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Internacional | Lula com Biden: reacomodação das relações com o imperialismo norte-americano

A curta viagem de Lula aos EUA marca a reacomodação das relações do Brasil com o imperialismo norte-americano após governos de extrema-direita. Reunindo com Biden, na agenda de Lula houve destaque para a guerra na Ucrânia, mas também para a aproximação política com o partido democrata e seu discurso de defesa da democracia e a pauta do meio ambiente. Biden vê Lula como um importante líder global, e este se mostra disposto aos interesses de Washington no que não afete a relação com Pequim, como o recente apoio diplomático ao golpe de Dina Boluarte no Peru.

sexta-feira 10 de fevereiro de 2023 | Edição do dia

Na quinta-feira (9), Lula e uma comitiva composta por Janja e os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Marina Silva (Meio Ambiente,) Anielle Franco (Igualdade Racial) e o chanceler Mauro Vieira embarcaram para os EUA, onde se reunirão com o presidente democrata Joe Biden, além de reuniões com a burocracia sindical da Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais, AFL-CIO) e com parlamentares democratas como Bernie Sanders. Uma viagem feita às pressas para avançar na reacomodação das relações do Brasil com o imperialismo norte-americano, após a saída de Bolsonaro.

Um Lula de projeção fortalecida pelo 8 de janeiro e que, há poucas semanas, recebeu o chanceler alemão Olaf Scholz em Brasília, busca estabelecer um protagonismo internacional ancorado na pauta ambiental e em uma posição de mediador diplomático. Para o encontro com Biden, Lula defendeu novamente a criação de um “Clube da Paz” para intermediar o fim da guerra na Ucrânia, buscando se estabelecer em uma terceira posição internacional, equidistante de EUA e China, muito diferente dos interesses de Biden e do imperialismo norte-americano, sendo esse o maior ponto de atrito. A proposta foi pouco ouvida, já que não interessa o anfitrião. Os Estados Unidos e a OTAN, responsáveis pela militarização do Leste europeu e por toda a logística do exército ucraniano buscam instrumentalizar o justo repúdio à invasão russa por trás de seus objetivos imperialistas. Lula recusou o pedido de Olaf Scholz para que o Brasil envie munições para a Ucrânia, a fim de preservar os negócios de fertilizantes com Putin, mas cedeu a Biden no comunicado conjunto para expressar as posições dos EUA. A subordinação, ainda que distinta da de Bolsonaro, emerge já no primeiro encontro.

Como parte desse cenário internacional caracterizado pela crescente disputa entre Estados Unidos e China, onde o petista tenta agradar a gregos e troianos para preservar os negócios dos capitalistas brasileiros, Biden deve convidar Lula para o que vem chamando de “cúpula internacional da democracia”, em março, uma proposta de aliança para diminuir a influência da China. Entretanto, Lula já se encontra de viagem marcada no mesmo mês para se encontrar com Xi Jinping, que quer aumentar ainda mais os negócios no Brasil, parceiro do país no BRICS, junto com Rússia, Índia e África do Sul.

Apesar dos meandros, Lula mostra que, onde esses interesses não colidem, ele joga com os EUA. No Uruguai, Lula influenciou o governo Lacalle Pou a não acelerar acordos unilaterais com a China, o que, além de favorecer o agronegócio brasileiro, joga a favor dos interesses de Washington e da OTAN.

No Peru, o golpe parlamentar que colocou Dina Boluarte no poder, com a aprovação do imperialismo norte-americano e suas multinacionais extrativistas, tem o reconhecimento do novo governo brasileiro como ponto de apoio geopolítico fundamental para se sustentar, além de o Brasil diretamente estar exportando, com a conivência do governo, munições e armamentos para a repressão aos protestos de camponeses e trabalhadores, deixando já mais de 70 mortos, em sua maioria manifestantes indígenas. A cumplicidade com o governo golpista peruano é o primeiro grande retrato do significado da política internacional de Lula quando se trata da luta dos explorados e oprimidos, como o foi a intervenção militar do Haiti pelo exército brasileiro na ONU a partir de 2004, sendo urgente erguer uma forte mobilização de solidariedade em apoio à luta do povo peruano, contra a repressão e pela ruptura das relações entre o Brasil e o governo ilegítimo de Boluarte.

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Após o encontro com Biden, publicizou-se uma declaração pública com foco na condenação à Rússia e na “defesa da democracia”, diante dos episódios de 8 de janeiro em Brasília e da invasão do Capitólio dos EUA, em 2021. Buscam se fortalecer mutuamente contra seus opositores políticos de extrema-direita, e a condenação dos EUA às ações golpistas no Brasil e seus inúmeros sinais de advertência prévios foram um freio a qualquer aventureirismo golpista de setores do regime e inclusive segmentos militares, organicamente ligados a Washington. Essa ligação também é símbolo da demagogia da retórica democrática de Biden, capitão do maior imperialismo do planeta, envolvido em incontáveis crimes contra os direitos humanos, golpes de estado e tentativas de golpes ao longo da história, como 64 no Brasil e mais recentemente com a própria Lava Jato, articulada sob tutela dos Democratas e que culminou no golpe institucional de 2016, com a unidade do regime contra o próprio governo do PT.

Lula também foi preparado para defender as ações do Supremo Tribunal Federal (STF) no Brasil como suposto modelo no combate aos “ataques à democracia”, curiosamente o mesmo STF que foi crucial no golpe institucional, no impeachment, na prisão arbitrária de Lula e na autorização de privatizações e reformas como as previdenciária e trabalhista, ou legislando em prol da terceirização irrestrita. Busca sustentar os elementos de coesão do regime brasileiro, que se deram em resposta ao ato golpista de janeiro, fortalecendo internacionalmente um reacionário bonapartismo de toga, pronto para se voltar contra a esquerda, a classe trabalhadora e movimentos sociais caso passem por cima do consenso de passividade na luta de classes, imposto desde o novo governo petista, e se tornem fonte de instabilidade política.

Lula ainda garantiu a adesão dos Estados Unidos como contribuinte do Fundo Amazônia, projeto de captação de recursos internacionais já integrado pela Alemanha e pela Noruega, que serve às aspirações ecocapitalistas do governo Biden e da ala esquerda dos Democratas como um ótimo mecanismo de greenwashing, ao passo que a participação na política de conservação ambiental é simultânea às ações de multinacionais bilionárias que destroem o meio-ambiente no mundo inteiro e inclusive em seus países de origem, a lembrar os recentes protestos contra um novo projeto de mineração de carvão na Alemanha.

Ao passo que Lula já se postula como a principal liderança da América Latina, é da ordem do dia na luta anti-imperialista rechaçar seu papel em todo apoio político e permissão de envio de armas e munições ao governo golpista no Peru, lado a lado com o imperialismo que historicamente espoliou e assassinou aqui nesse continente. Junto a isso, é fundamental erguer um programa operário independente, que responda aos grandes problemas sociais estruturais, como em especial a revogação integral de todas as reformas e privatizações, o fim do teto de gastos e o não pagamento da fraudulenta dívida pública.




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