesses primeiros meses, moldar a nova gestão aos limites da cartilha fiscal e orçamentária neoliberal. O governo, por sua vez, indica com veemência que respeitará o fundamental para os grandes capitalistas do país e do exterior. Nesta dinâmica, há de ocupar os jornais, entrevistas e declarações as escaramuças, como entre Lula e o BC, e os acenos positivos, como os de Haddad.

Mateus CastorCientista Social (USP), professor e estudante de História

quarta-feira 8 de março de 2023 | Edição do dia
(Foto: Reuters)

Contudo, os holofotes em torno da taxa de juros e de uma nova regra que substitua o Teto de Gastos demarcam as fronteiras profanas do ponderável da ordem burguesa. A localização nesta disputa, de fato, indica as disputas de interesses e divergências econômicas entre frações da classe dominante. Trabuco, CEO do Bradesco, advoga pela queda da taxa dos juros do BC para diminuir a inadimplência, da mesma forma, montadoras acreditam que tal medida aumentaria o consumo. Os defensores da manutenção da maior taxa do planeta são frações consideráveis do capital financeiro, da bolsa à operadores financeiros. Nas sombras dessa disputa, acima de falsas divisões e enfrentamentos públicos resolvidos em reuniões fechadas, repousa, imaculado, o consenso, do governo à oposição bolsonarista, da sacralidade da dívida pública.

A ordem capitalista impõe que as discussões econômicas e todo o programa debatido se limite a alterações de certas arestas tortas do programa imposto pelo golpe de 2016. A própria experiência do draconiano Teto de Gastos em meio à pandemia e crise internacional impôs a flexibilização de parâmetros. Muitas frações da própria burguesia brasileira - incluindo setores do capital financeiro, como Luís Stuhlberger (Verde Asset), Rogério Xavier (SPX Capital) e André Jakurski (JGP) - com a permissão de seus sócios maiores imperialistas, percebem o perigo de manter a mesma intensidade de ataques às condições de vida e trabalho da população: o perigo da explosão da luta de classes. Neste cenário, Haddad negocia uma nova “âncora fiscal”, sua grande preocupação gira em torno da preservação dos lucros de especuladores de instituições financeiras que detém os títulos da dívida pública.

A independência do BC foi uma grande conquista do capital financeiro e Lula relembra, sempre, que respeitará essa nova correlação de forças, assim como respeita e gestiona as reformas da previdência e trabalhista. A taxa de juros reais mais alta em todo o planeta, mesmo que caia um pouco, continuará no topo, assim como os lucros obtidos pela Faria Lima. Contudo, mesmo que os acordos entre o governo e o capital financeiro, na figura de Campos Neto, avancem, supostas consequências positivas da queda da taxa podem ser rapidamente tragadas pela crise econômica internacional, marcada pela inflação e aumento de taxas de juros de BCs por todo mundo, em especial pelos EUA. Os proprietários dos títulos da dívida continuarão com uma trincheira avançada no BC, investindo seu capital na lucrativa dívida pública.

Enquanto o trabalho escravo rompe a crosta do passado e mostra ser determinante no presente para o capitalismo agrário e atrasado brasileiro, o governo Lula-Alckmin gastou, até o dia 1º de março, R$ 482 bilhões de juros e amortizações da dívida pública. Se a grande mídia e a burguesia demonstram preocupação com a segurança para os investidores nacionais e imperialistas no mercado brasileiro, o governo Lula 3 entregou 66% de todos seus gastos para os especuladores da dívida pública, o que supera em proporções dificilmente compreensíveis qualquer dos gastos com programas sociais tão propagandeados pelo governo.

Não cabe ao parlamento o que deve ser resolvido pela luta da classe trabalhadora

Contudo, o fato de mais da metade do orçamento ser destinado ao pagamento de juros obscuros é algo tratado com imensa normalidade, na sombra de qualquer debate sobre taxas de juros e novas regras fiscais. Dados e números sobre o roubo sistemático da riqueza produzida pela classe trabalhadora brasileira são abundantes e públicos. Nas reuniões a portas fechadas - de adversários públicos, mas aliados privados - o consenso é a submissão ao capital financeiro.

Ocorre que correntes que se reivindicam socialistas e à esquerda do governo, como o MES (Movimento Esquerda Socialista), além da também psolista Resistência, ignoram o consenso do regime político (de todas suas frações) pelo pagamento da dívida. A aposta dessa organização reside em “aproveitar as brechas e contradições do governo e as expectativas que setores de massa depositam nele para propor uma guerra contra o rentismo no Brasil, a fração mais parasitária e poderosa dos capitalistas.” A verborragia de “guerra contra o rentismo”, entretanto, depara-se com a ausência de uma informação valiosa: há uma fração rentista, observada até pelo liberal Reinaldo Azevedo, que advoga pela queda da Selic, que já citamos acima.

A criação de uma falsa contradição dentro do governo, onde há consenso capitalista para a garantia dos lucros do capital financeiro serve à um propósito. Segundo a conclusão dos dois dirigentes do MES, cabe à vanguarda exigir junto à Lula, Stuhlberger e Trabuco, a queda dos juros e a derrubada da lei que garante a autonomia do BC. Contudo, uma “guerra contra o rentismo’, só seria consequente com a mais completa independência da burguesia e pelo não pagamento da dívida pública. O último eixo programático presente se limita à criação de uma “Frente Parlamentar sobre o Limite dos Juros e a Auditoria Integral da Dívida Pública com Participação Popular”.

O principal sujeito político e terreno de enfrentamento que nos é apresentado pelo MES é o parlamento. Não colocar a classe trabalhadora como ator protagonista na luta contra o mercado financeiro e apostar nas instituições burguesas é parte da histórica e falida “estratégia” de muitos fenômenos reformistas, porém, depositar tal objetivo no Congresso mais reacionário desde a redemocratização do país, é um salto de qualidade.

Qualquer discussão sobre a melhora da qualidade de vida da população, do crescimento econômico, da garantia da segurança alimentar, que não leve em consideração o não pagamento da dívida pública, imposta pela luta da classe trabalhadora, simplesmente deixa de lado uma causa determinante e central para a situação de miséria no Brasil. A esquerda que se acomoda como uma quinta coluna do governo Lula-Alckmin e defende a linha burguesa de redução das taxas de juro, por fora do não pagamento da dívida pública, está ainda mais longe de defender a necessária estatização do sistema bancário e financeiro sob o controle dos trabalhadores, que por sua vez são o sujeito social que pode impor um programa para que os capitalistas paguem pela crise. Conformam-se com os limites impostos pelo próprio consenso neoliberal, dando sugestões e conselhos à Lula para diminuir as taxas e reverter a autonomia do BC. Ocorre que Lula possui conselheiros muito mais poderosos e que sempre serão ouvidos, como Luiza Trajano.

Os reformistas podem, como sempre, erguer a bandeira da utopia de tal medida. Ocorre que sem o enfrentamento decidido contra a burguesia, sem o ataque ao lucro capitalista, trabalhadores e trabalhadoras continuarão a sofrer espancamentos, choques e tortura nas belas e perfumadas vinícolas de escravocratas, que com toda certeza investem nos títulos da dívida pública. Sorte a nossa que a classe operária francesa nos aponta para a outra estratégia. Em sua luta contra a Reforma da Previdência de Macron, nos indicam um outro caminho, que nos possibilite construir vitórias.




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