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Transição de governo | As ambições de Kassab como ponte entre lulismo e bolsonarismo

Depois de permanecer anos articulando dos bastidores as diretivas do seu partido, o PSD, agora o ex-prefeito de São Paulo assume um papel de destaque no processo de transição de governos. Com um pé em cada canoa, assumindo um posto chave no governo Tarcísio e negociando com o governo Lula apoio no Congresso, sua ambição é ser um fator decisivo, a serviço do grande capital, tanto do governo Lula quanto do bolsonarismo institucional.

Thiago FlaméSão Paulo

terça-feira 6 de dezembro de 2022 | Edição do dia

Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Nos últimos dias o PSD e Kassab deram passos na sua articulação nos dois lados da polarização eleitoral que dividiu o país. Ao lado de seu aliado e velho amigo Guilherme Afif, foi nomeado secretário de governo por Tarcísio, que também terá tucanos e bolsonaristas no secretariado (COLOCAR LINK). Ao mesmo tempo, negocia dois ministérios no governo federal e o apoio de Lula à reeleição de Pacheco no Senado. Liderado por Kassab, o PSD vai integrar ao mesmo tempo o governo federal e o principal governo da oposição bolsonarista. Dos 42 deputados eleitos, seu partido tende a crescer no Congresso, atraindo oportunistas e direitistas de todas as legendas em busca dos cargos e verbas que o PSD controlará.

A corrupção dos parlamentares é parte do mecanismo de domínio da burguesia em qualquer democracia parlamentar, como já apontava Engels no século XIX, e a política brasileira das últimas décadas não fez mais do que confirmar essa afirmação. Esse grande conglomerado de direitistas corruptos, na maioria filhotes da ditadura, que se chama de centrão foi peça chave de todas as maiorias parlamentares desde a constituinte de 1988, do governo FHC, dos governos petistas e do próprio governo Bolsonaro. A ambição de Kassab é despontar como a liderança do chamado centrão, dessa direita corrupta e fisiológica, capaz de transitar com desfaçatez no petismo e no bolsonarismo e angariar verbas em todos os lados.

Quem é Kassab?

O PL, onde Kassab começou sua carreira política, como outros partidos do centrão, são descendentes do velho Arena, o partido dos governos militares. Os setores majoritários do Arena, que depois se chamou PDS, romperam com esse partido para apoiar o candidato Tancredo Neves nas eleições indiretas de 1984 contra o candidato do PDS, Paulo Maluf. Essa ruptura, que deu lugar ao surgimento do PFL, representava a vontade da maioria das cúpulas militares, a favor de uma transição negociada. No PDS de Paulo Maluf, que depois de chamou PPR, depois PPB e hoje é o PP, sobraram principalmente os setores da chamada linha dura. Não a toa foi o partido que abrigou Bolsonaro por anos. Foi do PFL que surgiu o PL. Kassab se afastou do PL em 1995 e voltou ao PFL - que se chamou DEM e hoje depois da fusão com o PSL, se tornou o União Brasil - e nessa condição se aliou ao PSDB para governar a cidade de São Paulo, primeiro como vice de Serra e depois como candidato a reeleição.

A onda lulista varreu todo o centrão e para surfar nela Kassab criou o PSD, rompendo com o velho DEM, para aderir de malas e bagagens ao governo Lula. O PL, por sua vez, já havia indicado o vice de Lula, José Alencar. É ilustrativo que alguns anos depois aconteceu a fusão do PL com o Prona de Eneias Carneiro, até então o maior representante da extrema direita de inspiração facista, dando origem ao PR, que se tornou bolsonarista.

Gilberto Kassab dentro desse conglomerado asqueroso representa também interesses específicos. Surgiu na política apoiado por Afif, presidente da poderosa associação comercial de São Paulo e foi eleito pela primeira vez para um cargo público em 1992, pelo antigo PL, partido liderado então liderado por Afif e seguiu carreira política sempre com estreita ligação às associações comerciais e imobiliárias do estado de São Paulo. Historicamente as associações comerciais de São Paulo estiveram sempre na vanguarda dos interesses mais reacionários, privatistas, golpistas e pró-imperialistas entre todos os empresários. É também essa base social orgânica de um setor poderoso do grande capital que permite que Kassab se proponha, ao lado Guilherme Afif Domingos, ambições maiores, pois esses setores além de exercerem uma grande influência no governo federal, são determinantes na política paulista. Nem Lula, nem muito menos Tarcísio, podem ou querem governar contra eles.

Se apoiando nesses interesses Kassab parece abrigar ambições maiores. O de ser o articulador de uma direita conservadora e liberal, alternativa ao bolsonarismo. O jogo duplo que lhe garante força e protagonismo no atual cenário, é, porém, sua principal debilidade para concretizar esses planos. O cenário político nacional tem dado pouca oportunidade para o surgimento de forças intermediárias entre lulismo e bolsonarismo e todos os que tentaram aglutinar as forças do centrão com esse objetivo fracassaram.

Uma ferramenta do capital financeiro

As primeiras exigências de Kassab ao futuro governo Lula e todas as suas afirmações seguintes já mostraram a que interesses serve Gilberto Kassab. Exigiu de Lula uma reforma administrativa, que é um nome bonito para esconder um grande ataque ao salário de funcionarios publicos, não os que recebem altos salários, mas os que prestam serviços essenciais para a população, significando também a precarização desses serviços, como saúde e educação. Kassab também disse recentemente, enquanto negociava nos bastidores sua adesão ao governo Tarcisio, que Lula vai “apanhar” se permitir desequilíbrio fiscal.

O jogo duplo de Kassab é expressão dos interesses dos setores tradicionais do empresariado paulista que ele representa e de sua ligação com os interesses do capital financeiro. Governe quem governe, que seja protegido o pagamento da dívida pública, e o PSD se propõe a ser fiel escudeiro dessa proteção. Algo mais, no entanto, se expressa da posição dupla de Kassab. Sua posição pode expressar certas convergências de interesses num grau maior de investimentos estatais em áreas de infraestrutura e imobiliária. Lula carrega essa promessa, e o próprio Tarcísio teve o discurso das obras como um dos fundamentos da sua campanha. Os próprios interesses comerciais e imobiliarios particulares do empresario Kassab também se favoreceriam com esse tipo de medida.

Toda a discussão sobre o teto de gastos está relacionada também a esses fatores. Por mais que exista toda a pressão pela estabilidade, e que o próprio Kassab seja um dos vetores dessa pressão, já é consenso a necessidade de espaço fiscal para algumas concessões sociais e para certo aumento dos investimentos estatais. No governo Lula, Kassab expressa a pressão no sentido de conter o aumento de gastos. No governo Tarcísio, cumpre o papel contrário, de ser contrapeso aos pólos bolsonaristas e guedistas, e funcionando como um pólo de convergência entre o governo Lula e a oposição dos bolsonarismo institucional da qual faz parte o governo Tarcísio, nos pontos fundamentais onde convergem os interesses das frações majoritárias do grande capital.

Kassab, no entanto, como lembramos, é de direita, filhote da ditadura e parte dos mil pedaços em que se desfez o super reacionário Arena. Está em casa no governo Tarcísio e sua pauta conservadora de defesa da família e da propriedade. No governo Lula é mais uma garantia de que nenhuma das demandas democraticas do povo negro, das mulheres e da juventude vai avançar. Que Lula tenha que recorrer a um apoio que ao mesmo tempo ocupa um cago fundamental no governo bolsonarista de Tarcísio, é mais um exemplo de tantos que temos visto, antes mesmo do governo Lula se iniciar, de que vai ser necessário um pólo político com independência de classe, para enfrentar a direita onde quer que ela esteja e lutar de forma consequente por nossas demandas.




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