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Arte e luta de classes nas ruas da Colômbia

Dani Alves

Silas Pereira

Arte e luta de classes nas ruas da Colômbia

Dani Alves

Silas Pereira

O presidente da Colômbia, Iván Duque Márquez, enfrenta o terceiro mais importante levante popular desde que assumiu o governo, em 2018, catalisado pela reforma tributária e pela enorme impopularidade de seu governo. Desde 28 de Abril com o anúncio da chamada "Lei de Solidariedade Sustentável" que buscava descontar a crise econômica aprofundada com a pandemia sobre os trabalhadores, desempregados e setores populares, a Colômbia está em estado de rebelião, com a fúria operária e popular que tomou as ruas de centenas de cidades de todo o país, como na capital Cali, Medellín, Cartagena e Bogotá. Neste outono, foram registradas dezenas de milhares de concentrações, marchas, bloqueios e assembleias em 809 municípios. No mesmo período, já somam mais de 2.000 manifestantes feridos, por um forte esquema repressivo com a polícia e seus esquadrões da morte, o Esmad (Esquadrão Móvel Antidistúrbio).

O governo de Duque se viu obrigado a recuar com a reforma tributária, o que não foi suficiente para conter as mobilizações que se alastraram por todo país, já sendo comparado por intelectuais e analistas com alguns dos maiores processos de lutas nacionais, como o Bogotaço ou a greve cívica de 1977. O ciclo ascendente da luta de classes na Colômbia, que se fortalece desde a greve nacional de 2019 chega ao seu terceiro ato no marco em que, de acordo com a Direção Nacional de Estatística, o país atinge 42% de pobreza e 15% de extrema pobreza, tendo mais de 4 milhões de desempregados. Essa conjuntura se agrava pela crise pandêmica, combinada à catástrofe social e a crise política do governo Duque e de seu partido de extrema-direita.

A rebelião colombiana tem sido fortemente marcada por diversas intervenções artísticas de diversas áreas, expressando um forte apoio às mobilizações que incendeiam as ruas do país. Coletivos artísticos como o Entre Artes, tem participado levando para diferentes bairros e comunidades uma mensagem lúdica e criativa, a partir de diversas expressões artísticas no intuito de gerar pressão e espaços de diálogo, para que seja compreendido os problemas do país.

Um dos sintomas de como é a forte presença dos coletivos e artistas nesse processo é que um mês após o início da rebelião, a arte ainda está nas ruas.
Em entrevista ao La Izquierda Diario, Camilo Ladino, que participa de vários grupos artísticos na Colômbia, denuncia a situação do seu país e propõe aos artistas:

“A cultura sempre dará ao povo seu maior argumento para poder continuar. (...) É incrível aqui, como depois das sete da noite você praticamente tem que se esconder porque não sabe quem vai te atacar. Se são policiais à paisana, se os mesmos policiais sem identificação ou se mais civis das classes altas que simplesmente se cansaram dos bloqueios e também saíram para matar gente.

Então seria bom esses artistas usarem aquela voz para mostrar tudo isso, mostrar essa divergência, mostrar tanta corrupção nesse governo, para fazer alguma coisa, que isso não aconteça e que todas as mortes que ocorreram não são em vão, mas, ao contrário, que se pode fazer a respeito, que pode haver uma mudança enquanto tal.”

Camilo faz parte de um movimento que diversos grupos artísticos têm aderido após o início das mobilizações, de levar às ruas sua arte através de oficinas, apresentações e debates.

E não para por aí, eles salientam também a importância de transmitir de maneira internacional o que está acontecendo na Colômbia, a favor de demonstrarem solidariedade e fortalecer as lutas.

A música e a corporeidade também tem sido marcante nas marchas, principalmente através do hip hop, como no caso do grupo de mulheres Feminal Crew. Elas organizaram durante uma das manifestações, uma exposição cultural com base em uma atividade de denúncia ao caso da jovem de 17 anos que foi agredida pelo esquadrão da morte (ESMAD), presa de forma arbitrária e abusada sexualmente. Outros grupos como o Caos Break e Guerreros Z, da cidade de Cali, também organizaram no Puerto Resistencia, principal ponto de encontro das marchas, shows e murais em apoio à comunidade.

A canção "El Aguante" do banda Calle 13 também se tornou popular nas manifestações, ressoando a revolta popular que tomou as ruas. Em poucos dias de alta, o YouTube América Latina censurou com uma advertência de "ofensiva ou inadequada" o vídeo oficial da música, e diante disso, os comentários do vídeo receberam centenas de mensagens de repúdio à censura e contra o governo, além de apoio internacional à rebelião colombiana. Residente, vocalista da banda, também se pronunciou através dos stories do Instagram a favor do povo colombiano e repudiou a censura do YouTube.

Viralizou nas redes um grupo de artistas não binários que coreografaram vogue e waacking em frente às forças armadas durante a greve nacional, onde também declararam que:

"As pessoas LGBTQI não têm mais medo, estamos prontas para fazer do mundo um lugar melhor. / E não só para nós e nossa comunidade, mas também para todos que moram aqui. Aqui estamos nós, quebrando esquemas, derrubando estigmas. / E o melhor de tudo... por meio da arte, o vogue e o amor. / Empoderadas, saltando e sem medo."

Veja também: Solidaridad internacional.Alto a la represión y la violencia machista contra las que luchan en Colombia

Artistas de todo o mundo também se manifestaram em apoio à luta do povo colombiano e à greve nacional, contra a reforma tributária, pelo fim da repressão e assassinato dos manifestantes pelas forças repressivas.

O artista J Balvin, que gerou críticas ao usar as imagens das mobilizações na Colômbia como mero e supérfluo cenário para um documentário sobre sua vida no Amazon Prime, se pronunciou a favor da greve nacional e pediu ajuda internacional para acabar com a grave situação, pedindo a paz. A cantora Shakira usou o Twitter para se pronunciar, onde disse: "É inaceitável que uma mãe perca seu único filho para a brutalidade. E que outras 18 pessoas tiveram suas vidas tiradas em um protesto pacífico. As balas nunca poderão silenciar a voz de quem sofre ”, referindo-se ao assassinato do jovem Santiago Murillo. Ricky Martín também publicou em suas redes sociais exigindo respeito pela vida e contra as violências aos manifestantes.

Leia mais em: Artistas da Colômbia e do mundo em apoio às manifestações contra as políticas de Iván Duque

No marco dessa Colômbia convulsiva, onde os trabalhadores e o povo pobre vão às ruas, as produções artísticas assumem a ruptura e transgressão como mote, tanto estética quanto comportamental. Tendo em vista, que o acesso à arte é absolutamente restrito às parcelas mais privilegiadas da classe média e da burguesia dominante, quando ela está presente de forma livre e ligada às ruas transcende parte do conceito de arte de cartaz, passiva. Não é mais um mero transmissor da mensagem isolada mas por onde a expressão coletiva se aflora. Nos faz pensar, também, na arte enquanto parte da contestação da realidade e como instrumento de instigar a expressão política e organização coletiva.

Denunciamos e repudiamos a violência exercida pelo Estado colombiano sob a presidência de Duque e Uribe e convidamos os artistas a somarem suas vozes de apoio e solidariedade com a luta do povo que resiste. Viva a Greve na Colômbia! /¡Viva el Paro de Colombia!


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