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Argentina | Cristina Kirchner é condenada em uma decisão proscritiva que não busca combater a corrupção

A vice-presidenta argentina foi condenada a 6 anos de prisão por administração fraudulenta em prejuízo da administração pública, e inabilitação especial perpétua para o exercício de cargos públicos. Uma operação política bonapartista do Judiciário semelhante à ocorrida em 2016 e 2018 no Brasil, que mostra o objetivo proscritivo de uma casta judicial que ninguém votou, mas que busca decidir de forma antidemocrática quem pode ser candidato e quem não pode; quem pode ser votado e quem não é.

terça-feira 6 de dezembro de 2022 | Edição do dia

Nos marcos de um processo que já vem se desenvolvendo no cenário político argentino há meses, o kirchnerismo - em cujos governos houve corrupção assim como em todos os governos capitalistas - usa essa perseguição para criar um discurso político que opta por falar em "lawfare" para silenciar o debate sobre o ajuste neoliberal aplicado pelo próprio Governo da Frente de Todos.

Saiba mais: Pedido de condenação a Cristina Kirchner: continuam os debates na Frente de Esquerda

Os juízes Andrés Basso, Jorge Gorini e Rodrigo Giménez Uriburu anunciaram na tarde desta terça-feira a sentença do processo que investigou a denúncia de irregularidades na adjudicação de obras de vias públicas na província de Santa Cruz para beneficiar a empresa Austral Construcciones, de Lázaro Báez, sob os governos de Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015). Resolveram condenar Cristina Fernández de Kirchner a 6 anos de prisão e inabilitação perpétua para o exercício de cargo público, por considerá-la autora criminalmente responsável de administração fraudulenta em detrimento da administração pública.

A sentença é divulgada em meio ao escândalo político devido aos vazamentos ilegais que expõem o conluio entre juízes, empresários e autoridades macristas. Um deles é precisamente Julián Ercolini, que foi o promotor desse processo, conhecido como Caso Rodoviário [Vialidad].

A mesma sentença foi recebida por Lázaro Báez, José López, ex-Secretário de Obras Públicas, e Néstor Periotti, ex-chefe da Direção Nacional de Rodovias, enquanto outros funcionários acusados - Mauricio Collareda, Raúl Daurich e Raúl Pavesi - tiveram uma pena menor. O ex-ministro do Planejamento Federal e ex-deputado Julio De Vido foi absolvido de todas as acusações. Apesar de os promotores Luciani e Mola terem feito a denúncia com base no crime de associação ilícita, os juízes resolveram absolver os acusados ​​dessa acusação.

As sentenças ainda não são de aplicação imediata, porque são sentenças de primeira instância que podem ser apeladas à Câmara de Cassação, e depois à Suprema Corte, de onde viria uma sentença final. A Corte foi fundamental para o desenvolvimento do juízo das Rodovias quando em junho deste ano Horacio Rosatti, Ricardo Lorenzetti, Juan Carlos Maqueda e Carlos Rosenkrantz rejeitaram por unanimidade todas as ações de nulidade das defesas, muitas das quais foram apresentadas nas audiências de denúncia, habilitando a presente condenação.

Esta sentença também pode levar à reabertura de outros casos, como o de Hotesur-Los Sauces, onde a Câmara já está analisando o recurso ao afastamento da vice-presidente e de seus filhos, Máximo Kirchner e Florencia, entre outros.

Um julgamento com muitas irregularidades que não investigou a corrupção

O caráter persecutório dessa sentença fica evidente com a inabilitação para o exercício de cargo público, e coroa um processo judicial que teve como objetivo buscar a cassação política de Cristina Kirchner. O uso da associação ilícita no pedido de condenação do promotor Luciani serviu para chegar ao julgamento e que não se prescrevesse o delito. É a mesma figura jurídica que persegue e estigmatiza os movimentos sociais e a esquerda, como em Jujuy e em várias partes do país, como vem denunciando a coalizão da Frente de Esquerda na Argentina.

Os vínculos entre o procurador Luciani, o juiz Giménez Uriburu e sua proximidade com o ex-presidente Mauricio Macri - que motivou o pedido de recusa das defesas - foram a expressão máxima de como as afinidades políticas cruzaram a causa e o julgamento, ou pelo menos, abrem uma parcialidade questionável. A casta judicial está ligada por mil laços ao poder econômico, aos serviços de inteligência e aos favores políticos, como mais uma vez demonstrou o escândalo da viagem secreta de juízes, autoridades políticas e membros do Clarín ao rancho de Joe Lewis para garantir a impunidade de Macri.

A cartelização de obras públicas, o enriquecimento duvidoso de empresários e suas relações com funcionários públicos foram comuns em todos os governos e fazem parte da corrupção que existe nas muitas negociações entre o Estado e os grandes capitalistas. No entanto, este julgamento não buscou investigar profundamente as redes de corrupção que evidentemente existiram nos governos Kirchner e Macri.

Cristina Kirchner não conseguiu separar os governos anteriores da corrupção. Em sua defesa pelas redes sociais, mostrou as relações abertas que Nicolás Caputo - empresário e amigo íntimo de Macri - manteve com José López, que foi secretário de Obras Públicas de todos os governos Kirchner de 2003 a 2015. Fez isso durante um discurso para demonstrar o rumo que os procuradores Diego Luciani e Sergio Mola buscaram no julgamento. No entanto, o que ficou sem explicação no longo julgamento por parte da defesa da vice-presidenta foi a relação entre o enriquecimento de Lázaro Báez e sua ligação com a família Kirchner.

Durante as audiências de defesa, muitas irregularidades no julgamento foram expostas, e conseguiram expor as fragilidades da acusação dos promotores. Apresentaram testemunhas que afirmaram ter recebido pressões de Iguacel, ex-funcionário macrista, para falsificar documentos, as lacunas do suposto "plano limpar tudo", questionaram a metodologia utilizada pelos peritos que determinaram superfaturamento em obras públicas, e que não houve “apagão de informação” sobre o orçamento e os itens destinados às obras viárias em questão desde que foram aprovados pelo Congresso, entre outros fundamentos.

A condenação e o pedido antidemocrático de inabilitação para o exercício de cargos públicos revelam mais uma vez o objetivo dessas ações judiciais, utilizadas como meio de perseguição ou proscrição. Qualquer restrição às liberdades democráticas amanhã pode ser feita contra lutadores operários e populares e, também, contra a esquerda.

A direita, a pedido de Washington, retoma o tema da corrupção para empoderar o judiciário e perseguir seus adversários políticos. Mas na Argentina essas políticas ainda não têm o mesmo alcance que tiveram no Brasil, onde impuseram o afastamento de Dilma Rousseff e a cassação e prisão de Lula por mais de dois anos.

A ofensiva judicial contra o governo argentino tem como resultado uma luta por parcelas de poder político em organismos como o Conselho da Magistratura ou o Congresso, servindo para que o Juntos por el Cambio de Macri e a Frente de Todos governista agravem um confronto que, no entanto, não existe quando se trata da política econômica. Há amplo consenso em favor do ajuste ordenado pelo FMI.

Há quase um ano, a Suprema Corte marcava a ofensiva com a decisão que mudou a composição do Conselho da Magistratura para se colocar no comando do órgão que controla os juízes, e deixar a maioria, sempre que possível, para forças políticas mais afins, como o macrismo e o radicalismo. A sucessão de manobras parlamentares e judiciais ao longo do ano, por parte da Frente de Todos e do Juntos por el Cambio, teve o seu constrangedor culminar na sessão de deputados da passada quinta-feira. Como denunciaram Nicolás del Caño e Myriam Bregman, deputados nacionais pela Frente de Esquerda Unidade, “Quando aumentam seus salários e votam os ajustes contra o povo para pagar o FMI, entram em acordo sem nenhum atrito. Para o resto, armam um circo”.

O Conselho da Magistratura é um órgão para o conchavo político e para evitar o controle da "justiça" diretamente pelo povo, prevenindo o avanço com a democratização do Judiciário como proposto pela esquerda, com julgamentos por júris e juízes eleitos e revogáveis ​​por voto popular.

O capítulo seguinte, antes de sair a recente sentença das Rodovias, foi o vazamento de supostas conversas entre juízes e promotores, chefes de segurança e inteligência, empresários e outros funcionários macristas que viajaram para a fazenda de Joe Lewis, amigo pessoal de Mauricio Macri. Até o momento, a defesa dos envolvidos confirma o conluio obsceno entre esses setores. Ao mesmo tempo, o vazamento mostra mais uma vez a continuidade dos mecanismos de espionagem protegidos por este governo e os anteriores.

Embora o julgamento tenha revelado elementos incontestáveis ​​de parcialidade e perseguição política, a denúncia por parte da Frente de Todos serve para compor um discurso político que é cego ao ajuste brutal e a crise econômica argentina, que atravessou o ano e se aprofundará no futuro. Para efetivar esses ataques, também escondem que não estavam sozinhos, já que na hora de votar o acordo com o FMI e o orçamento de 2023, contaram com a enorme ajuda da direita dentro do Congresso.




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