×

Uberização | "CEO do Mercado Livre: tranquilidade para explorar e lucrar milhões"

Enquanto o CEO Stelleo Tolda orgulha-se de lucrar milhões com o maior e-commerce da América Latina, a situação daqueles que garantem essa fortuna é de extrema precariedade. “Se eu parar para urinar, almoçar, eu não consigo terminar (..). A maioria dos motoristas e ajudantes urinam dentro de uma garrafa que fica dentro da van, é bem humilhante”, relata entregador.

terça-feira 1º de novembro de 2022 | Edição do dia

“Stelleo Tolda: a tranquilidade para ganhar milhões”. Esse é o título da matéria do site O Valor que apresenta o bilionário dono da Mercado Livre, o maior e-commerce da América Latina, como alguém com “rara tranquilidade”. De fato, é uma qualidade rara encontrar qualquer tranquilidade em tempos de crise econômica, fome e desemprego. A não ser, é claro, que você seja um bilionário CEO que lucra bilhões com uma plataforma online como esta, sem se importar com os milhares de trabalhadores que estão dando o sangue a troco de remuneração baixíssima, nenhuma garantia de direitos e em condições extremamente precárias.

É essa a realidade que relatam os entregadores da Mercado Livre. Com uma rotina de trabalho extremamente extenuante, com jornadas que chegam a 12 horas ou mais, esses trabalhadores relatam uma série de humilhações diárias. “A condição aqui do MercadoLivre é das piores entendeu” relata um dos entregadores. “O pessoal pede para a gente chegar às 6 horas da manhã, para a gente ficar em um lugar que não tem nada, não tem nenhum comércio, tem um monte de mato, não tem lugar para você urinar, não tem lugar para você comer, tem que ficar no sol o dia todo. Aí quando dá umas 10 horas é a hora que eles pedem para entrar. Quando a gente entra, a gente sai de lá por volta do meio-dia, e quando a gente sai de lá a gente está sem comida, sem lanche, sem café da manhã, com o carro entupido de mercadoria.”

Outro entregador relata, também, essa rotina exaustiva, e além disso a quantidade abusiva de mercadorias que precisam entregar: “Entra para carregar às vezes 10 horas, até ser atendido por um outro funcionário precarizado que vai bipar os pacotes lá e fazer a conferência (...). Sai para a rua meio-dia e nunca pega menos que 150 paradas. É sempre de 150 para 100 para cima chegando até 180 a 205 paradas, e quando a gente sai com… A partir do momento que a gente saiu com as entregas a gente tem que fazer, porque existe um monitoramento que é feito pela transportadora e sempre botando a pressão para que a gente faça tudo para que a gente não reclame. Eu já cheguei a ser pressionado a ficar até 22:30 da noite fazendo entrega.”

Para buscar cumprir a exigência da empresa, muitos trabalhadores precisam se submeter a condições humilhantes. “A maioria dos motoristas e ajudantes urinam dentro de uma garrafa que fica dentro da van, é bem humilhante”, conta esse entregador. “A nossa condição mental é que a gente tem que economizar 30 segundos em cada parada para que a gente trabalhe 1 a 2 horas menos. Então a gente fica condicionado a isso. Se eu parar para urinar, almoçar, eu não consigo terminar, eu vou ter que ir trabalhar de 1 a 2 horas a mais. Esses 20 minutos que eu paro para almoçar ou ir no banheiro, no final do dia ele vira 2 horas. Por que a gente pega o trânsito, à noite não dá para enxergar o número das residências, as pessoas não saem mais rápido de casa porque já é noite, então a pessoa quer saber quem está chamando...”

Outra prática comum da empresa é desligar ou bloquear trabalhadores sumariamente, sem nenhum motivo. Muitas vezes consideram o que o cliente diz, sem nem mesmo averiguar a veracidade. Conforme relata um dos entregadores: “(...) eu fui bloqueado sem nenhum aviso prévio, assim tipo, “cara, você tá cometendo isso, você errou aqui ali, dá uma melhorada aqui”. Não, simplesmente me bloquearam e eles alegam que não têm acesso ao sistema para reverter esse bloqueio (...). E aí mesmo eles vendo que houve o erro, e que o pacote foi devolvido, eles me bloquearam”.

Um dos entregadores nos relatou que os bloqueios indevidos ocorrem inclusive quando os entregadores são assaltados. Os assaltos, aliás, são uma situação comum, pois com o veículo carregado de mercadorias correm sempre muito risco de roubo, ainda mais quando precisam fazer entregas até tarde da noite para cumprir a meta da empresa. Os entregadores arriscam-se e trabalham com medo enquanto a empresa, em vez de prestar auxílio aos trabalhadores quando são roubados, os dá uma penalidade, sendo bloqueados por uma semana quando são assaltados.

Essa é uma realidade comum a todas essas plataformas que se valem da chamada “uberização” do trabalho. Fazem o discurso de que o funcionário sequer é um funcionário, afinal, está sendo “seu próprio patrão”. Entretanto, uma breve observação da situação desses trabalhadores já mostra o completo oposto. Não há nenhuma liberdade de “trabalhar quando quiser”, “na hora que quiser” nem nada disso. E muito menos uma garantia de que não serão demitidos, afinal são desligados a qualquer momento. “Fora atraso de salário”, relata um entregador, e continua: “eu fiquei com meu salário atrasado dois meses quando eu comecei. E o pagamento sempre tem algum desconto de alguma coisa que você não sabe aí, você tem que ficar se humilhando para perguntar eles sempre metem a mão. E qualquer avaria na van você paga também.”

Em meio ao governo Bolsonaro, vimos crescer cada vez mais empresas que se valem desse tipo de trabalho. Um trabalho que calha bem com aquilo que o ex-presidente e o ministro Paulo Guedes cansaram de repetir, de que é preciso o trabalhador escolher entre ter “trabalho” ou “direitos”. Ao fim de quatro anos desse governo, as altas taxas de desemprego ou subemprego não deixam dúvidas de que, além de retirar direitos aumentando a precarização, também não vemos nenhuma garantia de emprego.

Sobre as eleições, o CEO do Mercado Livre já afirmou que “não importa se o governo é de esquerda, de centro ou de direita. Estamos mais preocupados em investir e crescer” https://www.istoedinheiro.com.br/2633437-2/ , e torce por um ambiente mais estável na economia. Ou seja, contanto que seus negócios estejam dando lucros e que não se mexa nas bases da precarização que geram sua fortuna, pouco importa qual governo entre. É claro que essa “tranquilidade” de Tolda com as eleições baseia-se também no fato de que a chapa Lula-Alckmin venceu as eleições deixando claro seu compromisso com os empresários por não levantar em seu programa a revogação de ataques como a reforma trabalhista, a reforma da presidência, ou questionamento a práticas como a uberização.

Diante do cenário bastante favorável à extrema-direita, com a eleição de diversos governadores, senadores e deputados bolsonaristas e um setor de caminhoneiros questionando as eleições, vemos que mesmo a vitória eleitoral de Lula não reverterá o peso da extrema-direita e nem dos ataques. Não serão as eleições que mudarão esse cenário, mas sim a organização e luta dos trabalhadores em seu terreno: nas ruas e nas greves, apostando na luta de classes. Grandes centrais sindicais, como a CUT, precisam parar com sua paralisia e organizar essa luta, unificando os trabalhadores de diversas categorias, inclusive a massa dos trabalhadores precarizados que não são sindicalizados. Só assim é possível garantir que a crise não seja jogada em nossas costas, e que sejam os capitalistas a pagarem por ela.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias