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Hormindo Pereira: "A educação para além do capital é a que supera o processo de internalização imposto pela dinâmica capitalista"

Iuri Tonelo

Hormindo Pereira: "A educação para além do capital é a que supera o processo de internalização imposto pela dinâmica capitalista"

Iuri Tonelo

Publicamos abaixo entrevista de Hormindo Pereira ao Ideias de Esquerda. Hormindo é Professor Titular de Política e Gestão da Educação na Faculdade de Educação da UFMG e trata, nesta entrevista, de temas como a greve de professores de Minas Gerais e seu significado, as reformas e ataques à educação, ensino à distância e sua compreensão da educação em relação ao sistema capitalista. Esta entrevista foi concedida a Iuri Tonelo, pesquisador do PPGS da UFPE.

Ideias de Esquerda: A atual greve das professoras de Minas Gerais se insere no contexto de reabertura e volta presencial nas escolas e universidades. Você acha que a mobilização pode ter um significado especial sobre o que pode se apontar para o Brasil no próximo período? Tendo em vista a atenuação dos efeitos de pacificação como a dura realidade da quarentena e trabalho remoto, você acredita que a tendência nessas greves é serem movimentos controlados ou podem se desenvolver tendências de questionamento maior às direções sindicais tradicionais?

Hormindo – Caro Iuri, sua pergunta me faz refletir, inicialmente, sobre as greves e sua importância. Lenin, revolucionário russo, comunista e socialista, em um texto escrito em finais do século XIX e publicado no início do século XX (1924), já nos fazia refletir sobre as greves. As greves são movimentos essencialmente econômicos, sua importância para a classe operária e para os trabalhadores pobres é fundamental para desenvolver sua consciência crítica frente às “intempéries” produzidas pelas relações sociais e humanas do capitalismo. Por serem essencialmente econômicas, são ainda limitadas. Desenvolvem uma consciência crítica ainda limitada. São movimentações quase sempre por melhorias econômicas e nas relações de trabalho, ainda no interior do sistema do capital. Sem dúvida que a greve das professoras mineiras se insere em um contexto em que as lutas sejam econômicas, sociais, políticas, se viram “travadas” pelas circunstâncias e pela dinâmica de realidade que nos impôs a situação sanitária global produzida pela “pandemia da Covid 19”. É preciso que se diga: situação sanitária global, produzida pelo sistema do capital. O retorno desses movimentos são fundamentais para o “destravamento” das lutas, sem dúvida, vêm em boa hora. Finalizando, nossa expectativa é que essas mobilizações possam também contribuir para uma tomada de consciência da necessidade de uma reorganização do movimento sindical. É preciso combater o “peleguismo” que se reconfigurou no movimento sindical após a cooptação dessas lideranças para o Estado, realizada pelo governo do Lula e do PT no Brasil.

IdE: No governo Bolsonaro, tivemos anos de ataques sem precedentes à educação pública, em todos os níveis. No entanto, a alternativa eleitoral de oposição com mais força, a chapa de Lula, aponta para contar com Alckmin como vice, que foi um dos governos mais carrascos com a educação pública e as professoras de SP, com anos sem reajuste salarial e precarizando as escolas. Diante disso, o debate da educação pode auxiliar em refletir sobre o esgotamento das alternativas de conciliação?

Hormindo – Iuri, vamos refletir. Os ataques à chamada “educação pública” não iniciam no governo Bolsonaro. Em nossa história mais recente, no Brasil, o que se costuma chamar por “educação pública” foi sofisticadamente “maltratada” durante toda a ditadura militar, por mais de 20 anos. Após essa, nos finais da década de 80 e até hoje é sofisticadamente “maltratada”. As atuais reformas produzidas no sistema educacional controlado pelo Estado, no Brasil, se gestam e se iniciam fundamentalmente nos governos do FHC e do Lula PT. A atual reforma do Ensino Médio, propalada pelo Ministério da Educação do Bolsonaro, foi gestada durante o governo da Presidente Dilma. Esse debate, sem dúvida nenhuma, pode contribuir enormemente para refletirmos sobre o momento atual e sobre nossas escolhas nas próximas eleições. É fundamental refletir sobre isso, tendo em vista colocar em evidência os limites do capital no controle do Estado para resolver os problemas da educação, mas não somente. O Estado, sob o comando do capital, é completamente incapaz de resolver os males sociais, sejam eles quais forem. O Estado, sob comando do capital, em sua mediação com o trabalho, tem como objetivo garantir os processos fundamentais à reprodução cada vez mais ampliada da concentração privada da riqueza que é socialmente produzida. Para tanto, não tem limites. É preciso produzir uma inversão nessa ordem de coisas. O Estado tem de estar sob o comanda das forças do trabalho com isso, quem sabe, poderemos iniciar o caminho, a estrada para uma “nova era” para um sistema educacional realmente público, para toda a classe operária e para todos os trabalhadores pobres.

IdE: O período da pandemia auxiliou com que alternativas mercadológicas de EaD ganhassem rápido espaço e inserirem modelos privatizantes mesmo no ensino público. Nessa retomada das aulas presenciais, quais os dilemas e desafios para se pensar a educação para além do capital?

Hormindo – Veja bem Iuri, o Ensino a Distância (EAD) se utiliza de tecnologias no processo de ensino-aprendizagem. Isso não é novo nesses processos. Para não ir muito longe na história, vou recordar aqui um processo que ficou muito conhecido no Brasil: a EAD do conhecido Instituto Universal Brasileiro da Era Vargas, depois na década de 60, 70 onde os cursos se utilizavam dos correios para realização do processo ensino-aprendizagem, a tecnologia era a carta. Não podemos e não devemos ser contra o uso de tecnologias mesma as mais atuais, fundamentadas na microeletrônica, na informática e na robótica para o processo de ensino-aprendizagem. Temos sim, de ser contrários e de combater a privatização da educação e de seus processos e que é fundamentalmente, mesmo que não unicamente, realizada pelo Estado sob comando do capital. O que consideramos “educação pública” hoje, sistema controlado pelo Estado sob comando do capital, somente é “público” porque pode atender a todos. Mas veja bem, nem todos têm direito, somente aqueles que podem por ela pagar. Ou como diz um famoso “economista” brasileiro: “a escola pública é tão fundamental e tão importante que todos devem pagar por ela”. Isto não é público, garantido a todos. Isso é privado, o Estado é privado. Não é somente a EAD que possui modelos privatizantes, é todo o chamado “sistema público de educação” inclusive e fundamentalmente o coordenado e gestado pelo Estado. Esse sistema, nunca foi e nunca será para todos. Não merece a nossa defesa. Lembrando aqui um filósofo marxista dos mais importantes na atualidade, o húngaro Istvan Mészáros, a educação formal está profundamente articulada ao modo de produção correspondente. Trata-se de “processos de internalização”, que asseguram os parâmetros reprodutivos gerais do sistema do capital. No capitalismo, a educação contínua (formal) das pessoas contribui com a produção e reprodução da sociedade de mercadorias. A educação para além do capital é a educação que supera esse processo de internalização imposto pela dinâmica capitalista.


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Iuri Tonelo

Recife
Sociólogo e professor. Um dos editores do semanário teórico do Ideias de Esquerda, do portal Esquerda Diário. Autor dos livros "No entanto, ela se move: a crise de 2008 e a nova dinâmica do capitalismo" e "A crise capitalista e suas formas". Atualmente é pesquisador na PPGS-UFPE
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