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Entre o Juquery, o trem e os rios: um pequeno registro artístico da vida em Franco da Rocha

Sergio Araujo

Entre o Juquery, o trem e os rios: um pequeno registro artístico da vida em Franco da Rocha

Sergio Araujo

Franco da Rocha, cidade da região metropolitana de São Paulo, a noroeste entre Jundiaí e a capital do estado. Cidade formada a partir de um dos maiores e mais antigos Hospitais Psiquiátricos do país, o Juquery, e uma estação de trem, uma das paradas da ferrovia Santos-Jundiaí, além do rio Juquery (que dá nome ao hospital) e o Ribeirão Eusébio.

Depois de anos de uma história cheia de dor, sofrimento e falta de liberdade das pessoas consideradas “loucas”, o manicômio mais antigo do país foi finalmente completamente desativado em abril de 2021, depois de ter funcionado por mais de 122 anos, seus últimos internos finalmente terão o direito de não serem internos. Por aqui se diz que durante a ditadura, auge do número de pessoas internadas, presos políticos eram enviados para cá.

A ferrovia e a estação hoje é parte da linha 7-Rubi da CPTM que se junta a linha 10-Turquesa e liga Jundiaí a Rio Grande da Serra. E hoje carrega muito mais os trabalhadores e estudantes do que as cargas. A ferrovia corta a cidade e a divide entre o “lado de lá” e o “lado de cá” da estação, mas é o centro que concentra os moradores de suas casas na periferia da cidade todas as manhãs e que no fim do dia irradia-os de volta. Vida dura de atrasos e amontoamento, do descaso de anos dos patrões e governos.

Os rios são hoje canalizados e são hoje o bode expiatório que os governos de plantão usam para justificar as enchentes que assolam a cidade todos os anos, como temporadas de uma série que nunca terminam. Enchentes como a grande enchente do final dos anos 80, que separou as pessoas por dias entre aqueles que estavam do “lado de lá” e do “lado de cá” da estação. Os rios não são culpados mas sim a irracionalidade e perversidade capitalista que vemos acabar com vidas e o meio ambiente num ritmo cada vez maior. Como foi no ano passado em que um incêndio consumiu mais da metade do maior patrimônio natural da cidade, rico em fauna e flora, o Parque do Juquery.

Nasci em Franco da Rocha e vivo por aqui há mais de 30 anos, cresci vendo as enchentes, o trem lotado todos os dias na estação, com as histórias terríveis do hospital, ouvindo dizer desde cedo na escola que somos uma cidade dormitório. Cidade dormitório e “cidade dos loucos” como eles diziam. Mas não é essa a verdade da vida em Franco. As pessoas passam horas no trem, horas trabalhando e estudando fora. E o que querem os patrões é que voltemos para as nossas casas todo fim do dia, matemos nosso tempo com alguma distração e que vamos dormir para no dia seguinte ir “lutar pelo pão”, se abarrotar no trem, sempre torcendo para que na época das chuvas não alague. Mas as pessoas por aqui não concordam. Há muita vida em Franco para além da hora de dormir.

Em um curto passeio pela cidade num domingo à noite me envolvi pela energia contagiante da juventude descobrindo a vida e iluminando o parque da cidade e aproveitei para registrar um pouco da arte e poesia dos moradores de Franco que estão nas paredes de uma de suas ruas. Arte que expressa a vida na cidade de forma forte, cheia de vontade de denunciar as durezas da vida que não deveriam ser assim, mas também cheia de sonhos e muita vontade de colorir a vida para não aceitar somente o cinza [ou o marrom da água suja do rio] que querem que a gente se conforme.

Chamavam de “cidade dos loucos”... Talvez possamos concordar, se falamos de loucos por uma vida plena de significados, de cores, poesia, música e alegria.

“Misturou-se tanta história de Franco com o Juquery que quase não sei agora se o que tenho na memória é verdade ou me perdi” (Erineide)

“Terras, terras do Juquery vim aos poucos devagar cresci, pensei, amei e sonhei, e
minh’alma só voa por aqui...” (Alcir)

“Por aqui rio vira calçada, avenida, às vezes, rio minha cidade é a cara do Brasil” (André Arruda)

“O trem engole o povo na estação e vai cuspindo até a Luz, o povo se mói na luta pelo pão carregando a sua cruz” (George de Paula)


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Sergio Araujo

Professor da rede municipal de São Paulo e integrante do Movimento Nossa Classe Educação
Professor da rede municipal de São Paulo e integrante do Movimento Nossa Classe Educação
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