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ENTREGADORES DE APP | Aplicativo de entregas municipal: essa é a saída para os entregadores de app?

Aplicativo de entregas municipal, “regulamentação” sem direitos, capacete eletrônico… São inúmeras e até beiram ao absurdo algumas das propostas dos candidatos para eleições municipais de São Paulo para os entregadores de aplicativo. Mas o que deveria ser defendido de fato para estes trabalhadores?

Bianca Rozalia JuniusEquipe do podcast Peão 4.0 e militante do MRT

quinta-feira 5 de novembro de 2020 | Edição do dia

Foto: Bruno Santos/Folhapress

Em julho deste ano, os entregadores se levantaram contra a exploração das empresas de aplicativo e deram uma importante demonstração de forças em diversas cidades, com destaque para São Paulo que contou com uma grande manifestação dia 1 daquele mês, contra os bloqueios e a pontuação, as taxas baixíssimas, por EPIs e seguro acidente. Assim, trabalhadores que antes eram “invisíveis” para uma série de políticos capitalistas (que nunca se opuseram à precarização do trabalho dos apps) tornam-se tema comum em debates na câmara legislativa, na justiça e, agora, nas eleições. Mas estes políticos estão propondo alguma solução para os dilemas dos entregadores?

Já no primeiro debate eleitoral de São Paulo, transmitido pela Band, este tema veio à tona e chamou atenção as propostas levantadas pelos candidatos que foram questionados. Parece piada, entretanto a grande proposta defendida, por exemplo, por Joyce Hasselman seria um capacete eletrônico ligado à moto, que só funcionaria caso o motorista esteja com o equipamento de segurança, como se o problema dos acidentes e mortes ocorridas todos os dias fosse por irresponsabilidade individual dos motoboys, que supostamente não estariam usando o equipamento, em vez de colocar a culpa nos verdadeiros responsáveis: as empresas de aplicativo, com suas metas absurdas, que obrigam os entregadores a fazerem longos trajetos em pouquíssimo tempo, os levando a terem uma direção arriscada.

A proposta esdrúxula desta candidata, autointitulada “a única de direita nesta eleição” (quem dera!) esconde sua defesa incondicional às plataformas de aplicativos, afinal segundo afima em suas redes “Não precisamos de mais leis trabalhistas retrógradas, precisamos do LIVRE MERCADO!”; ou seja, defender direitos para estes trabalhadores feriria estas empresas e a falácia “dessa tal liberdade” de mercado, que nada mais é do que liberdade para as empresas fazerem o que bem entendem sem nenhuma regulamentação.

Russomano (Republicanos), amigo de Bolsonaro, sequer tem uma proposta clara para entregadores de aplicativo. Mas para motoristas da Uber, 99 etc., o candidato defendeu um vago “cadastro único” que, em suas palavras, serviria “para que você, quando for entrar num carro de aplicativo, tenha o levantamento do motorista que está chegando, com todos os dados dele". Ou seja, defende ainda mais controle de dados do que as empresas de aplicativo já fazem para lucrar em cima dos trabalhadores, tudo em prol de uma suposta “defesa do consumidor”, que só serve de justificativa porca para esse candidato humilhar funcionários, enquanto nos tira direitos como trabalhadores e nos humilha, como no caso da caixa de supermercado.

Já a “solução” levantada por Jilmar Tatto, candidato do PT, é peculiar. Contra a exploração dos aplicativos de entrega, defendeu a criação de um novo aplicativo, que seja da prefeitura e que não cobre as taxas dos entregadores. Entretanto “esqueceu” de mencionar que sua proposta não garante nenhum direito aos entregadores, ou seja, estes trabalhadores seguiriam sem nenhum reconhecimento de vínculo empregatício e, portanto, sem nenhum dos direitos previstos na CLT. Sofreu acidente? Segue sendo problema individual do entregador, que terá que arcar sozinho com os danos físicos e em seu equipamento de trabalho. Licença maternidade para grávidas? Não está garantida. Jornada de oito horas com descanso remunerado, com remuneração digna? Nada disso. Que adianta um aplicativo da prefeitura que seguirá reproduzindo a mesma situação desumana dos aplicativos Rappi, Uber, Ifood etc.?

As taxas cobradas pelos aplicativos são uma via de exploração destes, mas não a única. Portanto, simplesmente criar um novo aplicativo sem essas taxas não resolve o problema, serve apenas para maquiar a situação. Exemplo disso é que já existe esse tipo de aplicativo da prefeitura para motoristas de taxis, como o SP Taxis, e nem por isso vimos diminuir a exploração de empresas como Uber e 99taxis. Ou seja, esse tipo de aplicativo não substitui e nem proíbe as plataformas de trabalho precarizado existirem e se expandirem, é apenas apenas uma nova plataforma de exploração.

Não se poderia esperar nada diferente de seu partido, que enquanto brada nas redes sociais que quer derrotar a extrema-direita e a precarização do trabalho, na realidade de sua atuação mantém os milhares de sindicatos que dirige (estando à frente da CUT) inertes. E nas eleições, se coliga com todos os partidos de direita do regime que apoiaram o golpe de 2016, uma “frente ampla” para supostamente derrotar a extrema-direita. Derrotar a extrema-direita se aliando com aqueles que a fortaleceram e alimentaram? Derrotar a precarização sem organizar a revolta dos trabalhadores de sua própria base sindical contra as demissões e ataques aos direitos nos locais de trabalho? Traindo greves, propondo acordos com os empresários? Já sabemos onde isso dá.

Márcio França (PSB), por sua vez, além de defender um aplicativo municipal assim como o Tatto, também promete, em suas palavras, “criar um microcrédito de até R$ 3 mil para ser pago em 30 parcelas com juro zero para 250 mil pessoas”, que seriam os “microempreendedores”, incluindo os entregadores de app. Essa proposta demagógica (que é quase uma compra de voto) é absolutamente insuficiente. Primeiro porque 250 mil pessoas é pouquíssimo frente à enorme quantidade de pessoas que necessitariam desse empréstimo: só os entregadores de aplicativo já somam mais de 280 mil trabalhadores em São Paulo. Segundo porque reforça essa balela de “microempreendedorismo” que na prática, em vez de torrnar o trabalhador “patrão de si”, o torna escravo das plataformas de aplicativo. A proposta de França gera, assim, mais endividamento para os trabalhadores, enquanto as empresas de aplicativo seguem sem precisar arcar com nenhuma responsabilidade.

Questionar a “uberização” e garantir empregos para todos

Se a Uber, 99, Ifood, Rappi não existissem, muitos estariam sem emprego, certo? “Certo” e “errado”. “Errado” porque essas empresas não estão servindo para criar empregos, mas sim para substituir postos de emprego que já existiam, e que os capitalistas com sua sede de lucro preferiram fechar e “contratar” uberizados no lugar. Sempre existiram entregadores. A questão é que, se antes uma parcela deles (que já era pouca) eram contratados CLT, hoje essa parcela é cada vez menor e cada vez mais substituída pelos aplicativos. São empresas como a Loggi, que declara publicamente que tem um plano de “ocupar o lugar dos Correios”, o que na prática significa destruir os milhares de postos de trabalho dos Correios (que tem direitos, estabilidade etc.) para transformar tudo em uberização.

Agora, é “certo” que há hoje mais entregadores que antes, afinal os aplicativos estão servindo de única fonte de renda para milhões de trabalhadores que aderiram recentemente às plataformas, em meio ao mar de desemprego que se encontra nosso país. Isso não significa, porém, que estes aplicativos de precarização sejam uma forma de combate ao desemprego! Para pensar esse combate ao desemprego, é preciso recuperar a atualidade de pautas importantíssimas para a classe trabalhadora, como a geração de emprego por um enorme plano de obras públicas, a redução de jornada sem redução de salário e a garantia de todos os direitos e salário digno para os trabalhadores.

Como combater a precarização dos apps e o desemprego?

Pagando taxas baixíssimas e sem nenhum direito, esses aplicativos obrigam milhões a fazerem dezenas de entregas por dia para garantirem uma renda miserável, isso quando esses entregadores conseguem ser chamados para entregas e não têm que ficar horas e horas esperando um chamado. A solução mais correta neste caso para combater o desemprego sem gerar precarização seria dividir as horas de trabalho e as entregas entre todos os entregadores disponíveis (sem a necessidade da injusta pontuação) e garantindo salário digno por essas horas e valor adicional por quilometragem, como têm discutido entregadores na Argentina. Isso faria com que fosse possível reduzir as horas de trabalho mas sem que o salário fosse reduzido, pelo contrário, inclusive garantindo que a renda seja maior do que é hoje e com todos os direitos.

Além de defenderem isso, todos os candidatos que nessas eleições de fato queiram buscar uma solução para o problema dos entregadores e motoristas de app, deveriam estar defendendo também um grande plano de obras públicas que pudesse empregar milhões de trabalhadores, para que tenham a opção também de recorrer a outros empregos e não apenas a essas plataformas. Um plano de obras públicas para que se possa realizar uma reforma urbana radical, que garantisse moradia, saneamento básico etc. Isso seria uma solução não apenas para o desemprego mas para outros milhares de problemas que afligem a população trabalhadora e pobre.

Além disso, se precisamos de mais entregadores, que é um serviço que se mostrou essencial em meio à pandemia principalmente, por que esse serviço deve ser realizado por meio destas plataformas? Na Inglaterra foi cogitada, por exemplo, a criação de uma empresa estatal de entregas de alimentos para realizar este serviço, tamanha é a importância que ele mostrou ter. Uma estatal, que fosse controlada pelos entregadores, e que os contratasse com todos os direitos garantidos, poderia ser uma ótima alternativa que iria contra essas empresas (que nem precisariam existir neste caso, poderiam ser proibidas) e ao mesmo tempo garantiria que os entregadores pudessem ter emprego digno.

Como afirma Marcelo Pablito, candidato a vereador da Bancada Revolucionária de Trabalhadores do MRT:

“Aplicativos como Rappi, Ifood etc. não são uma forma de combate ao desemprego, como diz o mito do “direito x emprego”. É preciso combater o desemprego com um grande plano de obras públicas que pudesse gerar trabalho com direitos para todos, em diversas áreas. E sobre esses aplicativos, o correto não é criar um novo aplicativo de precarização ou defender ‘direitos rebaixados’, mas sim exigir que as empresas garantam, como mínimo, todos os direitos previstos na CLT, salário mínimo digno e remuneração por todo o tempo em que ficam aguardando com o app ligado. E também que dividam as entregas igualmente entre todos os entregadores disponíveis, sem necessidade da injusta pontuação, e pagando adicional por quilometragem. As vidas dos entregadores precisam valer mais que os lucros dos apps! Esses trabalhadores realizam um serviço essencial para a população, precisam ser reconhecidos e ter condições dignas.”

É por isso que é preciso questionar quando candidatos inclusive do campo da esquerda, como Guilherme Boulos (PSOL), que com a força que sua campanha tem expressado poderia estar cumprindo o importante papel de se opor contundentemente às empresas de aplicativo e à uberização, afirma coisas como “não somos contra as empresas de aplicativo, somos contra a exploração”. Como se fosse possível ser contra a exploração sem lutar contra essas empresas. Além disso, defende uma “regulamentação” da profissão e o rebaixamento da porcentagem que fica com a empresa, mas sem deixar claro que se deve exigir todos os direitos trabalhistas para estes entregadores, o que deveria ser parte de seu discurso.

Ao não fazer isso, abre espaço para propostas como a da deputada Tábata Amaral (PDT), que busca criar na legislação a figura do “parassubordinado”, que nada mais é do que tornar a precarização dos aplicativos algo legalizado, maquiando isso com alguns poucos direitos, como se os entregadores fossem trabalhadores de segunda categoria, que não merecem todos os direitos.

Nada disso se dará sem luta

As eleições são um importante espaço que precisa ser usado pelos trabalhadores para fortalecer a organização de nossa classe. Mas não podemos cair a ilusão de achar que será possível acabar com a precarização e a exploração do trabalho apertando um botão na urna. Ainda mais em uma eleição municipal em meio a um governo reacionário, como o de Bolsonaro, e um regime cada vez mais antidemocrático e apodrecido, tutelado por militares e pelo judiciário, fruto do golpe institucional de 2016. É por isso que mais do que nunca é preciso avançar na organização da nossa classe.

Antes de tudo, não há como pensar qualquer tipo de solução para estes trabalhadores sem que sejam os próprios entregadores a decidirem e sem organizar a luta para batalhar por isso. É pensando nisso que os entregadores argentinos, por exemplo, a partir do La Red de Precarizados junto com outras agrupações têm dado alguns primeiros passos para sua organização: realizando assembleias por região de trabalho e nacionalmente, discutem as paralisações, as suas pautas e decidem quem serão os seus representantes em qualquer tipo de articulação que surgir sobre projetos de lei de parlamentares. São representantes revogáveis, que têm a obrigação de reportar à assembleia qualquer decisão tomada em instâncias judiciais ou reuniões com a patronal e, caso não se submetam às decisões coletivas, são substituídos por outros.

Em assembleia realizada em julho, decidiram pela elaboração de um projeto de lei que os reconhecesse como trabalhadores (conforme a “CLT” argentina) e que buscasse garantir que o tempo de trabalho fosse reconhecido e remunerado desde que ligam o aplicativo, que tenham taxas por quilometragem, etc., tendo a clareza de que para conseguir isso precisarão travar uma grande batalha.

Essa organização é essencial para que não sejam alguns poucos entregadores e parlamentares que discutam da sua cabeça o que acham melhor ou pior para a categoria, mas sim que de fato levem a frente as reivindicações da base. Esse trabalho desde a base, no Brasil, é mais do que fundamental para organizar o movimento de entregadores, uma vez que, por aqui, a defesa de que estes trabalhadores sejam reconhecidos como CLT não é encampada por grande parte da categoria, exatamente pela forte a chantagem do governo Bolsonaro e das plataformas de que os entregadores têm que escolher “direitos ou empregos”, como se o fato de garantirem direitos fosse “falir” os aplicativos e fazer com que os trabalhadores fiquem sem renda, uma grande fake news desses apps.

Essa chantagem, assim como a de que “vão sair do país caso os entregadores reivindiquem direitos”, é usada por essas empresas em todo o mundo, e por isso a luta dos entregadores precisa ser também internacional. Afinal, se em todos os países estes se organizam para reivindicar direitos, não tem para onde os aplicativos correrem. Desde o Esquerda Diário queremos auxiliar nesta luta em todo mundo, apoiando iniciativas como a construção de uma rede de trabalhadores precarizados no Brasil, para que possamos mostrar que juntos somos mais fortes e fazer com que os capitalistas paguem pela crise.

Veja também: Primeira reunião para construir uma rede dos trabalhadores precarizados: some-se à esta iniciativa!




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