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Efeitos da guerra: a crise dos combustíveis e alimentos no Brasil e a resposta dos trabalhadores

Leandro Lanfredi

Efeitos da guerra: a crise dos combustíveis e alimentos no Brasil e a resposta dos trabalhadores

Leandro Lanfredi

Diante do aumento dos preços de combustíveis e alimentos não podemos aceitar a fome e a inflação do nosso lado e lucros imensos dos acionistas do outro. Devemos defender uma Petrobras 100% estatal e controlada pelos seus trabalhadores e diversas medidas anticapitalistas no campo.

Um dos maiores produtores de petróleo e alimentos do mundo, o Brasil se vê diante de uma imensa escalada da inflação e da fome de um lado, e de lucros excepcionais de acionistas por outro. O cenário calamitoso ao que nos dirigimos soma os efeitos acumulados de políticas privatistas, aumentadas por Bolsonaro e Guedes, com os efeitos ainda sentidos da interrupção das cadeias produtivas na pandemia e com o maior impacto nas commodities desde 1973 produzida pela reacionária guerra na Ucrânia e as sanções da União Européia e os Estados Unidos à Rússia. Os efeitos inflacionários no Brasil e como combatê-los se juntam à resposta internacionalista e de independência de classe perante o conflito, como discutimos na declaração política “Não à guerra! Fora as tropas russas da Ucrânia! Fora a Otan da Europa Oriental! Não ao rearmamento imperialista”. Em nosso país vem se desenvolvendo diversas respostas burguesas à inflação de combustíveis e praticamente nenhuma na crise dos alimentos, mas, evidentemente, nenhuma dessas respostas enfrenta o problema. As apresentaremos e proporemos uma resposta anticapitalista e anti-imperialista.

Retrato do problema e os efeitos da guerra

O desemprego segue altíssimo e os salários vem sendo corroídos ano a ano. A Pesquisa Nacional de Amostragem de Domicílios (PNAD) do IBGE já tinha apurado que de 2012 a 2021, o salário médio do país tinha caído pela metade (de 4 para 2 salários mínimos). Com esse desemprego e esses salários os trabalhadores brasileiros se vêm diante de um novo choque inflacionário (e, portanto, de fome).

A inflação acumulada desde o início da pandemia (março/20) até o começo da reacionária guerra na Ucrânia era de 16,29% (considerando o IPCA). O recente aumento dos preços pela Petrobras deve aumentar a inflação em março e abril em ao menos 1,5%, isso sem considerar o efeito cascata já que a maior parte do transporte do país é rodoviário e altamente dependente do diesel e deve levar a encarecimento de todos produtos. Há ainda a tendência de alta de preços de todos alimentos devido à escassez ou ao menos encarecimento dos fertilizantes e a disparada no preço do trigo. Quase nenhum analista se arrisca a dizer quanto que aumentarão esses produtos, só se sabe que muito. Diversos analistas já prevêem que a inflação oficial deve passar de 10% novamente. A inflação sentida no posto de gasolina, na fila do supermercado é imensamente maior que esses números oficiais.

A Petrobras resolveu novamente seguir o preço internacional do petróleo, e assim enriquecer seus acionistas imperialistas (49,90% estrangeiros, 31,62% na BOVESPA e só 18,48% estatal nas ações preferenciais, segundo o último dado da companhia e aumentou no dia 10/03 a gasolina em 18,8%, o diesel em 24,9% e o gás de cozinha em outros 16,9%. Desde dezembro de 2020 o preço do diesel aumentou cerca de 150% e a gasolina nas refinarias da Petrobras já duplicou (100%) como fica evidente no gráfico abaixo produzido pelo G1:

A inflação dos combustíveis é inseparável da criminosa privatização da Petrobras (não é retórica, veja os descontos surreais, vendas sem licitação, sem publicidade pública, tudo autorizado pelo STF. A privatização é o verdadeiro motivo e não toda a ladainha da Globo de inevitabilidade dos aumentos devido aos preços internacionais, ou de que se deveria a impostos como costuma ser o discurso corriqueiro de Bolsonaro. Para entender, inclusive para ver o papel nunca mostrado do agronegócio nos preços dos combustíveis veja “O verdadeiro motivo dos combustíveis estarem tão caros” e para entender como esses aumentos foram se construindo nos governos do PT mas deram um salto sob Temer e Bolsonaro veja “Combustíveis caros: um projeto político do regime do golpe para favorecer o imperialismo”.

O problema da inflação, porém, não se limita ao posto de gasolina e à privatização da Petrobras.

Devido à escassez hídrica (inseparável de mudanças climáticas negadas por Bolsonaro e incentivadas por sua política pró-desmatamento) ocorre um aumento do uso de termoelétricas que consomem gás natural (que está tendo aumento de preço ainda maior que o petróleo). É assim que a inflação de energia elétrica para o pequeno consumidor foi de mais de 20% em 2021, o dobro da inflação oficial, e para as grandes empresas, é claro, o aumento foi menor.

Nos alimentos há uma inflação espetacular. A cesta básica calculada pelo DIEESE em São Paulo era de R$518,50 em março de 2020, alcançando R$715,65 em fevereiro desse ano. Isso significa um aumento de 38,02%, 3 vezes a inflação oficial. O choque de preços decorrente da guerra ainda nem está computado nesses índices, sendo prevista uma imensa alta do trigo, uma alta do milho, e um choque em cadeia em todas culturas já que há encarecimento das rações e um efeito da escassez ou no mínimo encarecimento dos fertilizantes, já no primeiro bimestre, com efeitos prévios à guerra e só uma semana da mesma, os fertilizantes que chegaram ao Brasil já estavam 122% mais caros que no ano anterior.

Cada vez se torna mais difícil para um trabalhador brasileiro conseguir uma alimentação decente, nem dizer saudável, diante de salários castigados pela inflação. O salário mínimo comprava duas cestas básicas em março de 2020 em São Paulo, agora compra 1,7. Talvez a fórmula possa ser resumida em: um botijão de 13kg de gás, uma conta de luz e uma cesta básica, aluguel, roupa, saúde, educação, transporte, lazer não cabem no orçamento operário.

A burguesia brasileira diante da inflação dos combustíveis

Poucos dias antes do mega-aumento dos combustíveis pela Petrobras, Bolsonaro ensaiou um discurso de reduzir os lucros da empresa para ela subsidiar os preços nacionais. Rapidamente Guedes e o mercado financeiro reagiram. Bolsonaro recuou da proposta e a empresa pode enriquecer ainda mais seus acionistas imperialistas, seguindo os preços internacionais. Além de deixar de enriquecer os 49,9% de acionistas imperialistas da Petrobras uma proposta como essa que Bolsonaro aventou colocava em xeque o projeto estratégico de continuar as privatizações das refinarias da Petrobras já que as compradoras sofreriam uma concorrência da Petrobras e teriam que operar com taxas de lucro menores do que gostariam. Por semanas ocorreu uma defasagem de mais de 20% entre o que os baianos pagavam em relação ao restante dos brasileiros. Lá está localizada a RLAM, segunda maior refinaria do país, e que já foi vendida. Mesmo com o mega-aumento da Petrobras, a empresa privatizada ainda cobra 6,4% mais que a Petrobras em sua gasolina. Esse dado comprova o que sempre dizemos no Esquerda Diário, a privatização aumenta o preço dos combustíveis para maximizar o lucro.

A contrapartida do recuo de Bolsonaro em diminuir o lucro dos acionistas e achar uma outra solução eleitoral para o problema do preço dos combustíveis foi uma mudança de postura de Guedes que já aponta sua concordância em um “bolsa-diesel” que pode custar dezenas de bilhões de reais (várias vezes o orçamento das universidades federais) para atenuar o efeito desse aumento nos caminhoneiros, base política importante de seu chefe, e também reduzir alguma parte do efeito inflacionário especial que esse derivado tem. O mecanismo, ainda em discussão, seria provavelmente similar ao que o Senado aprovou a partir de proposta do PT, utilizar royalties e outros recursos públicos, retirando-os de gastos potenciais em saúde, educação e outros direitos, para pagar às produtoras (Petrobras sendo a maior delas) e importadoras. Ou seja, um dinheiro público, que poderia ser usado em saúde e educação, vai ajudar a atenuar o efeito no bolso dos caminhoneiros, mas garantindo, sempre, o lucro dos acionistas já que suas empresas receberão a diferença entre o preço nacional e o preço internacional.

O Senado Federal, com protagonismo do PT, que foi redator das propostas, aprovou algumas medidas relativas ao preço dos combustíveis: a criação de um fundo a partir de royalties e outras receitas para regular os preços, a criação de algumas limitadas bolsas-combustiveis (que tem um teto de gasto de R$3 bilhões somente, e, se aprovadas pela Câmara e sancionadas por Bolsonaro só devem entrar em vigor em 2023) e ainda uma unificação e redução do ICMS e outros impostos sobre os combustíveis. A Câmara Federal já aprovou a redução de impostos na sexta-feira 11/03 e ainda irá pautar as outras medidas.

Esse conjunto de medidas é completamente irrisório diante da crise de preços de combustíveis. O auxílio, limitado, e se aplicável, ocorrerá só ano que vem. A redução de impostos alcança R$0,60 no preço final do diesel, um valor que é inferior aos R$0,90 que a Petrobras aumentou em uma só tacada essa semana. Para eliminar completamente o efeito dessa redução basta a Petrobras reajustar em mais 13,30% o diesel que acabou todo o efeito da redução dos impostos. Ou seja, basta os efeitos das sanções e da guerra na Ucrânia elevarem o petróleo Brent da cotação de 11/3 de US$112,42 para US$127 que não haverá efeito algum. O subsídio aos acionistas com dinheiro público pode custar centenas de bilhões de reais e pode não passar na Câmara ou sofrer veto de Bolsonaro e Guedes. No médio prazo, mesmo se aprovado, é insustentável, significa que todo o país gastará parcela expressiva do orçamento federal (diversas vezes maiores que a educação) para sustentar os lucros dos acionistas.

Lula discursa com frequência contra o uso do preço internacional do petróleo para determinar os preços dos derivados no país, mas a seriedade dessa proposta pode ser questionada por dois fatos: primeiro, se o PT quer reduzir o lucro dos acionistas porque então foi protagonista em criar um mecanismo de compensar os acionistas através de impostos, como no projeto aprovado no Senado; segundo, a privatização da Petrobras está muito mais adiantada, haverá reação ainda mais fortes dos acionistas, o próprio presidente da Petrobras sob Lula, Gabrielli, já declarou que considera irreversíveis (sem luta de classes acrescentamos nós) as privatizações ocorridas, Lula nunca falou em reestatizar as refinarias privatizadas, nem nunca o PT reestatizou a Vale em 13 anos de governo, como já apontávamos um ano atrás em artigo.

Muito debate sobre Petrobras e combustíveis e nenhuma proposta sobre os alimentos

Chama atenção como há uma completa ausência de discussão sobre o preço dos alimentos. Não há proposta da Globo, de Bolsonaro, e nem mesmo do PT. É o mais completo descaso, querem deixar o mercado agir sozinho (salvo na ajuda pública de centenas de bilhões de reais ao ano no financiamento chamado de “Plano Safra”). O silêncio do PT explica-se por sua sistemática ajuda aos gigantes do agronegócio, sua sistemática procura em estabelecer alianças com líderes políticos desse setor, como Kátia Abreu, como demonstramos em “O PT plantou e Bolsonaro colheu: agronegócio e classes sociais no interior do país”. Está naturalizado por todos atores do regime político que o trabalhador brasileiro deve honrar os lucros da soja, do boi, e de todas multinacionais envolvidas. Diferente do petróleo, onde há uma empresa onde o Estado tem maioria nos votos, mas não nos direitos do lucro, não há absolutamente nada e nenhuma discussão política sobre o campo, ali é o mercado (e seus jagunços) que determinam os preços e ponto final.

Não há nem mesmo estoques estratégicos de produtos, coisa que diversos países têm, incluindo os EUA. Bolsonaro e sua ministra da Agricultura extinguiram na canetada os estoques que ainda existiam e haviam resistido as extinções promovidas por Dilma e Temer. Para saber mais sobre essa canetada que acabou com os estoques públicos de praticamente todos produtos (salvo sacos de polipropileno para ajudar o agronegócio) veja “Bolsonaro extinguiu os estoques públicos de alimentos e a conta você paga”. Sem estoques públicos, sem controle estatal das exportações e seus preços não há nenhum mecanismo salvo colocar cada trabalhador à mercê da oscilação internacional dos preços.

Cada brasileiro deve pagar como se recebesse salário de Nova Iorque, Tóquio ou Hong Kong. A carne exportada valorizou-se 23,2% em um ano e a soja 28%. Esses números ilustram como no campo está se alcançado uma massa de lucro inédita. Porém, como argumentamos anteriormente, com aumento de mais de 122% nos fertilizantes e aumento nos combustíveis a taxa de lucro do latifúndio está caindo, porque deve pagar para as importadoras de fertilizantes e sementes mais (proporcionalmente) do que recebem quando entregam o produto para exportar.

Isso ajuda a explicar as críticas públicas do presidente da Aprosoja à guerra, dizendo que “os verdadeiros criminosos são os países da Otan” e como sua associação, cada vez mais representa os interesses fundiários e não das grandes empresas de armazenagem, processamento, e exportação que são um consórcio majoritariamente imperialista (melhor representados na associação patronal “ABAG”). A Aprosoja critica as empresas de exportação e até mesmo os monopólios de sementes e agrotóxicos que encolhem sua taxa de lucro. A maior patronal estadual de soja, a Aprosoja-MT, alinha-se com Bolsonaro e todos partidos patronais, incluindo 4 votos “sim” do PSB de Alckmin e Freixo e 4 votos “sim” do PDT de Ciro, que aprovaram a urgência na tramitação de licenças ambientais para mineração em Terras indígenas. A medida foi aprovada sob protesto de populações indígenas nas ruas de Brasília e ampla repercussão crítica nas redes sociais de todo país.

O pretexto do apoio da Aprosoja-MT a mineração em terra indígena é a produção de potássio e reduzir a importação, mas como estudo do próprio Ministério de Minas e Energia mostrou há reservas mais que suficientes em estados não amazônicos e fora de terras indígenas, o único problema capitalista é que fora de Sergipe e de território amazônico não há nenhum projeto de extração de potássio em andamento, não há um centavo investido. Com a desculpa da extração de potássio, Bolsonaro e o Agronegócio procuram acabar com os direitos constitucionais dos povos indígenas e promover uma devastação bem mais ampla, abrir novos nichos de acumulação, primeiro com a extração de madeira, depois com minérios e por fim com a utilização das terras no agronegócio.

A única preocupação burguesa diante da crise nos alimentos são os fertilizantes. Justamente porque o encarecimento do insumo afeta a taxa de lucro do agronegócio. O Brasil importa cerca de 85% de seus fertilizantes. Mas isso não é decorrência de alguma falta de matérias primas em solo pátrio, é decorrência direta de uma política de Estado. O fertilizante típico NPK, inclui parcelas nitrogenadas, fósforo e potássio. Na produção de nitrogenados o país poderia com relativa facilidade atingir autossuficiência. A Petrobras tinha 4 fábricas de nitrogenados, mas escolheu fecha-las em 2019 e depois colocar à venda para canadenses e russos. A única mina de potássio ainda em produção no país, no Sergipe, também foi desenvolvida pela Petrobras. Collor extinguiu a Petromisa, subsidiária que ali produzia, e a mina ficou sucateada até ser assumida pela Vale do Rio Doce, que depois privatizada continuou o sucateamento até vende-la também. Há dezenas de jazidas de fósforo e potássio que poderiam ser desenvolvidas, mas não há interesse capitalista pois renderiam margens de lucro menores que as concorrentes marroquinas no fósforo e canadenses, russas e belorussas no potássio.

A burguesia brasileira subordinada e dependente do capital financeiro internacional prefere concentrar-se em nichos onde tem margens de lucro excepcionais, como a soja, carne, extração de petróleo cru, e todo restante prefere importar e manter-se dependente. Utiliza a atual crise de fertilizantes não para desenvolver qualquer plano racional que dê conta do insumo mas para avançar com a mineração e agronegócio Amazônia à dentro e às custas de sangue indígena.

Os imensos potenciais do Brasil servem hoje aos lucros e subordinação ao imperialismo

Há um nexo de fogo entre agronegócio, desindustrialização e subordinação ao imperialismo, como mostramos em “Agronegócio, desindustrialização e subordinação ao imperialismo”. A devastação ambiental do país aumenta, há rastros de destruição na Amazônia, no Cerrado, nos vales de Minas Gerais e Espirito Santo. Os direitos trabalhistas, quilombolas, indígenas são pisoteados para abrir caminho para especialização produtiva em matérias primas, extraídas da forma mais predatória possível, com perigosas barragens a montante na mineração, com uso indiscriminado de agrotóxicos no campo, aumento dos acidentes nas petroleiras.

É assim que o Brasil conquista recordes de produtividade por hectare na soja, gera dividendos recordes da Vale e da Petrobras. O mesmo Brasil em que aumentam as pessoas passando fome, que os salários são atacados pela inflação, é também um país importantíssimo em diversas commodities, e mesmo antes da guerra na Ucrânia a maioria delas vinha apresentando uma tendência de alta em seus preços, como debatemos em “Novo superciclo de commodities e nova disputa de mercados pelos imperialismos?.

Valendo-se de estatísticas do departamento de agricultura dos EUA, o USDA, podemos afirmar que o Brasil é o quarto maior produtor mundial de algodão com 12,34% da produção mundial, o terceiro maior de milho com 7,7%, lidera a produção mundial de soja produzindo 37,68% do planeta, e fazendo que lidere o mundo em todas oleaginosas com 23,57% da produção mundial mesmo quando se somam os girassóis, dendê, e outras concorrentes da soja. Nas carnes o país também tem posição proeminente, liderando o mundo com 21,96% das exportações mundiais de carne bovina. Na carne suína trata-se do terceiro maior exportador com 4,3% do mercado mundial, no frango é o maior exportador do mundo com 29,66%. No ferro o país é o segundo maior exportador, e no petróleo, já sendo o oitavo maior produtor (2,9 milhões de barris/dia) deve tornar-se o quinto em poucos anos com o aumento do ritmo de produção no pré-sal, alcançando cifras de cerca de 5 milhões de barris/dia quando já terá ultrapassado até o Iraque em produção.

Esses recordes de produção (e lucros) são crescentemente capturados por empresas imperialistas. O agronegócio é dominado por um punhado de “traders” estrangeiras, empresas “nacionais” como JBS, Vale, Petrobras tem cada vez uma parcela maior de acionistas estrangeiros. Suas operações cada vez mais se concentram em atividades onde a taxa de lucro é maior, como a Petrobras que sucateia seu parque de refino, fecha fábricas de fertilizantes e se concentra em exportar óleo cru. A Petrobras (antes das privatizações) tinha a nona maior capacidade de refino do mundo, com 2,243 milhões de barris/dia, porém só utilizou 77% dessa capacidade em 2020, segundo o anuário estatístico da ANP, e algumas refinarias no ano de 2022 estão operando com quase 50% da capacidade ociosa, abrindo mais espaço para as privatizações e para impor os preços internacionais.

A participação estrangeira na extração direta dos minérios, produtos alimentares e petróleo aumenta ano a ano, e além disso o ritmo de extração vai eliminando as reservas, como já mostramos no caso do petróleo que a relação produção/reservas vem caindo ano a ano.

O resultado ambiental e humano é criminoso. Há destruição ambiental, fome, inflação e o país se desindustrializa fortemente, sua indústria de transformação passou de 10ª maior do mundo em 2005 para 16ª maior em 2019. E mesmo dentro da rubrica “indústria de transformação” entram atividades bem primárias como as plataformas de petróleo, as minas de ferro, e as usinas de produção de biodiesel.

Nada disso é produto exclusivo do regime político do golpe, como Bolsonaro e Temer. A relação com a China, exportando matéria prima e importando produtos de alta tecnologia foi se desenvolvendo de forma galopante nos anos de governo do PT. Temer e Bolsonaro aceleraram o processo de subordinação ao imperialismo. No petróleo Temer e Bolsonaro impuseram o preço internacional dos derivados, fazendo todos brasileiros pagarem os lucros dos acionistas estrangeiros, mas a estrutura interna da Petrobras para fazer isso já estava toda montada desde FHC e que o PT deixou intacta por 13 anos. Dentro da Petrobras cada “unidade de negócio” comercializa seus produtos com outra “unidade de negócio” a preços de mercado. Ou seja, a Petrobras vende para suas refinarias o seu próprio petróleo ao preço internacional, desse jeito não há alternativa a não ser usar o preço internacional. Porém o IBP, entidade patronal da indústria de petróleo, trabalha com o dado que o “custo de extração” médio da Petrobras em 2021 foi de US$8 por barril. Ou seja, se vender a ela mesma ao custo do Brent (US$112) há um lucro impressionante de US$104 por barril e 49,40% desse lucro é entregue em Dow Jones e outros 31,62% na Bovespa.

Há produção nacional ou capacidade de gerar produção nacional e atacar as mazelas da inflação e garantir condições de vida aos trabalhadores brasileiros como todos esses dados apresentados mostram. Mas para conseguir isso é preciso de um programa que enfrente as privatizações e a propriedade privada. O oposto de Bolsonaro, mas também do PT que essa semana adotou medidas para ajudar os acionistas privados da Petrobras e os importadores e sempre procurou auxiliar o agronegócio em seu enriquecimento.

Petrobras 100% estatal gerida pelos trabalhadores e outros pontos programáticos elementares para garantir as condições de vida dos trabalhadores

O Brasil tem plena condição de garantir imediatamente combustível barato. Basta a Petrobras “vender” seu petróleo para si mesma ao preço do custo de extração, retomar todas unidades privatizadas e utilizar 100% da capacidade de refino. Essa medida elementar salvaria o bolso de milhões de trabalhadores, mas ao mesmo tempo despertaria a fúria dos acionistas privados da empresa, as ações despencariam, o custo de empréstimos aumentaria. Para se defender do ataque do capital financeiro, nacional e estrangeiro, uma medida mais séria deveria ser tomada, tornar a Petrobras 100% estatal, sem indenizar os grandes bancos e fundos de investimento bilionários que tanto se enriqueceram às custas dos brasileiros. Uma Petrobras 100% estatal poderia ser uma grande ferramenta para além de garantir combustíveis baratos em todo país, desenvolver fertilizantes e energias renováveis. Porém isso não aconteceria em uma Petrobras gerida por indicados políticos que servem à Bovespa e Dow Jones ou a esquemas de corrupção, inclusive sob governo do PT. Para que todos recursos do petróleo sirvam aos interesses dos trabalhadores brasileiros é necessário que uma Petrobras 100% estatal fosse gerida pelos seus trabalhadores com controle popular e participação de especialistas nas mais diversas áreas de atuação da empresa. Uma Petrobras assim administrada iria garantir completa transparência em cada transação, e iria mudar radicalmente as condições de trabalho e a relação com o meio ambiente. Livres das amarras do capital e do desmando de generais e políticos à serviço dos acionistas, as dezenas de milhares de técnicos da empresa encontrariam outras soluções logísticas, técnicas, deixariam de queimar em alto mar parcelas imensas da produção de gás porque lucra menos, e fariam toda a imensa riqueza do país servir aos trabalhadores do país.

A luta pela imediata redução dos combustíveis através de uma Petrobras 100% estatal gerida pelo trabalhadores com controle popular ganha uma centralidade no Brasil de hoje carcomido pela inflação e perda do poder aquisitivo dos salários e poderia se articular com outras medidas elementares em defesa de nossas condições de vida, tal como o congelamento dos preços de alimentos, energia e todos serviços públicos (água, luz, telefonia, internet, transporte) para os níveis prévios da pandemias, e aumento automático dos salários conforme a inflação. Para garantir que os grandes monopólios do comércio de alimento não burlem os preços é preciso implementar um verdadeiro controle popular dos preços, com comitês de consumidores e trabalhadores da alimentação e garantir desde as fábricas, silos, armazéns, centros de distribuição que não continue acontecendo um roubo dos trabalhadores em meio à carestia de vida e a fome.

Um programa como esse elementar perante o fato que milhões estão passando fome e tende a aumentar a insegurança alimentar com a inflação também seria respondido pelo agronegócio com desabastecimento e haveria que enfrentar o latifúndio defendendo uma reforma agrária radical, o confisco dos estoques das gigantes do agronegócio e luta pela estatização de todas “traders” do agronegócio para controlar o armazenamento, processamento e comércio exterior e usar esses recursos que sugam o solo e a água do país também em benefício da população.

Todas essas medidas são completamente racionais diante da miséria que se avoluma ao nosso redor enquanto os acionistas se enriquecem mais e mais. Irracional é achar que diante de um mundo com a invasão reacionária da Ucrânia por Putin, imensa pressão da OTAN, EUA e UE para tornar a Rússia um país semi-colonial, com um rearmamento imperialista sem precedentes, com continuidade dos efeitos da crise econômica de 2008 e crescente agressividade nas disputas geopolíticas e econômicas que há alguma margem de manobra para conciliar os interesses imperialistas, da burguesia nacional com o que nós trabalhadores necessitamos. Um programa como esse não é um programa para um eventual governo de conciliação de classes como o de Lula e Alckmin, mas um programa que passa [pela coordenação das lutas que estão surgindo como os jovens e indígenas contra a mineração, as greves da educação como estamos vendo em Minas e no Piauí, unificando os diferentes setores que começam a sair em luta devido a carestia de vida e outras demandas e que sirva para os trabalhadores e a juventude exigirem de seus sindicatos, DCEs para desenvolver uma resposta e força política da classe trabalhadora para que diante de uma nova crise que vai se instalando façamos com que os capitalistas paguem pela crise.


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Leandro Lanfredi

Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi
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