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Determinações da Reforma Trabalhista no Brasil e desafios dos trabalhadores

Vitória Camargo

Determinações da Reforma Trabalhista no Brasil e desafios dos trabalhadores

Vitória Camargo

Estamos em um momento decisivo para os rumos do pleito eleitoral brasileiro, no qual Bolsonaro encarna um projeto ultraneoliberal e tem um programa para o grande capital agir livremente, aprofundando a superexploração do trabalho junto ao salto nas privatizações com Guedes. Já Lula fez campanha reiteradamente com o discurso de "inclusão dos pobres no orçamento" e pela necessidade de aprofundar o poder de consumo. Mas, com Alckmin, jantou com mega empresários e banqueiros, vários bolsonaristas, na última semana, garantindo que manterá as reformas aprovadas intocadas. Diante de projetos distintos em disputa, queremos aqui analisar as determinações e os impactos da Reforma Trabalhista no Brasil, após 5 anos, como parte de um legado do regime pós-golpe que tem encontrado garantias de que permanecerá.

A Reforma Trabalhista é parte da obra econômica advinda com o golpe institucional de 2016 que avançou contra Dilma Roussef para aprovar ataques mais duros do que o PT já aplicava. O golpista Temer foi uma peça-chave para a sua aprovação, contando com o auxílio das centrais sindicais, que desmontaram paralisações nacionais em 2017, em prol de negociar seu lugar no regime em transformação e abriram espaço para sua aprovação. A Reforma alterou mais de 200 pontos na legislação trabalhista brasileira, abrindo caminho para um salto na precarização das condições de trabalho no país. Bolsonaro, ajudado, por sua vez, pela prisão arbitrária de Lula pelo Judiciário autoritário e com apoio das Forças Armadas, elegeu-se prometendo ainda mais, uma "carteira verde e amarela" e opondo "direitos e empregos", além de aprovar a Reforma da Previdência, em 2019. Em seu governo, a precarização do trabalho se aprofundou enormemente.

Agora, diante da possibilidade, incerta, mas apontada em diversas pesquisas, de Bolsonaro ser derrotado por Lula ainda no primeiro turno, essa Reforma seguirá intocada. Em reunião com dezenas de empresários (o PIB Brasil) na última terça-feira, Lula assegurou sua manutenção, o que já vinha sendo confirmado por Alckmin, dizendo que "concorda em gênero e grau" com a Reforma e que Lula, como sindicalista, sabe da "prevalência do acordado sobre o legislado". Alckmin, não à toa, em distintas ocasiões aparece como um protagonista da "área econômica" do possível futuro governo. A revogação integral das reformas, de fato, não se encontra em seu programa, e pelo que ele se propõe nem poderia estar. Queremos, neste artigo, analisar mais profundamente suas determinações e impactos.

Reforma Trabalhista, sua história

Como não é difícil concluir, o pressuposto básico da Reforma Trabalhista brasileira é a intensificação da exploração do trabalho, em prol de assegurar uma maior acumulação capitalista diante da crise de 2008. Para isso, deteriorou direitos arrancados com as lutas da classe trabalhadora, classe produtora de toda riqueza na sociedade. Esse movimento não se dá em âmbito somente nacional e nem se iniciou na última década.

A partir dos anos 80, houve uma primeira onda de Reformas Trabalhistas nos países centrais, como parte da ofensiva neoliberal, com o objetivo de reverter as conquistas dos Estados de Bem-Estar Social, que se assentaram no boom do Pós Guerra, e responder à crise dos 70 a nível internacional. No Brasil, a CLT da Era Vargas, contraditoriamente regulamentou uma série de direitos conquistados pelo movimento operário através da luta de classes, ao passo que institucionalizou os sindicatos, através de uma relação de tutela com o Estado capitalista, como tentativa de controle das greves e das organizações independentes do proletariado brasileiro (resignando essas à clandestinidade). Por vias bonapartistas, não somente pela repressão, foi uma reposta à primeira onda grevista do século XX. Essa classe trabalhadora já parte de um lugar distinto em comparação aos países centrais e mais ainda aos Estados de Bem-Estar Social, já que carrega os traços de uma classe trabalhadora de um país dependente com traços semicoloniais, nascida das ruínas da escravidão e contando sempre com um contingente significativo de trabalhadores na informalidade e no desemprego.

A ditadura militar, com seu "milagre econômico", baseado no superendividamento e na repressão ao movimento operário, deu passos significativos na "flexibilização" das condições de trabalho no país, a partir do fim da estabilidade decenal e introduzindo o FGTS, combinando contratos temporários e arrocho salarial. Mesmo com as concessões nunca antes vistas proporcionadas pela Constituição de 88, que manteve os interesses estruturais das classes dominantes brasileiras fruto do desvio do maior ascenso operário da história, categorias como as domésticas, um batalhão de mulheres negras servindo nos lares das classes médias e da burguesia brasileira, mantiveram-se à margem de quaisquer direitos, algo que começou a ser pautado pelo Estado somente cerca de 30 anos depois. Nos anos 90, principalmente sob FHC, avançam formas flexíveis de contratação, flexibilização da jornada de trabalho e redução de direitos dos servidores públicos. "Mesmo com os avanços da flexibilização, os setores empresariais avaliaram que a reforma tinha ficado incompleta, pois não havia sido aprovada a liberação total da terceirização e a prevalência do negociado sobre o legislado (Krein; Biavaschi, 2015). Esses temas permaneceram no embate político durante os anos 2000", explica Dari Krein [1], professor do Instituto de Economia da Unicamp.

Há um tensionamento acerca da Reforma Trabalhista nos anos 2000, que chega a ser apontada como necessidade por Lula e pelo PT em seu primeiro governo, como pode ser visto aqui. Lula argumenta pelo fim da multa de 40% sobre o FGTS e do abono de férias, ao que centrais sindicais manifestam "estranheza e preocupação". Havia um consenso de que a Reforma seria pautada em 2005, o que foi atravessado primeiramente pela crise do Mensalão e posteriormente ficou em suspenso devido ao ciclo econômico excepcional com o boom de commodities permitindo maiores concessões à classe trabalhadora. Ainda assim, "por um lado, além de não reverter as principais mudanças introduzidas nos mandatos de FHC, houve alterações pontuais que reforçaram a flexibilização, tais como a preferência do crédito bancário à totalidade dos créditos de natureza trabalhista na lei de recuperação judicial e falência, o primeiro emprego, a reforma da previdência do setor público em 2003, as restrições para acesso ao seguro desemprego e a redução do valor do abono salarial. Por outro lado, o governo viabilizou um processo de melhora dos indicadores do mercado de trabalho com a queda do desemprego, o avanço da formalização e a política de valorização do salário mínimo que, combinada com reajustes salariais acima da inflação nas negociações coletivas, levou a uma elevação dos rendimentos dos trabalhadores na base da pirâmide social, contribuindo para a viabilização de um crescimento com inclusão pelo consumo (Baltar; Leone, 2015)", diz também Krein.

Aqui vale mencionar dois autores, um deles proveniente do próprio campo petista. Sobre o primeiro governo Lula, Armando Boito também observa como Lula “preservou as reformas promovidas por FHC, além de ter realizado e estar preparando novas reformas” (BOITO, 2018, p.28) [2], dentre elas a Reforma da Previdência do funcionalismo público - assume que faz isso “mesmo que em detrimento do bem-estar dos trabalhadores”. Quanto às privatizações, também sustenta que “o governo Lula herdou e manteve essa privatização, inclusive os contratos leoninos que asseguram alta lucratividade aos novos monopólios privados” (BOITO, 2018, p.30), agregando que a legislação de Parcerias Público-Privadas para serviços públicos e infraestrutura seria a mais nova proposta de Lula no tema da privatização. Já o quadro petista Márcio Pochmann é uma fonte importante para observar como, quanto à terceirização do trabalho, por exemplo, para o autor, esses postos “tendem a se concentrar na base da pirâmide social brasileira” e, no período de 1996 a 2010, “o universo de trabalhadores terceirizados elevou-se 11,1% ao ano, em média” (POCHMANN, 2012, p.773) [3]. Além disso, ressaltando a alteração na relação entre rendas do trabalho e da propriedade durante a primeira década do ano 2000, descreve a “difusão de nove em cada grupo de dez novas ocupações com remuneração de até 1,5 salário mínimo mensal” (POCHMANN, 2012, p.62).

Tudo isso permite reforçar ao menos três conclusões: 1) em seus primeiros governos, o PT administrou a obra neoliberal herdada dos anos 90, sem reverter nenhuma das medidas provenientes dos governos FHC; 2) O PT avançou de forma contraditória e parcial com ataques, como exemplifica a Reforma da Previdência do funcionalismo público e a própria intenção manifesta de uma Reforma Trabalhista já ali, adiada pelo Mensalão e posteriormente por um ciclo econômico excepcional que deu bases ao lulismo; 3) O PT avançou particularmente com a terceirização do trabalho, combinada à geração de postos de trabalho formais num patamar de 12 milhões, e com perfil de remuneração de, no máximo, 1,5 salário mínimo, no marco da política de valorização de salário mínimo acima da inflação.

Assim, sobre a Reforma Trabalhista, "no máximo, houve um “congelamento” de alguns pontos da agenda que encontram maior resistência do movimento dos trabalhadores, tais como a liberalização da terceirização e a prevalência do negociado sobre o legislado", afirma novamente Krein.

A Reforma Trabalhista de hoje

Com a crise de 2008, há um novo contexto internacional de reformas trabalhistas, impostas por órgãos imperialistas como o FMI e o Banco Mundial, vinculadas à "flexibilização" do trabalho. Houve experiências semelhantes em países europeus, como Grécia e Espanha, a partir dos ditames da Troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e FMI), uma movimentação internacional que sinaliza inclinações nas relações de trabalho internacionais, para que os trabalhadores paguem pela crise e fruto também de derrotas na luta de classes. Sua aprovação no Brasil se deu como parte do discurso de combate ao desemprego, mobilizando no imaginário popular o "dilema" (sic) estrutural entre ter empregos ou lutar por direitos. Hoje é praticamente um consenso que não houve de fato qualquer geração de empregos a partir da Reforma.

Seu prelúdio, diga-se de passagem, foi uma carta da CNI (Confederação Nacional da Indústria) com "101 Propostas para a Modernização Trabalhista" em Fevereiro de 2013. Aqui se faz interessante notar como é um contraponto ao discurso petista de que as mobilizações de Junho de 2013 seriam autoras de todo reacionarismo que viria depois. Essa carta da CNI, pelo contrário, revela que a chegada da crise ao Brasil já era um dado para as classes dominantes e que havia a intenção em se avançar com uma Reforma Trabalhista em patamares não antes vistos, o que só pode se realizar derrotando o movimento de massas. Não à toa, já em 2015, durante o governo Dilma, Eduardo Cunha, então base aliada do PT, colocou em votação o PL 4330, que liberava totalmente a terceirização. Posteriormente, o documento "Ponte para o futuro", do então PMDB, explicitou os interesses do golpe institucional e deu bases aos anos posteriores.

Diante disso, entre os presentes na reunião com Lula desta semana, além de fundadores e membros do Brasil Paralelo, canal da extrema direita que concentra conteúdo bolsonarista, estavam articuladores e defensores da Reforma Trabalhista. Roberto Justus, que também declarou voto em Bolsonaro agora, disse em 2017: "O Brasil tem uma lei trabalhista arcaica que é uma faca na cabeça do empresário. Estados Unidos não têm lei trabalhista e gera muito mais emprego do que nós. É tudo livre negociação. Acho pouco o que vai ser feito na reforma trabalhista, mas já vai ser bom para gerar novos empregos". Também estava Rubens Ometto, da Cosan, um dos maiores empresários do agronegócio no Brasil, que afirmou em 2017: "Se as reformas não forem aprovadas, eu não tenho interesse nenhum em fazer investimentos no Brasil". Já João Camargo, presidente da Esfera Brasil, grupo empresarial dos mais expressivos entre os presentes no jantar, que reúne bancos e grandes empresas, como Bradesco, BTG Pactual, XP Investimentos, Cosan, MRV Engenharia, Multiplan, Hapvida e Mercado Bitcoin, afirmou anteriormente que a Faria Lima estava agora perdendo o ranço de Lula e que "ele me pareceu satisfeito com a reforma trabalhista" quando conversaram. Tudo isso sem falar de Benjamin Steinbruch, da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), que é autor do clássico grotesco: “É preciso flexibilizar a legislação trabalhista. A jornada pode ser flexível. A idade pode ser flexível, também. A idade do...agregado poder trabalhar [fazendo sinal para baixo, indicando trabalhadores mais jovens]. Trabalhar mais jovem.” Em seguida, agrega: “Aqui a gente tem uma hora de almoço. Não precisa de uma hora de almoço, porque o cara não almoça uma hora. Você vai nos Estados Unidos, vê o cara almoçando, comendo sanduíche com a mão esquerda, e operando a máquina com a mão direita. Tem 15 minutos para o almoço, entendeu? Eu acho que se o empregado se sente confortável em diminuir esse tempo, porque a lei obriga que tenha que ter esse tempo (uma hora de almoço)?”.

Diga-se de passagem, assim como a construção civil, da MRV da família Menin, o setor do comércio varejista, que constitui um setor social bolsonarista em grande medida, presente também na reunião com Lula, como Abílio Diniz, do Carrefour, foi um dos que mais pressionou pela aprovação da Reforma Trabalhista. As jornadas intermitentes respondem particularmente aos seus interesses, já que estudos indicam que o comércio consiste no segundo setor que mais abrange sobrejornadas no país (RÁO, 2012) [4] e que agora passa a concentrar parte importante do trabalho intermitente. Nas palavras de um consultor jurídico da revista Varejo S.A.: "O contrato de trabalho intermitente (...) permite a possibilidade de um trabalhador ficar à disposição de seu empregador, esperando pela demanda de um serviço. A diferença entre o modelo convencional e o de trabalho intermitente é que, no primeiro caso, independentemente de o colaborador prestar ou não algum serviço à empresa, tem direito a receber pelo tempo que foi contratado. Já o novo modelo prevê que o trabalhador só receba pelo serviço realizado" (Cavalheiro, 2018) [5]. O argumento utilizado pelos meios patronais é que, dessa forma, podem empregar corpos de funcionários maiores em horários de pico, e menores durante os períodos em que há menos movimento na loja. Sobre a jornada 12x36, anteriormente uma realidade presente fortemente na saúde apenas, passa a ser utilizada como artifício pela patronal a partir do fato de que muitos supermercados funcionam 24 horas por dia, todos os dias da semana. Essa medida permite a adoção desse tipo de jornada sem a obrigatoriedade de se pagar horas extras aos domingos e feriados. Tudo isso é outra faceta do "trabalhador just in time", trabalhador sob demanda, que vemos radicalizada com a chamada uberização do trabalho.

Os impactos da Reforma Trabalhista e da Terceirização Irrestrita

De acordo com Véras [6], os contratos intermitentes estão mais localizados nas faixas de 18 e 24 anos e de 50 a 64 anos. Assim, é uma forma cabal de precarização do trabalho da juventude e de setores mais velhos da classe trabalhadora. Também, no comércio, afetam majoritariamente as mulheres e setores com menor escolaridade. Nos contratos parciais, esse perfil feminino se repete em geral. Os contratos intermitentes são utilizados em menor medida também pela indústria de transformação e pela construção civil. Trata-se de uma modalidade ainda minoritária no país, utilizada principalmente por pequenos empregadores, onde a maioria dos contratados ganha menos do que um salário mínimo, em precariedade veemente.

Segundo Krein, a taxa de informalidade corresponde aos trabalhadores assalariados sem registro no setor público e privado, os trabalhadores por conta própria e os auxiliares familiares. O autor demonstra como o percentual de informais evoluiu de 46,3% em 2014 para 50,5% em 2019. Ou seja, um aumento de mais de 4 pontos percentuais, tomando somente dados anteriores à pandemia. Isso se deu fundamentalmente pelo crescimento do trabalho sem carteira e por contra própria, algo que afeta manifestamente mais negros do que brancos no Brasil. A Reforma Trabalhista permitiu que um trabalhador seja considerado autônomo, mesmo que prestando serviços de forma fixa a algum tipo de empregador, já que rejeita a constatação do vínculo formal do emprego. Isso entra na conta do "trabalho por conta própria", algo que cresceu em 2,5 milhões depois que a reforma entrou em vigor, além dos "microempreendedores individuais". Também Krein relata o crescimento dos vendedores ambulantes e condutores de automóveis, expressando também a uberização no país. Desse ponto de vista, é lógico que há uma relação direta entre os impactos da Reforma Trabalhista e o avanço da uberização do trabalho, que nega qualquer vínculo empregatício na forma, com o aumento exponencial de motoristas e bikers em condição de uberizados como expressão de um mercado de trabalho mais precário.

Por fim, sobre a terceirização, que foi totalmente liberada pelo STF após a aprovação da Reforma Trabalhista, Filgueiras e Cavalcante (2015) [7] analisam que há uma forte correlação entre postos terceirizados e situações de trabalho análogas à escravidão. Os dados da RAIS de 2018 apontavam no Brasil 11 milhões de postos terceirizados, constituindo quase 1 a cada 4 postos de empregos formais. Está presente em postos como serviços de manutenção e limpeza; agentes e auxiliares de escritório em geral; vendedores de loja; analistas de sistemas; porteiros, guardas e vigias; recepcionistas. Nesta semana, uma trabalhadora terceirizada do bandejão da Unicamp teve um derrame e faleceu durante o expediente, em meio a um cenário de denúncias de sobrecarga e assédio moral. Há muitas provas em décadas de que a terceirização que serve para rebaixar os custos com o trabalho, precarizar e dividir a classe trabalhadora, intensifica-se após a Reforma. Também sua cara é negra e feminina.

Para que os capitalistas paguem pela crise

Bolsonaro certamente foi bastante útil para dar continuidade à obra econômica do golpe e dar total liberdade aos capitalistas agirem no Brasil, respondendo à sua sanha e permitindo o avanço na realidade das medidas garantidas pela Reforma. A pandemia merece atenção à parte: além da uberização do trabalho e da informalidade, que ganharam maior protagonismo, o próprio teletrabalho é uma das faces da Reforma que merece análise, com impactos superiores também na vida das mulheres trabalhadoras, já submetidas às duplas jornadas. Ainda assim, é significativo como os mecanismos de auxílio, como o Auxílio Brasil, que têm impacto significante nos bolsos das famílias que encaram o recrudescimento da fome, têm como preceito tornar mais "suportável" essa realidade crítica, com mecanismos que também garantam a convivência e aceitação de patamares imensamente mais precários nas relações de trabalho, impulsionados pela Reforma Trabalhista.

A campanha de Lula, como tratamos aqui, dá claras sinalizações para os capitalistas que foram "linha de frente" em assegurar as reformas, que estas se manterão intactas. Há limites ao se tratar o paralelo com o primeiro governo Lula, não só porque, por um lado, havia muito mais desconfiança dos setores patronais e empresariais com essa primeira experiência do que vemos agora, como porque, por outro lado, não há ciclo econômico favorável no horizonte com o qual se contar que amorteça o choque entre os interesses de classes, além de uma extrema direita com peso de massas que vai seguir, mesmo que derrotada nas urnas. A classe dominante tirou do bueiro um ódio de classe que mobiliza para garantir a exploração mais aberta. Também por isso, logo que Lula assumiu se compromete a manter os pilares da política macroeconômica neoliberal, inclusive fazendo sua própria reforma da previdência. O que, sim, é possível constatar é que a preservação das reformas e privatizações do último período pelo PT seria governar com um patamar imensamente superior de ofensiva capitalista sobre as condições de vida e trabalho das massas. Ainda assim, não é à toa que mesmo Alckmin e França digam na mídia que é preciso regulamentar, em algum nível, os trabalhadores alvo da uberização. Nesse sentido, viemos discutindo que, se nos governos do PT a proposta foi de aprofundar a terceirização e a precarização do trabalho com o discurso de “gerar 12 milhões de empregos”, não seria agora a proposta de reavaliar a legislação trabalhista, não para garantir direitos trabalhistas plenos, mas partindo de oferecer concessões para terminar de consolidar a terceirização nas atividades fins e generalizar a uberização do trabalho e o trabalho sob demanda da Reforma Trabalhista?

Por sua vez, é certo que Bolsonaro e Lula almejam relações distintas com os sindicatos e movimentos sociais. Bolsonaro veio para buscar uma correlação de forças para acabar com qualquer organização sindical, disposto a enfrentar qualquer o movimento social que entrasse em cena. Lula pretende "conciliar" capital e trabalho, buscar uma "mesa de negociação" entre empresários e sindicalistas com Alckmin, no marco da aceitação das reformas. Ao mesmo tempo, é notório e digno de reflexões futuras que o próprio PT esteja buscando elaborar de maneira interessada sobre a "perda de força" dos sindicatos diante de uma classe trabalhadora mais precária, também para justificar sua política de contenção nos últimos anos. Aqui há uma "profecia autocumprida": se a Reforma Trabalhista ataca a organização sindical, Lula e o PT não somente garantiram sua aprovação, como não tocam na revogação e não enfrentam plenamente nem mesmo a uberização. Um debate a se seguir, já que essa "perda de força" dos sindicatos pode se transformar numa permanente justificativa de um governo fortemente atado aos capitalistas na "mesa de negociação".

Ainda assim, se os Estados Unidos eram o paraíso sonhado por empresários da pior extirpe, sem legislação trabalhista e organização sindical, a chamada geração-U (Union, de sindicato), com uma juventude negra, precária, imigrante, organizando-se nos centros logísticos de multinacionais como a Amazon ou nos serviços do Starbucks, também devem servir de alerta. As novas gerações podem encontrar um caminho de organização e luta mesmo nos cenários mais diversos, demonstrando a relação orgânica entre luta negra, luta feminista, LGBT e luta de classes, e uma nova articulação entre a unidade das fileiras operárias e a hegemonia operária sobre as demandas dos setores oprimidos.

Nesse caminho, a confiança nas possibilidades da luta não pode nos fazer abrir mão de um programa para que os capitalistas paguem pela crise, para o qual a revogação integral das reformas deveria ser ponto zero. Ao mesmo tempo, é inevitável, para enfrentar a uberização, transformar as condições de trabalho em seu conjunto, assegurando todos os direitos, salários dignos e redução da jornada sem redução salarial com divisão das horas entre empregados e desempregados para combater a irracionalidade capitalista.


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FOOTNOTES

[1Ver citações de Krein em O trabalho pós Reforma Trabalhista, que pode ser baixado aqui.

[2Ver citações de Boito em BOITO JR, A. Governos Lula: a nova burguesia nacional no poder. In: BOITO JR., A.; GALVÃO, A. Política e classes sociais no Brasil dos anos 2000. São Paulo: Editora Alameda, 2012a.

[3Ver Pochmann aqui: POCHMANN, M. Nova Classe Média?, Boitempo.

[4Ver em: RÁO, Eduardo Martins. Tempo de trabalho no Brasil Contemporâneo: a duração da jornada de trabalho (1990-2009). [s.l.] Universidade Estadual de Campinas, 2012.

[5Ver em CAVALHEIRO, Benedito de Jesus. Trabalho intermitente: entenda essa nova forma de contrato laboral. Revista Varejo SA. 11 Dez 2018. Disponível em: http://revistavarejosa.com.br/trabalho-intermitente-entenda-essa-nova-forma-de-contrato-laboral/. Último acesso em: 9 Jan 2020.

[6Citado em Krein.

[7Citados em Krein.
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