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[Feminismo e Marxismo] Trótski e a luta das mulheres

Giovan Sousa

Ilustração: Isadora de Lima Romera | @garatujas.isa

[Feminismo e Marxismo] Trótski e a luta das mulheres

Giovan Sousa

Neste artigo, relembramos o episódio O feminismo em Trotski do podcast Feminismo e Marxismo, do Esquerda Diário e do Pão e Rosas, apresentado por Diana Assunção com a participação de Marcella Campos e Vanessa Dias. Neste episódio, elas abordam a conexão profunda da luta e da teoria desenvolvidas pelo revolucionário bolchevique ao longo de sua vida com a luta pela emancipação das mulheres e como o trotskismo é a melhor ferramenta para a luta pela emancipação do capitalismo e do patriarcado.

As palestrantes abordam o desenrolar da Revolução Russa de 1917, que teve como fagulha uma greve de trabalhadoras têxteis no dia Internacional de Luta das Mulheres, greve imprevista pelos principais dirigentes revolucionários da época mas que deu partida no maior processo revolucionário que a humanidade já assistiu. Nas palavras do próprio Trótski: "as mulheres foram a faísca da Revolução".

Em 1905, Leon Trótski foi presidente do primeiro Soviete de Petrogrado, mais tarde, ao lado de Lênin, foi fundador da III Internacional em 1917, além de ter teorizando sobre grandes acontecimentos históricos internacionais e de ter sido dirigente do exército vermelho durante a revolução. Mais tarde, frente à burocratização stalinista da URSS, fundou a oposição de esquerda. Sendo por esses e vários outros feitos da sua trajetória de vida, um dos mais importantes dirigentes da história da humanidade.

Veja o episódio na íntegra:

O episódio expõe ainda como a Revolução Russa foi o processo que permitiu a maior profundidade de avanços para a luta das mulheres, mesmo em meio a uma situação de guerra civil, fome, epidemias e de profunda devastação deixada pelos czares. Em meio aos intensos debates da Revolução sobre como avançar radicalmente da liberdade e na igualdade em todos os aspectos da vida, a pauta do direito das mulheres e do papel da família tem um merecido destaque.

No âmbito material das leis era crucial estabelecer direitos às mulheres na tentativa de assegurar a igualdade almejada, mas isso precisava, do ponto de vista de Trótski e dos bolcheviques, estar conectado com uma revolução por baixo, impactando os costumes e arrancando as raízes profundas da exploração e das opressões.

No âmbito legal, o Código Completo do Casamento, da Família e da Tutela, escrito em 1918 coloca quatro pilares que são fundamentais pra emancipação das mulheres: a união livre baseada apenas na atração mútua, sem dependência material de uma das partes; a independência econômica completa das mulheres através do trabalho assalariado; a socialização do trabalho doméstico e o fim do casamento como uma necessidade ou obrigação, pilar que só poderia atingir sua realização após os três primeiros. Os bolcheviques ainda entendiam a necessidade de abolir o conceito de filho legítimo ou ilegítimo, garantindo que o cuidado das crianças fosse assegurado.

Para os bolcheviques, a emancipação completa das mulheres era um fator necessário para o sucesso do comunismo. Trótski colocava ainda a importância subjetiva que tinha para as mulheres essa libertação, permitindo que pudessem se dedicar às tarefas grandiosas da Revolução tal qual os homens, uma vez que libertadas da obrigação do alienante trabalho doméstico.

Convencido de que a igualdade perante a lei não significa a igualdade perante a vida, Trótski defendia que os avanços culturais eram muito mais difíceis que implementar leis que surgiram já no começo da Revolução, na verdade, para garantir as mudanças culturais necessárias era preciso um intenso trabalho pós tomada do poder. Essa ideia se choca frontalmente com a ideal que Stalin passa a defender de que a tomada do poder seria 90% das tarefas da Revolução, quase como se estivesse consumado a maior parte dos avanços necessários, ao contrário disso, para Trótski a tomada do poder tinha sido apenas 10% do processo, que precisaria continuar numa lógica de revolução dentro da revolução.

Por conta disso, um estado operário de transição precisaria se preocupar com o avanço cotidiano da libertação dos setores mais oprimidos, para Trótski era crucial que fossem destruídas todas as bases culturais nas quais se assenta por milênios o patriarcado, e essa tarefa não era simples muito menos rápida historicamente como tinha sido a tomada do poder.

Nesse sentido, a Teoria da Revolução Permanente elaborada por Trótski coloca claramente que a revolução começa em âmbito nacional, avança internacionalmente e apenas conseguiria começar a assentar as bases do comunismo propriamente dito depois de ter se espalhado mundialmente.

A TRP, que é a teoria-programa que condensa sem dúvida a síntese mais avançada para pensar o avanço das tarefas dos marxistas até hoje, se liga profundamente com a luta das mulheres, além de tudo já dito, porque defende claramente que os operários precisam acaudilhar todos os setores oprimidos para avançar na revolução, se embandeirando do sofrimento daqueles que mais sofrem com as mazelas do capitalismo, entre eles, as mulheres.

Por esses motivos é que do ponto de vista do marxismo não há nenhuma contradição em que os homens tomem pra si a luta das mulheres ao lado delas, pois se trata de uma luta que diz respeito a toda a classe trabalhadora, que é o setor social que tem condições materiais pra golpear os centros nevrálgicos de lucro capitalista.

Para Trótski as leis como as do Código do Casamento da Família e da Tutela, a legalização do aborto, a garantia de direitos para os homossexuais e vários outras leis extremamente avançadas conquistadas na Revolução Russa não eram capazes de garantir por si só a igualdade real, na verdade elas precisavam caminhar para desaparecer por sua própria inutilidade, ou seja, na medida em que a igualdade real fosse conquistadas e essas leis, assim como o Estado, se tornassem supérfluos.

Nesse sentido que através de uma visão dialética, é possível enxergar a relação de interdependência dos aspectos moral e econômico, já que cada avanço moral coloca o conjunto dos trabalhadores em uma melhor localização para avançar mais profundamente nas conquistas materiais.

Trótski defendia incisivamente como era preciso que a mulher estivesse inserida na vida econômica e também na vida social no Estado operário, e que isso só seria possível com a emancipação do trabalho doméstico. Em seu texto Da antiga à nova família, ele aborda: "a profundidade da questão da mulher está dada pelo fato de que ela é em essência o elemento vivente no qual se entrecruzam todos os fios decisivos do trabalho econômico e cultural, da produção e da reprodução".

Apesar de tamanha profundidade de elaboração teórica e de exercício prático da dialética que significou os primeiros anos da Revolução, ela foi obstacularizada pela situação econômica desfavorável, pelos ataques do imperialismo internacional e também pelo surgimento dos elementos contra-revolucionários dentro da própria URSS, personificado na casta burocrática de Stalin e Bukharin.

O stalinismo revogou todos os direitos assegurados às mulheres e aos setores oprimidos, implementando uma política de "retorno ao lar" para as mulheres, afirmando que a tomada do poder teria já garantido a maior parte dos avanços necessários, além de defender a teoria de socialismo em um só país, conservando suas próprias posições de privilégio conquistadas e provando na prática porque foi a antítese do marxismo aplicado na prática na URSS.

No programa de transição, texto de 1938 de Trótski, ele dedica um capítulo inteiro à fundamentação da necessidade de emancipar as mulheres, colocando-as como aquelas que mais sofrem com o velho, e por isso capazes de lutar com mais afinco pelo novo, convidando os revolucionários a olhar o mundo com os olhos da mulher.

Por toda sua força e atualidade, o legado de Trótski é um guia para a luta de agora pela emancipação dos explorados e oprimidos de todo o mundo. Por isso relembramos sua memória a despeito de seu assassinato pela mão do stalinismo.

Seu chamado de olhar o mundo através dos olhos das mulheres não só se aprofunda mas também se atualiza para os dias de hoje, convidando aqueles que se pretendem revolucionários a encarar a relação dialética e inseparável da luta pela emancipação dos trabalhadores e dos setores oprimidos. Em um país como o Brasil, mais ainda se escancara como apenas com as mulheres, os LGBTs e os negros à frente, não como povo mas como os setores mais precarizado e brutalizados da classe trabalhadora, é que será possível retomar e continuar na prática a Teoria da Revolução Permanente.


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