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EDITORIAL MRT | As tarefas da esquerda socialista e revolucionária diante do novo governo Lula-Alckmin

Completados 2 meses do novo governo Lula-Alckmin mais do que nunca é necessário definir as tarefas de uma esquerda socialista e revolucionária que, no embate contra a extrema-direita bolsonarista, não compõe a base nem o arco de alianças do governo frente-amplista com empresários e arquitetos do golpe institucional de 2016. Ao contrário, reafirma uma estratégia e programa anticapitalista para enfrentar a crise que segue em curso.

Diana AssunçãoSão Paulo | @dianaassuncaoED

quarta-feira 1º de março de 2023 | Edição do dia

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Há um ano do início da guerra na Ucrânia, que atualizou e reatualiza a época de crises, guerras e revoluções, também vemos internacionalmente o seguimento da crise econômica e novas rebeliões sociais e greves massivas como especialmente no Peru, com grande protagonismo dos povos indígenas, mas também na França contra a reforma da previdência de Macron e na Inglaterra com os trabalhadores da saúde à frente. Neste contexto o novo governo Lula-Alckmin no Brasil aparece na América Latina como um sinal de recomposição da chamada “onda rosa” de governos tidos como progressistas na região, porém as contradições de um sistema capitalista baseado na exploração e na miséria permanecem, condenando ao fracasso os planos de gestão humanitária do capitalismo. O emblemático caso do apoio de Lula ao governo golpista de Dina Boluarte no Peru, se alinhando com o presidente dos Estados Unidos Joe Biden, quando a população rechaça esse golpe e pede a queda de Dina é uma expressão cabal dessa contradição.

O importante fracasso da reacionária ação golpista de 8 de janeiro fortaleceu o novo governo que se assenta em um regime político degradado pelo golpe institucional. Regime no qual as instituições como o Congresso Nacional, o STF e as Forças Armadas foram responsáveis ou co-responsáveis pela aprovação de todas as reformas anti-operárias e anti-populares aprovadas nos últimos anos que estraçalham com a vida da classe trabalhadora. Além da fome e desemprego, o que se vê no país é um vendaval de terceirização, precarização, uberização e todo o tipo de deterioração dos direitos trabalhistas, atingindo em especial os trabalhadores negros e as mulheres trabalhadoras. Neste momento vemos o escandaloso caso de trabalho análogo à escravidão nas vinícolas de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, o que exige uma resposta enérgica da nossa classe para lutar pela punição dos empresários escravocratas, expropriação das empresas sob controle dos trabalhadores e indenização a todos os trabalhadores vítimas dessa barbárie capitalista.

Como apontamos no texto “Atualizações sobre a situação nacional” ainda que siga essa situação para a nossa classe o que estamos vendo é uma grande legitimação do governo, um fortalecimento em especial do judiciário e um debilitamento do autoritarismo militar especialmente depois do 8 de janeiro. Apesar do debilitamento dos militares na conjuntura, a mudança de governo não significou um fim das tendências cada vez mais autoritárias do regime político que vieram se exacerbando desde o golpe institucional. Alexandre de Moraes e o judiciário intervêm abertamente na política, hoje fundamentalmente direcionado contra a extrema-direita, mas já é muito claro que isso também se volta contra os trabalhadores e a esquerda. Por tudo isso o signo atual é a busca de uma imagem de unidade nacional que se expressou fortemente na atuação conjunta entre Lula e Tarcísio, governador bolsonarista de SP, como uma mostra de que seria possível pacificar o país. Ou na mais vexatória foto no Rio de Janeiro do ex-ministro de Bolsonaro Eduardo Pazzuelo com Quaquá, vice-presidente do PT, mostrando que a intenção do petismo é conciliar com figuras centrais do bolsonarismo e não combatê-los. Parte fundamental do que explica o fortalecimento do bolsonarismo foi justamente essa política de conciliação.

Como parte desta política, que privilegia o acomodamento das forças da direita dentro dos dispositivos de poder da administração lulista, o governo já busca conter e institucionalizar todo e qualquer movimento que surja de forma independente. Exercendo representatividade em alguns cargos do governo e convencendo setores de que o caminho da luta não é necessariamente o mais eficaz, o governo atua como um grande guarda-chuva de contenção das contradições de classe que seguem escancaradas no país. Por isso, o novo governo Lula-Alckmin depois de 4 anos de bolsonarismo no poder recoloca debates de estratégia e programa para o conjunto da esquerda, debates que acumulam décadas de fundamentos e experiências do movimento socialista internacional. Afinal, até onde vai a necessidade de manter a independência de classe quando se trata de enfrentar a extrema-direita bolsonarista e toda a corja militar? A essa pergunta grande parte da esquerda brasileira respondeu de forma equivocada. Alguns setores consideram que a independência de classe é algo relativo, um componente para citar em textos e cursos teóricos e não um conceito para ser colocado em prática. É com este fundamento que por exemplo o PSOL, com sua direção majoritária à frente, passou do enfrentamento contra Bolsonaro à integração no novo governo ainda que com “autonomia”. Neste momento o PSOL compõe não somente um Ministério como assumiu a vice-liderança do governo na Câmara dos Deputados cujo presidente é ninguém menos que Arthur Lira, apoiado pelo mesmo governo que o PSOL vai representar, apesar desse partido ter apresentado candidatura própria nessa votação. Não é de se espantar, inclusive, que, ao invés de agitar um programa operário para enfrentar a crise capitalista, setores do PSOL tenham abraçado o programa de “redução da taxa de juros”, que serve a uma ala da burguesia em detrimento da outra. Ironicamente, em meio a esse debate, o PSOL simplesmente ignorou que uma das figuras centrais da sua federação é Marina Silva, uma das precursoras da defesa da independência do Banco Central.

Por isso, mais do que nunca, é preciso resgatar o abc do marxismo que aponta que a classe trabalhadora para avançar em sua luta socialista e revolucionária precisa ter independência política diante dos governos, dos patrões e do Estado, como uma premissa elementar para justamente enfrentar o capitalismo, o que é a única forma de não abrir mão da luta pela resolução dos problemas estruturais da classe trabalhadora e dos setores oprimidos. Não ter independência política faz com que se dizer socialista ou revolucionário sejam “palavras ao vento”, pois coloca a esquerda à serviço de debater o que o governo que administra o Estado capitalista deve (ou para alguns, “pode”) fazer, o tradicional reformismo. Um exemplo cabal de tal situação é o PSOL comemorar a luta indígena ao assumirem o Ministério dos Povos Indígenas com Sônia Guajajara e a mesma se calar diante do massacre indígena no Peru, que já tirou mais de 70 vidas, levado adiante pelo governo golpista de Dina Boluarte, apoiado por Lula. Longe de qualquer dogma, se tratam de posições concretas diante da situação atual. O que diz o Ministério dos Povos Indígenas diante do ato dos indígenas peruanos na embaixada brasileira em Lima, exigindo que o governo Lula pare de permitir o envio de munições ao governo golpista? Os melhores exemplos diante disso foram os atos organizados em diversos estados junto a comunidade peruana, ou por exemplo os trabalhadores metroviários de São Paulo que a partir do Sindicato fizeram reuniões de base para se posicionar contra o apoio de Lula ao governo golpista.

O PSOL vem buscando repetir no Brasil o mesmo caminho que vimos ser trilhado por outras organizações neorreformistas como o Podemos, no Estado Espanhol, e a Frente Ampla no Chile, que já foi citada por vários representantes desse partido como fonte de inspiração. A grande questão é que depois de ganhar expressão parlamentar pela sua relação com os movimentos sociais, esses setores passaram a justificar suas políticas de integração ao Estado burguês como um avanço das lutas sociais. No entanto, quando olhamos para os exemplos internacionais o papel desses partidos a frente das coalizões de governo foi justamente o de contribuir para institucionalizar o movimento de massas, retirando-os das ruas com seus métodos e reduzindo seus objetivos aos limites que o Estado e o regime capitalista buscavam impor. Quando debatemos sobre a importância de manter a independência política dos governos também é porque vemos concretamente a partir dos exemplos atuais, como esse sistema capitalista se utiliza desse recurso de institucionalizar os movimentos da classe trabalhadora e sociais para evitar que surjam pela esquerda questionamentos que busquem se enfrentar com a forma como esse sistema pretende descarregar a crise sob os ombros da nossa classe. Tirar essas lições do papel que cumpre a institucionalização das nossas lutas é ainda mais fundamental no Brasil, já que sequer tivemos a força nas ruas que se expressou anteriormente no Estado Espanhol e no Chile.

Por isso, queremos dialogar com todos os trabalhadores e jovens que há alguns anos foram parte de enfrentar o golpe institucional, que foram parte de se enfrentar com Bolsonaro e toda a extrema-direita e que agora se vêem diante de um novo governo Lula-Alckmin se perguntando: quais seriam as tarefas de uma esquerda socialista e revolucionária? Em nossa visão é preciso batalhar pela independência política dos trabalhadores lutando para em primeiro lugar enfrentar o conjunto das reformas e ataques que seguem em curso e que inclusive o próprio governo já anunciou que não irá revogar. Neste âmbito ganha importância central a luta contra a privatização do Metrô de Belo Horizonte. É tarefa prioritária exigir dos sindicatos um forte plano de luta pela revogação integral das reformas trabalhista e da previdência, e por um programa operário que enfrente efetivamente a crise, o que passa por defender não a redução da taxa de juros como inclusive empresários “progressistas” vem defendendo mas sim o reajuste salarial de acordo com a inflação e a redução da jornada de trabalho sem redução salarial exigindo o salário mínimo do DIEESE. Medidas que atacariam os lucros capitalistas, como também o não pagamento da dívida pública, mostrando que os verdadeiros ladrões são os empresários e especuladores, como da Americanas, ou os que mantêm inúmeros imóveis desocupados para gerar especulação imobiliária enquanto milhares de pessoas moram nas ruas ou em encostas de morros, sujeitos à tragédias como no litoral norte de SP. Da mesma forma, se queremos lutar por “nenhuma anistia" aos golpistas não podemos aceitar o pacto de impunidade do qual o governo faz parte querendo livrar a cara do Alto Comando civil e militar. É preciso com os métodos da classe trabalhadora e sem nenhuma confiança nas instituições do Estado lutar pela punição de todos esses setores.

Ao mesmo tempo, é preciso colocar o dedo na ferida aberta da terceirização. O projeto de regulamentação encabeçado pela CUT é apenas uma forma de mascarar a real situação: que o país segue convivendo com trabalho semi-escravo como por exemplo nas vinícolas de Bento Gonçalves, que os terceirizados tenham direitos muito reduzidos em distintas empresas e universidades, que seja aceitável ter trabalhadores de primeira e segunda ordem, que o salário mínimo seja muito inferior ao necessário para a sustentação de uma família, que os negros e mulheres estejam nos piores postos de trabalho. Sem enfrentar a terceirização não é possível a luta pela igualdade salarial entre negros e brancos, entre homens e mulheres, que se dá não somente na diferença salarial dos mesmos ofícios mas pela via da terceirização e precarização que no Brasil tem rosto de mulher, especialmente mulher negra. Em cada local de trabalho e estudo, especialmente junto à juventude trabalhadora, este deveria ser um ponto central de batalha a ser dado: a luta pela igualdade de salários e direitos, sem esperar nenhuma resposta do governo que não seja pela via de uma mobilização independente que obrigue as centrais sindicais a se mobilizarem. Não aceitemos a divisão de tarefas que querem impor na qual as centrais atuam como sustentáculos do governo impedindo que a nossa luta se desenvolva.

Por isso também, neste 8 de março, estamos batalhando para que a voz do feminismo socialista seja fortemente escutada em todo o país batalhando por blocos classistas no 8 de março. Diante disso, as dirigentes do PT tem atuado como uma verdadeira burocracia nas reuniões de preparação dos atos querendo calar as mulheres do Pão e Rosas e de outras correntes da esquerda socialista, e vimos muitas representantes do PSOL sendo coniventes com esse absurdo burocrático. O motivo do veto é porque somos as únicas que rechaçamos o apoio de Lula ao golpe no Peru e que denunciamos que o nosso direito ao aborto legal, seguro e gratuito foi rifado na campanha eleitoral pelo PT, e que portanto vamos precisar organizar a nossa luta para arrancá-lo. Como parte desta batalha vamos construir um grande Encontro Aberto Interestadual do Pão e Rosas no dia 25 de março reunindo centenas de companheirxs em todo o país para discutir as tarefas do feminismo socialista hoje, resgatando o melhor da tradição revolucionária na luta das mulheres com a publicação da maior compilação de clássicos do marxismo sobre a questão da mulher no livro “Mulheres, revolução e socialismo” das Edições ISKRA.

Contra qualquer tipo de política de “administrar o capitalismo” reafirmamos nossas bandeiras pela revolução socialista. E pelo desenvolvimento da luta de classes o que só pode se dar efetivamente em base a auto-organização dos trabalhadores. Por isso, hoje, Peru e França mostram a mobilização como o único caminho possível para enfrentar este sistema capitalista. Como viemos debatendo internacionalmente na Fração Trotskista - Quarta Internacional cabe a nós revolucionários batalhar para pensar as formas pelas quais essas mobilizações possam avançar em um sentido abertamente revolucionário. São essas batalhas que convidamos todos e todas a fazerem parte junto com o MRT, a Faísca Revolucionária, o Pão e Rosas e o Esquerda Diário. Parte destes debates vamos fazer no próximo dia 09 de março às 18h pelo Youtube no lançamento do livro Esquerda em Debate com a participação de Ricardo Antunes, Virgínia Fontes, Beatriz Abramides e Marcello Pablito.




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