×

Análise | Entrevista JN: Lula de corpo e alma para governar mantendo as reformas e privatizações

Depois de termos visto os mais abjetos argumentos de Bolsonaro na entrevista da Globo, em que os apresentadores mostravam a discordância de um amplo setor do regime com as políticas do governo enquanto coincidem plenamente com os ataques econômicos de Bolsonaro e Guedes, pudemos ponderar sobre a impotência das alianças com a direita para desafiar o bolsonarismo. A política do PT, entretanto, vai na contramão de uma conclusão assim. Cada vez mais, flerta com a direita para assegurar os mercados e o grande capital de que caminharão com cuidado sobre a senda econômica legada pelos governos posteriores ao golpe institucional de 2016.

Ítalo GimenesMestre em Ciências Sociais e militante da Faísca na UFRN

sexta-feira 26 de agosto de 2022 | Edição do dia

Análise | A entrevista de Bolsonaro no JN e a tentativa de um pacto de transição

Em sabatina ao Jornal Nacional nesta quinta-feira, 25, Lula firmou compromissos sem titubear. Usando e abusando da figura do seu vice, Geraldo Alckmin, que só faltou sentar-se ao seu lado para responder às perguntas, deu à Globo, aos grandes empresários, promessas e que seu governo será de continuidade do legado econômico e político do golpe de 2016. Teve ainda ajuda da emissora para dialogar com o voto hostil à sua candidatura, buscando apoio de uma base mais à direita, do agronegócio e “investidores”, a uma tentativa de pacto de transição para um governo Lula/Alckmin.

A apoteose veio com a frase taxativa: “O Alckmin foi aceito pelo PT de corpo e alma”, um indicativo claro do rumo cada vez mais à direita da chapa.

Lula buscou ao mesmo tempo, emitir um forte sinal para o regime político, que vai manter o essencial de todos ataques, reformas e privatizações que foram aprovadas, como também buscou dialogar em especial com um setor do eleitorado mais à direita.

A entrevista começa com um ato simbólico com Bonner afirmando que Lula não deve nada à Justiça. A emissora que foi uma das principais comunicadoras das operações da Lava-Jato, justificando nas edições do Jornal Nacional a prisão arbitrária de Lula, agora auxilia na readmissão do candidato, sobretudo nas classes médias e outros setores que apoiaram a Lava-Jato. Os lavajatistas de ontem buscam as pazes com Lula para utilizá-lo, junto à direita, como mecanismo de relegitimação de seu sistema políticos, e dos ajustes ultraliberais.

Diante disso, Lula defendeu que o próprio PT foi quem executou diversas medidas que formaram as condições para a ascensão da Lava-Jato e do bonapartismo institucional dirigido pelo Judiciário. Lula fez seus compromissos de que não vai interferir no MPF, PF e todo aparato judicial auxiliar às medidas bonapartistas do Judiciário herdadas da Lava-Jato. Sua única crítica à Lava-Jato foi “entrar no limite da política”, coisa que o STF não só não recuou, como passou a assumir protagonismo na tutela sobre o regime do golpe.

Ao entrar no debate de economia, o alvo da Globo foi o governo Dilma, apontando os erros do PT aos desse governo. Os objetivos da emissora ficaram evidentes quando questionou se a política econômica de Lula seria mais próxima ao do seu primeiro mandato, de 2002-2006, ou dos mandatos de Dilma. Justamente o mandato de transição do governo FHC em que a política de Lula, lembrada por ele na entrevista, foi de manutenção do tripé macroeconômico (juros elevados, metas de inflação e câmbio flutuante) neoliberal e pagamento da dívida com FMI. Um mandato marcado pela continuidade da política neoliberal de FHC, com Lula aprovando a sua reforma da previdência e impondo ajustes fiscais, sem ainda as concessões sociais do segundo mandato (mencionado apenas no tema do Mensalão).

Sem apresentar um programa claro de governo, disse o suficiente que queriam ouvir os repórteres e a grande burguesia que acompanharam a entrevista: seu próximo governo fará o mesmo do primeiro. E teve o melhor fiador dessa sua promessa sendo lembrado sempre que necessário. Geraldo Alckmin, seu vice, tem se reunido com empresários para deixar claro que não há chances do seu governo revogar a reforma trabalhista ou qualquer outro ataque de Temer e Bolsonaro aos trabalhadores e ao povo pobre. E é com essa aliança que Lula promete ter “estabilidade para trazer o investimento externo ao Brasil”, estabilidade das reformas, ajustes e privatizações. Por isso reivindica não só Alckmin mas também o legado tucano no estado de São Paulo. Não à toa, faz questão de lembrar que Alckmin não só ficou 14 anos como mandante do estado, mas que também estava como vice no governo de Covas.

Parte desse compromisso pela estabilização é como Lula responde à relação do seu governo com a militância do partido e o MST. A Globo acusou a militância petista de intolerância, o que é uma chocante comparação ao bolsonarismo, que chegou a assassinar a tiros um candidato do PT há poucos meses, ou a estar envolvida no desaparecimento de ativistas na Amazônia, sequer mencionados na entrevista com o atual presidente. Mas é igualmente chocante ver Lula, através de uma metáfora, chamando a militância de torcida organizada, “aquela que briga”, tomando para si a comparação da Globo. Da mesma forma, Renata associou o baixo apoio de Lula do agronegócio à relação do partido ao MST.

Lula não só inventou um agronegócio "ecológico", preocupado com a Amazônia e o Pantanal, como disse que os sem-terra estavam fazendo um favor ao agronegócio ocupando terra improdutiva, devido às indenizações pagas pelo governo. Ou que o MST não é o mesmo MST de 30 anos atrás. Esse jogo entre a Globo e Lula buscava separar a chapa Lula-Alckmin do MST, os sindicatos, e todo tipo de luta social, buscando apoio do eleitorado da classe média lava-jatista que odeia esses setores. Eram muito mais amorosos os comentários do petista ao ex-tucano espancador de ocupação do que aos assentados ou à própria militância.

Lula deixou bem claro o questionamento ao orçamento secreto, denunciando a maior subordinação do presidente ao poder legislativo, com a presidência da Câmara assumindo maior controle do orçamento. Em resposta, sem se enfrentar com o Centrão, Lula defendeu o velho modelo de presidencialismo de coalizão, com o qual esteve acostumado a governar negociando com setores reacionários do Congresso, rifando as demandas da maioria da população.

Foi assim com o direito ao aborto para ter apoio da reacionária bancada evangélica, dentre outros direitos para ter apoio da bancada do boi, da bala, e outros inimigos dos trabalhadores. De todo modo, Lula não soube responder se o Centrão vai abrir mão desse maior controle sobre o orçamento, e expressa como uma das preocupações para caso assuma o governo em 2023.

O símbolo que representa a nova configuração política do regime dessa tentativa de pacto de transição de governo, do qual a Globo, junto a FIESP, Febraban, setores do agronegócio, sob a tutela do judiciário, foi Lula defendendo os tempos da polarização entre PT e PSDB. Mas esse período já ficou no passado, ao contrário da ilusão vendida que a aliança com Alckmin e a “velha direita” do regime possa varrer a extrema-direita e restabelecer o momento político anterior ao golpe e o bolsonarismo. Na realidade, a aliança entre PT e a velha direita, não só tucana, mas do PROS e outros políticos asquerosos que emergiram com o golpe, veio pra ficar.

O silêncio, tanto de Lula como dos entrevistadores, sobre os militares, mostra que a tutela autoritária dos militares nas eleições é um ponto que o novo pacto em conjuração se propõe a aceitar e incorporar. Lula pouco expôs sobre as relações internacionais do Brasil, um tema secundário na entrevista pois, já em declarações anteriores, o petista deixou claro sua defesa da ordem neoliberal global e do multilateralismo e de subordinação aos EUA, o que agrada à Globo.

E é complementamente incapaz de impor qualquer resistência séria a extrema-direita bolsonarista, hoje uma força social que não vai desaparecer mesmo que Bolsonaro perca a eleição. A única forma de varrer essa extrema-direita é a luta de classes, que a aliança com a direita atua no sentido contrário que aconteça. Não à toa esse jogo entre a Globo e Lula de criticar a militância petista, o MST. É para defender a maior pacificação da luta de classes, garantida com a atuação da CUT nos sindicatos, e a UNE no movimento estudantil, signatários da carta de aliança entre “capital e trabalho” firmada pela FIESP, Febraban e outros capitalistas. Não à toa os próprios sindicatos foram um ausente nesta entrevista, pois parte da tentativa de pacto é restaurar, em chave conservadora, o papel político dos sindicatos no regime.

Assim, Lula apresentou as diretrizes do programa político que nos trouxe até aqui. Alianças com a direita e os empresários do agro, com o grande capital financeiro, só podem fortalecer a extrema direita, que os capitalistas utilizam quando precisam degradar as condições de vida e trabalho de milhões. A busca por votos dentro da classe média que fora lavajatista, que tem vínculos com o tucanato paulista, é a continuidade, no plano eleitoral, da operação de restauração das instituições autoritárias do regime. E é claro que com a Fiesp, a Febraban e a direita alckmista, ninguém poderia dizer que Bolsonaro ficaria em apuros.

Frente a situação de fome, desemprego, e carestia de vida da população, não vai ser estabilizando os ataques responsáveis por essa situação, e a promessa de maiores “investimentos” em um mundo marcado pela guerra e maior refluxo nos investimentos a nível global, que vai resolver essa situação. Apenas com a classe trabalhadora entrando em cena como fator político ativo, unindo setores empregados formais com desempregados e precarizados, assim como a juventude e os movimentos sociais, e não como mera base votante da conciliação petista, é que pode apontar um caminho para superar essa crise. Não à toa sequer foi tocado nesses temas na entrevista, e Lula já prepara os seus apoiadores para um governo difícil, que não terá nem de perto as condições para oferecer até mesmo concessões parciais que seu segundo mandato pode dar em meio ao ciclo econômico especial de boom das commodities.

Por isso exigimos que as centrais sindicais da CUT e CTB, assim como a UNE, rompam imediatamente a sua política de contenção em favor das alianças com a direita e construam um plano de lutas para enfrentar as reformas, privatizações e ajustes, e para impor a redução da jornada de trabalho para 30h semanais, sem redução de salário. E apontar uma perspectiva de atacar os lucros dos capitalistas, repartindo as horas de trabalho entre empregados e desempregados. Assim como o fim da PEC do teto de gastos e o não pagamento da dívida pública que serve à remessa de recursos da educação, saúde, aos cofres dos banqueiros internacionais, sob a Lei de Responsabilidade Fiscal de FHC. Essa é a perspectiva que as candidaturas do MRT, como Marcelo Pablito em São Paulo, apontam para essas eleições, fortalecendo a batalha em cada local de estudo e trabalho para organizar a vanguarda estudantil e de trabalhadores em combate à extrema-direita sem nenhum apoio a conciliação petista e a chapa Lula/Alckmin.

Editorial MRT | Sem banqueiros e empresários, por um plano de lutas diante do 7 de setembro bolsonarista, das reformas e ataques




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias