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Debates hoje | Lula X Haddad? A fabricação de crises, a pequena política e o discreto sorriso do “mercado”

Se nos pautássemos pela grande mídia burguesa ou por alguns tweets de petistas, concluiríamos que vivemos uma “grande crise” essa semana sobre o retorno dos impostos dos combustíveis. Opinamos que essa “crise” tem boa dose de fabricação, tanto pelo PT como pelo “mercado”. A divergência de jogadas e falas não esconde como estamos com os dois pés dentro do que o marxista Gramsci chamava de “pequena política”, ou seja, manter-se dentro dos limites de uma estrutura já dada.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quarta-feira 1º de março de 2023 | Edição do dia

Toda grande mídia, da Folha ao Estado, ao Globo e à Veja “mostraram” nessa semana como haveria uma “fritura” do ex-candidato presidencial e atual ministro da fazenda Fernando Haddad pelo PT. Gleisi Hoffman, presidente do PT, twitava defendendo que não fossem recriados os impostos dos combustíveis em nome de “não penalizar o consumidor e gerar mais inflação”, Haddad por sua vez dizia em alto e bom som que era preciso recriar o imposto em nome de reduzir o déficit orçamentário. O resultado – com retorno do imposto com novas alíquotas, que mostraremos a quem beneficia, e redução do preço da Petrobras - não levou à alta da Bovespa, mostrando que todo o barulho respondia a um jogo duplo, do PT e do “mercado”. Buscaremos mostrar o jogo, seu resultado e como entendê-lo de forma marxista.

Novas disputas surgem com a criação do imposto de exportação de óleo cru e com a esperada redução dos dividendos da Petrobras, mas essas novas disputas - talvez até mais importantes - se dão sem o barulho que a desoneração de impostos teve. Essa discrepância também aponta mais detalhes sobre o jogo que aqui pontuamos.

O “mercado” e seus escribas tomaram seus celulares e laptops em punho e foram à batalha nos últimos dias com títulos contra um “populismo político” de não voltar com os impostos em nome da sacrossanta redução do déficit para mostrar aos donos da dívida pública que sempre serão fartamente remunerados. Surgem já críticas ao imposto de exportação de óleo cru e da esperada redução do dividendo da Petrobras, mas nada digno de manchetes como as que percorreram toda a mídia nos últimos dias quando havia o tema déficit fiscal-desoneração. Contra esse pequeno tweet de semana passada muita tinta correu:

O que queria o “mercado” e seus defensores? Mostrar uma disputa política no governo da frente ampla de Lula-Alckmin onde haveriam “populistas” e “responsáveis”, sendo Alckmin, Haddad, Tebet nomes dessa segunda ala. Entendendo como responsáveis aqueles que são favoráveis a sacrificar interesses da população em nome de garantir uma redução do déficit público para destinar mais recursos à dívida pública. Com isso pintam um Lula e um PT à esquerda do que são em fatos e até mesmo na retórica.

Como o PT se defendeu dos “ataques”? Reafirmando que confiam em Haddad, e combinando uma retórica anti-mercado que Lula usou bastante na entrevista concedida à CNN ao mesmo tempo que repetindo frases do tipo: “Lula governou por 8 anos garantindo a economia e os superávits”. Se a memória dos articulistas burgueses não se lembra, seus bolsos sim se lembram como essa frase repetida até a exaustão é verdadeira. “Nunca antes na história desse país” foi feito tamanho superávit para agradar tanto aos banqueiros.

Há um jogo e também uma disputa real aqui. Primeiro o jogo: o PT e Lula aparecem a seus votantes mais à esquerda que suas ações, e para a mídia oferecem Haddad como um “ministro forte” para facilitar suas negociações com o grande capital e mesmo – no futuro quem sabe – para fortalecê-lo como cabeça de chapa da Frente Ampla. No jogo a grande mídia, participante indireto na Frente Ampla, mostra que cumpriu seu papel de puxar a corda e assegura-se que temas como superávit fiscal, Responsabilidade Fiscal seguem sendo temas intocáveis na agenda pública brasileira porque o que esteve em jogo nunca foi não ter responsabilidade fiscal burguesa mas quanto ter. Para a burguesia o jogo é um grande jogo.

Aí, no quanto que a política econômica tem que ser uma continuidade quase total ou parcial ou um pouco menos até do que foi herdado de Bolsonaro e Guedes reside a disputa real que vai muito além dos combustíveis, diz respeito a projeto de país, relação com imperialismos, com China, salário mínimo, e muitas outras coisas que não abordaremos neste curto artigo. Nunca se tratou de um debate centrado em “reoneração” ou “desoneração”, tanto que o “mercado” nem soluçou com as medidas tomadas. Quais foram as medidas? Retorno de um imposto sobre a gasolina no valor de R$0,47 o litro e de R$0,02 no etanol ao litro, continuidade da isenção total no diesel e no gás de cozinha. A Petrobras por sua vez reduziu a gasolina em R$0,13 e R$0,08 no diesel por litro. Com os novos impostos se espera uma arrecadação de cerca de R$29 bilhões. A desoneração do diesel em 2021 já se dizia que custava cerca de 20 bilhões naquele período. Possivelmente, nos valores de hoje é igual ou maior que essa “reoneração” da gasolina.

O detalhe sórdido do jogo todo é que a redução da Petrobras, vendida como medida “popular” é inferior ao que a associação patronal dos importadores e comercializadores de combustíveis acusa a Petrobras de praticar de sobre preço em relação ao mercado mundial (R$ 0,26). Ou seja, tomando como verdadeiro esse discurso de uma parte interessada (já que nem sempre convém importar combustíveis dado o custo logístico) Lula e o PT oferecem uma compensação parcial ao mesmo tempo que seguem garantindo um sobrepreço de R$0,13 que foi um dos fatores que levou a lucros recordes que são embolsados em uma entrega mundialmente recorde de dividendos aos acionistas privados da Petrobras (52,44% estrangeiros e 29,08% investidores nacionais segundo a própria Petrobras).

Espera-se que no dia de hoje (01/03) a Petrobras reduza a quantidade de seu lucro que ela distribui a seus acionistas privados (os dividendos), mas mesmo que a Petrobras pagasse zero centavos de dividendos relativos ao último trimestre de 2022, ela ainda seria uma das maiores pagadoras do mundo. Trazer a Petrobras do topo do ranking mundial para uma média de uma Shell ou uma British Petroleum pode gerar reclamação de acionistas e o PT mostrar-se à esquerda, mas trata-se de uma disputa bastante relativa, de quantos bilhões ganharão e nada absoluta. O mesmo podemos pensar do imposto de exportação de óleo cru, de 9,2%e de duração por quatro meses. A medida foi criticada pelos exportadores de óleo e seus defensores, os exportadores passaram de isenção a 9,2%, muito menos que qualquer trabalhador paga nas suas compras no supermercado. Trata-se de uma mudança que pode levar a Petrobras a aumentar o uso de suas refinarias mas também insere-se num marco da disputa da alocação de alguns bilhões mas mantem-se intacto o fundamental: lucros bilionários na exploração de petróleo, lucros dirigidos aos acionistas imperialistas, determinação de preço dos combustiveis feitas pelo mercado e não por nossa capacidade produtiva ou pelas necessidades populares.

O PT possivelmente se esquiva dessa crítica ao sobrepreço na gasolina dizendo que ainda não controla o Conselho de Administração da Petrobras, que só em Abril nomeará seus nomes, mas como acionista majoritário, caso quisesse poderia ter adiantado essa posse, e nada explica porque passados dois meses de governo Lula seguem em curso as privatizações que estão marcadas para entrega definitiva agora em março, em Guamaré (RN), Espírito Santo e Sergipe (assunto que será abordado em outro artigo).

Outro elemento para pensar como o jogo desses dias não tocou os interesses capitalistas fundamentais e não foi toda essa grande crise que apareceu na mídia é o comportamento de indicadores econômicos. Desde quinta-feira quando ganhou maior destaque na mídia essa “crise” até hoje a Bovespa acumula uma ligeira perda de 1,4%, não muito diferente da americana Dow Jones com perda de 1,36% no mesmo intervalo.

Trata-se de uma disputa que vai muito além desse tema dos combustíveis agora, é um cabo de guerra permanente onde o tema de fundo, a dívida pública, os benefícios aos grandes empresários nunca são tocados, pelo contrário, com a continuidade da isenção ao diesel está sendo feito uma medida que é anti-inflacionária mas também um subsídio nacional aos empresários da logística, a disparidade do imposto da gasolina (47 a 2 centavos) é uma medida de “capitalismo verde” mas é também um tremendo presente para o agronegócio e provavelmente incentive o maior uso de etanol no lugar da gasolina para quem tiver carros flex. O imposto sobre a exportação de petróleo cru diminui as margens de lucro dos exportadores de imensamente colossais para “só” gigantes.

A disputa se dá nas pequenas margens de ação dentro dos limites herdados. Lula busca atuar para promover algum nível maior de produção nacional de derivados, algum discurso de preservar o bolso do trabalhador, promover um discurso (maior que a realidade) de desenvolvimento nacional, procurando se apoiar em alas da burguesia que querem algum nível maior de incentivo às indústrias e uma localização diferente do país entre as disputas de EUA, China, União Europeia, outras alas, por sua vez, são mais favoráveis da manutenção das condições quase idênticas a como estavam. Há uma disputa real, de quanto mudar na economia política de Bolsonaro-Guedes para Lula-Alckmin, mas é uma disputa de quantidade não qualidade.

Se a disputa se trava dentro das pequenas margens de negociação como essas, sem colocar em xeque os acionistas privados da Petrobras, sem colocar em xeque as privatizações, o pagamento da dívida pública, mantendo-se dentro das amarras do aceitável nos marcos da conciliação, da frente ampla aí então temos uma disputa, mas uma disputa do que Gramsci chamava de “pequena política". E esses são os termos da disputa que o PT coloca como limite à classe trabalhadora e suas aspirações, mantendo-se no terreno do aceitável à burguesia e seu Estado, não só em sua forma abstrata, mas na forma concreta que assume a burguesia herdeira da Casa Grande, do latifúndio, do massacre indígena, mas também de suas formas concretas e contemporâneas, herdeira um regime político do golpe que produziu Temer, Bolsonaro. Manter-se sempre preso aos limites do aceitável em um regime já dado é pequena política do lado dos de baixo mas é grande política daqueles que buscam – como a burguesia – preservar seus interesses.

Terminemos com a citação do marxista italiano: “Grande política (alta política) – pequena política (política do dia a dia, política parlamentar, de corredor, de intrigas). A grande política compreende as questões ligadas à fundação de novos Estados, à luta pela destruição, pela defesa, pela conservação de determinadas estruturas orgânicas econômico-sociais. A pequena política compreende as questões parciais e cotidianas que se apresentam no interior de uma estrutura já estabelecida em decorrência de lutas pela predominância entre as diversas frações de uma mesma classe política. Portanto, é grande política tentar excluir a grande política do âmbito interno da vida estatal e reduzir tudo a pequena política.” (Cadernos do Cárcere, caderno 13, §5)




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