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Lutte Ouvrière e NPA no último ciclo da luta de classes

Paul Morao

Lutte Ouvrière e NPA no último ciclo da luta de classes

Paul Morao

Sucedendo ao ciclo de luta de classes de 1995 a 2010, o ano de 2016 iniciou na França um novo ciclo marcado pelo aprofundamento do esgotamento do período neoliberal que esteve na raiz da crise de 2008. Tal esgotamento deu origem no país gaulês a uma sucessão de episódios de intensas mobilizações de diferentes setores da classe trabalhadora e da juventude: em 2016, contra a reforma trabalhista (Loi Travail) e com a mobilização dos trabalhadores de importantes empresas privadas; no início de 2018, contra a reforma ferroviária e contra a seleção universitária; em 2018-2019, vimos a cólera dos Coletes Amarelos contra o imposto ao motorista sob emissão de dióxido de carbono e contra as consequências do neoliberalismo; em 2019-2020 a greve geral contra a reforma da previdência.

Lutas de grande escala que se sucederam umas às outras e que só foram interrompidas pela pandemia. Essa dinâmica francesa ecoa tendências profundas que estão em ação em escala internacional. Assim, pudemos ver cenários semelhantes se desenrolarem desde 2018 em muitos países: ataques aparentemente parciais contra as classes trabalhadoras iniciaram mobilizações massivas, às vezes questionando todo o regime político. Da taxa de carbono na França ao aumento do preço da passagem de metrô no Chile, passando pela “taxa do WhatsApp” no Líbano, poderíamos multiplicar os exemplos desse tipo de reformas que geraram grandes movimentos nos últimos anos.

Ocorrendo em um período de crise orgânica, caracterizado por um enfraquecimento generalizado das mediações políticas em muitos países, esse ciclo frequentemente aprofundou a ruptura entre as massas e suas organizações tradicionais, ao mesmo tempo em que favoreceu o surgimento de novos fenômenos políticos, tanto à direita quanto à esquerda. Na França, a luta contra a reforma trabalhista do governo Hollande constituiu assim o ato final do descolamento do “povo de esquerda” em relação ao Partido Socialista. No entanto, na ausência de organizações revolucionárias suficientemente estabelecidas para oferecer perspectivas às mobilizações no ringue da luta de classes, muitas dessas lutas, violentamente reprimidas, acabaram esgotadas e/ou canalizadas para o terreno institucional.

Nas últimas semanas, a greve das refinarias de petróleo das multinacionais ExxonMobil e Total evidenciou o potencial de expansão nacional das greves salariais, provavelmente abrindo uma nova fase no ciclo da luta de classes após a interrupção causada pela pandemia. Novas batalhas em breve ressurgirão em uma situação marcada pela instabilidade econômica. Nesse contexto, construir tal organização na França é fundamental.

Tal trabalho implica realizar um balanço da intervenção das duas principais organizações de extrema-esquerda francesa nas últimas grandes batalhas nacionais: Lutte Ouvrière (LO) e o Novo Partido Anticapitalista (NPA). Uma avaliação assim não pretende distribuir os pontos positivos e negativos, mas abrir um debate estratégico muitas vezes colocado debaixo do tapete em um país onde as tradições da extrema esquerda estão, no entanto, bastante enraizadas. Nesse sentido, voltaremos aqui às políticas levadas a cabo pela LO e pelo NPA, centrando-nos, no caso desta última organização, na política implementada por aquela que é, ainda hoje, a sua direção majoritária.

Uma análise em caminhos vazios ou pontilhados: a fragilidade da extrema-esquerda em questão

Retomar as políticas seguidas pelas duas principais organizações de extrema-esquerda na França nos últimos episódios da luta de classes envolve, paradoxalmente, em grande parte “percorrer caminhos vazios ou pontilhados”. Claro que tanto a LO quanto o NPA participaram da maioria das mobilizações dos últimos anos. No entanto, é difícil lembrar de intervenções e manifestações marcantes, greves protagonizadas por essas organizações, ou políticas audaciosas realizadas por elas nos movimentos desde 2016.

Essa constatação é relativamente nova. Na década de 1970, tanto
a LO quanto a Liga Comunista Revolucionária (LCR), organização da qual originou-se o NPA, participaram e lideraram grandes greves na Renault, nos PTT (Correios e Telecomunicações, estatal francesa de 1979 a 1990), na RATP (Estatal dos transportes parisiense) e na SCNF (Estatal ferroviária nacional). E levantaram, sobretudo a LCR, políticas ofensivas de apoio às greves, como durante a greve da SFAC-Batignolles (empresa siderúrgica privada de construção ferroviária e armamentista na cidade de Nantes) em 1971 ou da LIP (fábrica de relógios) a partir de 1973. Apesar do refluxo da luta de classes que caracterizou o período pós-68 na França, marcado pela chegada ao poder de Mitterrand e da Unidade da Esquerda, tanto a Lutte Ouvriere quanto a Liga participaram ativamente das políticas de coordenações operárias entre 1986 e 1995. A LO inclusive iniciou a coordenação entre diferentes setores durante a greve ferroviária de 1986. Além disso, suas organizações de juventude intervieram no movimento estudantil, por exemplo, no movimento contra o projeto de lei Devaquet, em 1986, que visava criar um processo de seleção nas universidades, semelhante ao vestibular no Brasil. O projeto foi retirado pela pressão da luta, mas a seleção acabou sendo aplicada nas décadas seguintes de maneira progressiva. Também ocorreu o movimento contra o Contrato de Inserção Profissional em 1994, proposta que também teve que ser retirada devido à pressão da juventude, que visava estabelecer um valor menor do que o salário mínimo para contratos de estudantes universitários. Durante as grandes greves de novembro-dezembro de 1995 e depois em 2006 durante o movimento anti CPE (Contrato de primeiro emprego, também retirado devido à luta e que visava, mesmo que não fosse o primeiro emprego da pessoa, garantir à empresa a possibilidade de romper com o contrato de trabalho sem dar nenhum motivo), a LO e a Liga desenvolveram, cada uma à sua maneira, uma intervenção dinâmica, em comparação com o que foram capazes de fazer no curso dos últimos anos.

Apesar da retomada do dinamismo da luta de classes na França sob a presidência de Hollande após a presidência de Sarkozy, é difícil encontrar, desde 2016, intervenções da extrema esquerda equivalentes às citadas. Essa observação não significa que essas organizações tenham deixado de intervir na luta de classes, mas gostaríamos de mostrar que elas abandonaram uma grande parte das tarefas que as organizações revolucionárias se propõem tradicionalmente nessas lutas. E isso por diferentes razões em relação a cada uma das duas organizações.

Podemos citar rapidamente algumas dessas tarefas, à luz das quais voltaremos ao balanço das duas organizações: a luta pela auto-organização em primeiro lugar, para permitir que os trabalhadores assumam o controle de seu movimento; segundo, a luta pela ampliação do movimento e pela unidade da classe trabalhadora, bem como o trabalho de aliança com todos os setores oprimidos; e, finalmente, o fato de se apoiar nas experiências das lutas de classes para fazer delas uma ponte para conduzir a consciência de setores para a necessidade da revolução, convencendo os setores de vanguarda a se engajarem, além de uma luta específica, na construção de organizações revolucionárias. Desde 2016, a extrema esquerda na França realmente se propôs a enfrentar esses desafios?

Lutte Ouvrière e NPA: auto-organização mínima e recusa da coordenação das lutas?

O primeiro elemento marcante ao fazermos um balanço da atuação do NPA e da LO na última onda da luta de classes na França reside em como foram minoritárias suas políticas desenvolvidas no âmbito das greves. Os militantes das duas organizações participam localmente nas reuniões entre categorias de trabalhadores (conhecidas como Interpro, que se tornaram recorrentes na França desde 1995) e das assembleias gerais que são realizadas em empresas ou locais de trabalho por ocasião de greves, podendo até estimulá-las. No entanto, são poucas as políticas marcantes realizadas a partir desses militantes.

Desde a luta contra a reforma trabalhista e a da previdência, o NPA e a LO subordinaram sistematicamente a auto-organização dos trabalhadores à forma do movimento tal como havia sido dada desde o início pelas burocracias sindicais. Desta forma, os espaços auto-organizados cumprem apenas o papel de acompanhar o movimento, sem buscar transformar seus contornos, ritmos e conteúdos. Essa lógica às vezes anda de mãos dadas com tendências localistas que consideram que o papel de cada militante em cada categoria não vai além dos limites de sua própria empresa durante as greves nacionais.

Essa lógica se reflete claramente na relação com os espaços de coordenação de lutas que surgiram desde 2016. Esses foram, de fato, amplamente ignorados pela direção majoritária do NPA e pela Lutte Ouvrière. Em seus balanços de lutas, essas experiências são frequentemente relegadas à categoria de mero folclore, ou mesmo apagadas. Foi o que aconteceu durante a principal greve dos últimos cinco anos, aquela que se deu contra a reforma da previdência de Macron no inverno de 2019-2020.

Nessa luta, os grevistas da RATP impuseram às burocracias sindicais de sua categoria uma greve sem data para término a partir de 5 de dezembro que, em parte, se propagou para outros setores. Na preparação para essa greve, os trabalhadores militantes do Révolution Permanente (da mesma organização internacional à qual pertence o MRT e o Esquerda Diário) iniciaram os "Encontros RATP-SNCF" junto à vanguarda de trabalhadores dessas duas empresas estratégicas do transporte do país. Durante a greve, esses encontros foram transformados na "Coordenação RATP-SNCF". Em dezembro e janeiro, esta Coordenação reuniu regularmente cerca de uma centena de dirigentes operários de numerosas estações de ônibus na região de Paris, várias linhas de metrô e várias estações de trem e estabelecimentos da SNCF. Embora concentrado somente na região de Île-de-France, esse organismo de auto-organização desempenhou um papel central na consolidação, manutenção e continuidade da greve, construindo os vínculos entre os setores de vanguarda a serviço de estender a greve, mas também dando ritmo ao movimento com manifestações e ações próprias, ou mesmo defendendo políticas alternativas ao plano das direções sindicais, em particular na época da trégua natalina imposta pelas burocracias.

No entanto, esta Coordenação foi abertamente boicotada pela direção do NPA e da Lutte Ouvrière, apesar desses partidos terem trabalho entre ferroviários e na RATP. Essa relutância expressa na época evidenciava claramente a lógica enraizada dessas organizações. Para o NPA, a Coordenação RATP-SNCF foi uma iniciativa artificial que não tinha nenhum papel a desempenhar na medida em que julgavam a greve como insuficiente. Em um artigo sobre essa luta, publicado em janeiro de 2020, membros de sua direção simplesmente ignoraram esse espaço – que era destacado por outras correntes de extrema esquerda na Europa que acompanhavam o movimento contra a reforma da previdência [1].

A direção do NPA explicou que “nesse momento, na ausência de mobilização real na maioria das categorias de trabalhadores, os sindicatos continuam sendo em muitos lugares a principal alavanca para alcançar este objetivo. Os espaços de organização "interprofissionais" tal como existem hoje, com raras exceções, são muito limitados. Raramente são a emanação da coordenação dos setores em luta porque ainda não há setores suficientes em luta”. Um ceticismo característico pintando um quadro bastante sombrio em um momento-chave da greve e apagando todo o trabalho da vanguarda de trabalhadores em favor de fazer um chamado muito vago por um "trabalho, às vezes ingrato, de mobilização na base, sobre a profundidade da reforma e sobre a necessidade da greve para conseguir vencer”.

Em relação à Lutte Ouvrière, nas categorias em greve onde tinham militantes, lutaram simplesmente contra a construção da Coordenação RATP-SNCF. Para eles, era melhor esperar que o movimento grevista crescesse antes de pensar em qualquer iniciativa desse tipo. Nas Assembleias Gerais locais, como no Centro de Manutenção da RATP de Châtillon, os militantes da LO defenderam a prioridade da extensão local da greve dentro de cada garagem ou estação da RATP, opondo artificialmente isso à Coordenação entre diferentes empresas. Uma lógica conservadora, que subestima ou mesmo nega o papel propulsor e de vanguarda dos setores mobilizados e sua capacidade de promover a extensão da greve, inclusive em cada local de trabalho das empresas.

Essa lógica não é nova para a Lutte Ouvrière. Já havia prevalecido em 2013, durante a onda de demissões em que os militantes dessa corrente que trabalhavam na fábrica automobilística PSA de Aulnay lideraram a principal greve do momento. Na época, a direção da LO recusou-se a iniciar espaços de coordenação entre diferentes empresas sob o pretexto de que a maioria das outras empresas susceptíveis de aderir à luta de Aulnay não estavam em greve sem data para término. Uma lógica que mais uma vez negava a capacidade de estimular outros setores das PSA Aulnay, cuja tarefa deveria ter sido "não apenas mobilizar seu próprio setor, mas lançar as bases para uma extensão da mobilização e impulsionar os mais hesitantes".

Em última instância, tanto o NPA quanto a LO desempenharam um papel conservador no último ciclo da luta de classes em seu país, desvinculando suas tarefas locais de auto-organização da vontade de construir uma política mais ampla que buscasse impactar o conjunto do movimento, consolidando e coordenando sua vanguarda. Uma lógica que pode ser explicada pela forma como as duas organizações concebem a questão programática.

Lutte Ouvrière, NPA e o trabalho político nas mobilizações: pouco importa o programa, desde que haja "energia"?

Enquanto a LO e o NPA subordinam a auto-organização à forma do movimento, também tendem a se submeter sistematicamente a seu conteúdo. Nas últimas explosões da luta de classes, seria difícil identificar os programas da LO e do NPA, os quais tendem ambos, pelo menos desde 1995, a assumir as reivindicações mínimas e estritamente defensivas das direções sindicais durante os movimentos nacionais.

Essa concepção tende a se adaptar à "divisão do trabalho" mantida pelas direções sindicais - "a gente define os contornos e o ritmo do movimento e os grevistas participam dele" -, mas também à separação e à oposição que as burocracias fazem entre o "político" e o "econômico". No entanto, aceitar essa lógica tende a despolitizar o trabalho da esquerda de ampliar os movimentos, que passam a ser concebidos apenas como uma tarefa ativista, determinada pela “energia” mobilizada pelos grevistas. Encontramos assim o “trabalho ingrato” evocado pelo NPA em 2020 e que tende a ser o único horizonte oferecido aos grevistas, numa concepção que se poderia qualificar de “lutista”: nos movimentos, a chave é só lutar mais.

Desconectando a forma da luta de seu conteúdo, tanto o NPA quanto a LO despolitizam o papel dos revolucionários na luta de classes, negando a maneira como a determinação dos grevistas e o programa pelo qual eles lutam estão intimamente interligados. Em maio de 2019, a Lutte Ouvrière assumiu de forma muito transparente esta lógica num artigo na revista Lutte de classe retomando a luta contra as demissões a partir do exemplo da fábrica da Ford em Blanquefort, em polêmica com o NPA.

Nesse texto, a LO pretendia descrever o que é uma política "classista" contra as demissões e explicava que se tratava de "ficar no terreno de classe, ou seja, expor a situação sem enfeites, evidenciar a sede insaciável de lucro desses grandes grupos capitalistas, a cumplicidade dos Estados. E dizer aos colegas de trabalho que a única coisa que importa é lutar para salvar a nossa pele o melhor que pudermos, e que só teremos aquilo que arrancarmos. Mas o faremos juntos permanecendo unidos na luta até o fim, mesmo que isso signifique nos isolarmos de todo um mundo político-sindical que não é nosso amigo. Nossos aliados devem ser os outros trabalhadores”.

O artigo expõe elementos de princípios muito gerais, que ao longo do artigo andam de mãos dadas com a ideia de que, neste quadro tão amplo, todos os programas se igualam, seja a luta pela manutenção do emprego e pelas condições de trabalho, através da reivindicação da expropriação e controle operário, ou a simples resistência de "vender a pele" o mais caro possível, ou seja, aceitar o fechamento de um local mesmo que isso signifique receber um cheque em troca. Isso se explica, para a LO, pelo fato de que não haveria "palavra de ordem ou pretensão mágica". O "conteúdo" da luta, portanto, não importa, e o que faz a "política de classe" é que os trabalhadores lutem e tomem sua greve em suas próprias mãos, quaisquer que sejam as reivindicações. Uma lógica que prevaleceu na greve da PSA Aulnay e, anteriormente, na Continental, onde as demandas primeiro oscilaram entre a recusa de fechar a fábrica e a negociação de melhores condições de demissão e terminam abandonando a primeira reivindicação.

No entanto, do ponto de vista político e do ponto de vista “da classe”, é difícil não ver a diferença entre as reivindicações relativas às condições de demissão – ou seja, sobre os proventos levados por cada trabalhador despedido – e uma luta para preservar o emprego e o local de trabalho. No primeiro caso, a demanda tende a individualizar a luta. No segundo, oferece a possibilidade de uma política hegemônica, buscando atender a todos os trabalhadores e oprimidos. Na Total, os grevistas de Grandpuits realizaram uma greve de 45 dias em 2020 contra uma proposta de uma grande demissão coletiva visando a venda da refinaria. A luta pela defesa do emprego, e não apenas pela negociação dos “cheques”, foi então um elemento central, não só contra a individualização da luta, mas também para se dirigir à juventude e à população, uma batalha que foi considerada fundamental e que obviamente mudou a percepção da greve fora da categoria.

Da mesma forma, a Coordenação RATP-SNCF, inicialmente, buscou no movimento contra a reforma da previdência vincular um discurso programático radical à crítica à política das direções sindicais de chamar greves de dias isolados antes da negociação. Durante as saudações dos grevistas em 31 de dezembro de 2019, eles disseram o seguinte: "contra a ideia de uma reforma à la Delevoye [Alto Comissário de Pensões da França] e Black Rock [o maior fundo de pensão do mundo], exigimos a implementação de uma reforma da previdência financiada pelos patrões para permitir que milhões de trabalhadores aposentam mais cedo com uma pensão calculada pelo menos pelos últimos 6 meses de salário”. O objetivo estava então claramente assumido: para convencer os setores mais precários de nossa classe, tínhamos que apoiar abertamente um programa que fosse além da defesa do status quo e dos regimes especiais que as direções sindicais defendem.

Do ponto de vista dos revolucionários, a importância da batalha programática também é inseparável do desejo de tecer uma ponte entre episódios específicos da luta de classes e a perspectiva mais geral da revolução. No entanto, desse ponto de vista, todas as reivindicações obviamente não são iguais. E no caso do fechamento de fábricas, uma política que não seja apenas “de classe”, mas também revolucionária significa ir além do possibilismo. Isso é o que os revolucionários têm feito, historicamente, ao exigir, por exemplo, a nacionalização sob controle dos trabalhadores de locais ameaçados de fechamento. A LO e o NPA, que participaram de várias batalhas relacionadas a demissões ou fechamento de locais, parecem ter esquecido isso.

A batalha contra as direções sindicais

Todos esses elementos refletem o mesmo problema: o abandono de uma política de vanguarda em luta aberta contra as lideranças burocráticas do movimento operário. A liquidação desses objetivos leva necessariamente à subordinação às direções existentes. Essa é uma tendência presente tanto no NPA quanto na LO, que se recusam a criticar a política das direções sindicais, com argumentos diversos.

Do lado do NPA, a recusa em criticar as direções do movimento sindical radica desde os anos 1980 numa lógica de “lealdade” perante as direções sindicais que se mostram mais combativas do que as mais reformistas ou conciliatórias e onde a LCR tendia a conquistar posições. Em 1985, essa atitude às vezes complacente foi denunciada pela Lutte Ouvrière. Com a ofensiva neoliberal, essa atitude vai sendo gradualmente justificada pela prioridade dada à “reconstrução a todos os níveis” [2], incluindo os sindicatos. Essas organizações estariam em tão má situação que seria necessário a todo custo abster-se de criticar as direções existentes. Um pacifismo que ignora as razões dessa situação e a responsabilidade dessas próprias direções.

De fato, essa lógica conduz a um discurso de apoio à política das direções sindicais. Também em janeiro de 2020, durante a greve da previdência, os dirigentes do NPA explicaram, duas semanas depois da trégua de Natal imposta pelas direções sindicais, que “a política das direções da CGT e dos Solidaires não é criticável no momento. Martinez (presidente da CGT) passa o tempo explicando que todos os funcionários devem fazer greve, em todos os setores”. Essa tendência anda de mãos dadas com uma incompreensão da tática de frente única, substituída por uma política de “unidade a todo custo”, que pode ter consequências desastrosas para os movimentos sociais. Em 2018, em Toulouse, os ferroviários do NPA optaram por se adaptar à estratégia de "greve intercalada" liderada pela CGT - que consiste em fazer greve por dois dias e trabalhar por três, que desarmam profundamente os grevistas - em nome da recusa em quebrar a unidade sindical, portanto de seguir a estratégia imposta de fato pela burocracia.

Na Lutte Ouvrière, o discurso sobre as direções sindicais é duplo. Embora reconhecendo em princípio o seu papel traiçoeiro, os militantes da LO consideram que a sua crítica conduziria a duas armadilhas: por um lado, alimentar "ilusões" sobre o poder real das direções sindicais que é reduzido; por outro, acreditar que esta crítica não teria o menor impacto. Em ambos os casos, esses argumentos de tipo ultraesquerdista negam o papel objetivo desempenhado pelas direções sindicais para justificar porque evitam a batalha por impor uma orientação alternativa.

Isso é tanto mais verdadeiro quanto esses argumentos andam de mãos dadas com elementos de profunda adaptação à burocracia sindical. Em julho-agosto de 2016, fazendo um balanço da reforma trabalhista, onde a CGT nunca procurou quebrar o isolamento dos setores de vanguarda, sobretudo petroleiros, nem ir além de dias isolados, a Lutte Ouvrière explicou que "a CGT conseguiu assegurar o rumo do movimento até ao fim do confronto com o governo, em primeiro lugar porque ela não tinha de se preocupar sobre ser ultrapassada pela base. A política que propunha correspondia ao próprio movimento, ao nível da mobilização”, antes de adicionar que “é indiscutível que sua escolha [a da CGT], e o fato de ater-se a ela por mais de três meses de enfrentamento, correspondeu aos interesses dos trabalhadores e do movimento de contestação”. Um discurso totalmente complacente, que tende a legitimar abertamente as direções sindicais e que, sem ser inteiramente novo, demonstra a duplicidade do discurso da LO neste terreno.

Essa recusa do NPA e da LO em considerar o papel de freio e canalizador das direções sindicais não é insignificante porque é ela que molda os balanços feitos nos vários episódios da luta de classes. Na verdade, afastando a questão da política das direções sindicais do programa que defendem, da sua estratégia, as duas organizações só podem, em última instância, colocar toda a responsabilidade pelas derrotas nos trabalhadores da base. Com tal concepção, que descrevemos anteriormente como "lutista”, o círculo está completo: se a reforma trabalhista foi aprovada, se a greve contra a reforma da Previdência não se generalizou, se a reforma ferroviária foi imposta é que os trabalhadores não lutaram bastante porque, em última instância, as direções sindicais "fizeram seu trabalho". Um discurso inteiramente falso e que, aliás, só pode alimentar o ceticismo e a desmoralização.

Duas formas de abstencionismo face a movimentos não puramente proletários

Além dos grandes movimentos grevistas nacionais, o ciclo de luta aberto em 2016 foi marcado por grandes mobilizações fora do movimento sindical, não apenas do lado das lutas estudantis, antirracistas, ambientalistas, feministas ou LGBTs, mas também por uma mobilização das franjas periféricas da classe trabalhadora, como o movimento dos Coletes Amarelos. Essas lutas desempenham um papel importante na luta de classes, especialmente no confronto com os governos. Pensemos, por exemplo, no terremoto provocado pelo movimento Black Lives Matter nos Estados Unidos. Na maioria das vezes, esses movimentos impactam a classe trabalhadora, que obviamente está preocupada com essas lutas, nas quais ela às vezes participa ou com as quais tem interesse em se aliar.

No entanto, a atitude da LO e do NPA em relação a esses movimentos, que politizam setores significativos da juventude, corresponde a duas variantes do abstencionismo. A de Lutte Ouvrière é a mais óbvia e se baseia em um sectarismo secular em relação às lutas marcadas como “não (estritamente) proletárias”. Essa atitude pode ser expressa de várias maneiras, desde o desprezo até a condescendência e a ignorância.

Em todos os casos, a LO conclama esses movimentos a se alinharem sabiamente por trás da única luta que realmente importa, a da classe trabalhadora, enquanto se recusa a fazer política nesses movimentos ou em direção a esses movimentos a partir de suas posições no movimento operário. É o caso, portanto, da luta antirracista, totalmente ignorada pela Lutte Ouvrière em nome de uma lógica que a subordina às lutas da classe trabalhadora que devem ser travadas em um terreno antes de tudo econômico.

Essa lógica abandona a concepção leninista de hegemonia, que considera que a classe trabalhadora só pode se unir e se candidatar à direção da sociedade na medida em que mostra sua capacidade de assumir politicamente todas as lutas contra as opressões. Além disso, abre caminho para uma adaptação às concepções reacionárias que atravessam a sociedade. Assim, em 2017, a Lutte Ouvrière conseguiu atacar de forma virulenta a denúncia da islamofobia, o que fez parte da continuidade de posições que levou essa organização ao adaptar-se às ofensivas racistas do início dos anos 2000, apoiando (assim como todo um setor da LCR) a lei racista de 2004 sobre o véu nas escolas.

E essas posições da Lutte Ouvrière evoluíram pouco diante da manifestação de 10 de novembro de 2019. A Lutte Ouvrière ignorou amplamente o movimento dos Coletes Amarelos, recusando-se a tomar qualquer iniciativa que não fosse a possibilidade de seus militantes irem às manifestações discutir e não hesitando em explicar em dezembro de 2018, no auge do movimento, que “obviamente não somos nós [LO] que podemos orientar politicamente este movimento. E, novamente, este não é o nosso objetivo. Nosso objetivo é abordar politicamente os trabalhadores dessas cidades de médio porte e tentar promover sua consciência política”.

Se o NPA quis ser o “partido das lutas” quando foi criado, ele ofereceu uma variante mais sutil do abstencionismo: o movimentismo. Essa atitude consiste em diluir-se estrategicamente nos movimentos, contentando-se em construí-los e/ou participar deles sem buscar defender uma perspectiva particular. No campo das lutas contra a opressão, os militantes do NPA, que podem reivindicar a centralidade da classe trabalhadora, se contentam em defender a necessidade de “construir movimentos feministas, antirracistas e LGBTs fortes, combinando-os com uma política de luta de classes”. Na prática, essa abordagem coloca debaixo do tapete a questão da batalha política a ser travada nesses movimentos para defender a luta de classes e uma orientação revolucionária. Uma diluição estratégica que logicamente anda de mãos dadas com uma tendência de adaptação aos rumos das diferentes lutas, sem liderar a batalha para mudar sua orientação. No momento da luta contra a Lei de Segurança Global, ao tomar a iniciativa central de organizar em dezembro uma das raras manifestações que procuram vincular a luta contra a lei separatista e a Lei de Segurança Global em dezembro de 2020, o NPA recusou-se assim a lutar séria e publicamente contra o corporativismo das direções da Coordenação contra a lei de segurança global, que assumiu abertamente aplicar tal orientação.

No movimento dos Coletes Amarelos, ao participar dos bloqueios de estradas e manifestações, essa diluição teve o efeito de poupar completamente as lideranças sindicais, que tiveram um papel fundamental na manutenção do movimento dos Coletes Amarelos no isolamento, sozinhos diante da feroz repressão de Macron aos Sábados. Em um balanço do movimento dos Coletes Amarelos, um líder do NPA observou: “Uma das questões-chave do período continua sendo a necessidade de quebrar a separação entre, por um lado, um movimento trabalhista estabelecido em grandes estruturas, (…) e, de outro, setores precários, com potencial de radicalização, mas com grau de politização e organização muito inferior. O movimento dos Coletes Amarelos permite refletir sobre esse problema, mas não o resolve.” Uma avaliação superficial que descarta a responsabilidade das lideranças sindicais, que não só não convocaram a adesão às mobilizações no auge do movimento, como chegaram a denunciá-las em um vergonhoso comunicado à imprensa publicado em 6 de dezembro de 2018.

Sobre a organização que precisamos

À luz dessas avaliações, é possível formular rapidamente os contornos da organização de que precisamos. Uma organização com clareza estratégica, que reivindica o marxismo revolucionário e a centralidade da classe trabalhadora, mas que desenvolve uma política hegemônica colocando no centro a necessidade não apenas de unir a luta da classe trabalhadora com todas as lutas contra a opressão, mas também de lutar nos movimentos feminista, LGBT, antirracista, ambientalista por uma orientação revolucionária. Contra sua dupla liquidação obreirista e movimentista pela LO ou NPA, a centralidade da classe trabalhadora é um pilar essencial de qualquer estratégia voltada para a derrubada do capitalismo.

Uma organização que luta abertamente contra as burocracias sindicais, construindo não apenas frações revolucionárias nos sindicatos, mas também perseguindo políticas audazes de auto-organização que permitem encarnar direções alternativas nas grandes batalhas. Isso implica recusar a concepção que faz da “frente única” uma unidade a todo custo, confundindo os aspectos táticos e estratégicos dessa ferramenta. Mas isso também implica pôr fim à ilusão de coexistência pacífica, levada nas últimas décadas pela LO e que acaba de receber um violento golpe na tentativa de exclusão burocrática da CGT PSA Poissy depois de ter construído lealmente a federação metalúrgica ao lado de uma burocracia sindical pós-stalinista que, hoje, a quer enterrar.

Em última análise, esses elementos configuram um partido que assume o seu papel de vanguarda, contra as concepções que, por adaptação ou sectarismo, o relegam para trás ou para fora dos movimentos da luta de classes. É essa concepção que irriga as nossas intervenções no Révolution Permanente, procurando “desdobrar em cada batalha um arsenal estratégico e programático que nos permita levar estas experiências o mais longe possível, saindo do quadro imposto pela rotina sindical.”

Tal nos parece ser o caminho para a construção de uma nova organização revolucionária para a nossa classe nas suas lutas quotidianas, mas também útil para a perspectiva da revolução na França e, mais amplamente, à escala europeia e internacional. É essa lógica que preside o apelo à construção, com todos os que se reconhecem nesta luta, de uma nova organização revolucionária formulada em Junho passado, e no Congresso para a fundação de uma nova organização hoje.


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FOOTNOTES

[1Veja em particular esse artigo da revista teórica do SWP que, apesar de cometer uma série de erros importantes, ressalta o papel cumprido pela Coordenação RATP - SNCF. No artigo, citam a política de “jornada escura” que nunca foi apoiada pela Coordenação RATP - SNCF, sendo na verdade uma iniciativa da direção sindical da RATP. Esse erro não é um mero detalhe, na medida em que marca uma incompreensão da lógica (inversa) desse organismo de auto-organização que buscava, pelo contrário, justamente estender a greve no transporte e ao mesmo tempo organizar discussões com outras categorias, vendo nesta a única maneira de evitar o impasse do isolamento dos grevistas.

[2Para usar a fórmula de Daniel Bensaïd em “Novo período, novo programa, nova festa” em Penser Agir, Nouvelles éditions Lignes, 2008.
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