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Crise migratória | O que a África tem a ver com a guerra na Ucrânia?

A crise de refugiados aberta com a invasão das tropas russas sobre o território ucraniano abriu uma crise migratória. São filas enormes de trabalhadores ucranianos esperando sua vez de deixar o país, esperando por um cessar fogo, nos trens se despedindo de seus maridos ou andando por horas para atravessar a fronteira. No meio disso tudo, estão os trabalhadores negros imigrantes que estão sendo impedidos de deixar o país em guerra, expondo o racismo dessa crise imigratória.

Renato ShakurEstudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF

sexta-feira 11 de março de 2022 | Edição do dia

Imagem: WOJTEK RADWANSKI/AFP/Getty Images

O conflito tem origem na invasão das tropas de Putin, uma das potências militares mundiais que tem bomba nuclear, sobre a Ucrânia para impor à população ucraniana e ao governo de Zelensky , frente ao cerco que países imperialistas europeus junto a OTAN com apoio dos EUA vem fazendo aos países do leste europeu ao longo dos anos, para também impor seus interesses sobre a região. Já são mais de 1 milhão de refugiados que fogem da guerra. São inúmeras denúncias de que o exército e a polícia ucranianas e de outros países impedem refugiados da África, Oriente médio e até latinos de saírem do país antes dos ucranianos.

Veja o vídeo onde estudantes africanos tentam passar a fronteira entre Polônia e Ucrânia e são impedidos por soldados poloneses apontando seus fuzis em direção a eles:

Tradução da legenda: "Vejam como eles ameaçam atirar na gente! A polícia e o Exército se recusaram a deixar os africanos atravessarem, só deixaram os ucranianos. Alguns dormiram aqui por dois dias nesse frio cortante, enquanto outros tiveram que voltar."

É inadmissível que estudantes e trabalhadores africanos sejam impedidos de deixar um país em guerra por conta de sua cor. Isso demonstra o caráter racista da polícia e do exército de Zelensky. Não pode haver discriminação de nenhum tipo numa situação tão extrema como essa, justamente quando refugiados tentam deixar seu país.

Na internet, em alguns veículos de comunicação e nas redes sociais a crise imigratória que está sendo atravessada pelo racismo contra os africanos e as populações negras abriu um debate importante. Nele há um setor que minimiza o fato de ter uma guerra com uma invasão a um país do leste europeu e todo sofrimento de uma população que está vendo seu país sendo bombardeado pelas tropas russas, em relação ao sofrimento histórico de guerras, ocupações, crises econômicas, crises migratórias que vem sofrendo o continente africano. Há um outro setor que diz que a grande cobertura da mídia em torno da guerra é por conta de ser uma população branca e que este tipo de comoção nunca existiu com os conflitos na África.

O fato é que a guerra produz níveis extremos de barbaridades, existe inclusive um porão da maternidade para que jovens e mulheres trabalhadoras ucranianas tenham seus filhos e cuidem de sua gestação em meio a guerra.

Outro fato é que o sofrimento africano, e das populações não-brancas do mundo são atravessados pelo racismo e pela xenofobia que são base para as políticas imperialistas. Por isso, a mídia internacional dirigidas pelas burguesias imperialistas pouco falaram da crise migratória da guerra da Síria e do Afeganistão, ou nem sequer comentam dos bombardeios norte americanos sobre a Síria orquestrados por Kamala Haris, uma mulher negra; não mencionam também sobre a guerra civil que está imerso o Sudão do Sul, país no noroeste da África que tem 3,8% da população vacinada contra a covid-19. Nem falar, dos ultranacionalistas e da extrema direita europeia que utilizam da questão imigratória e do racismo em seu programa eleitoral e de governo, como é o caso de Marine Le Pen na França e Viktor Orban na Hungria.

Poderíamos listar mais e mais casos que mostram como o racismo e a xenofobia são parte fundamental do imperialismo, como é o caso dos 6.595.400 milhões de refugiados ou em condição de refugiados africanos pelo mundo que são resultado de intervenções imperialistas diretas ou indiretas no continente africano.

O fato é que o combate à extrema direita e ao imperialismo que se valem desse tipo asqueroso de opressão não pode nos levar a uma conclusão de que a guerra na Ucrânia está imersa num conflito entre negros e brancos. Pelo contrário, o que está em jogo é se os trabalhadores ucranianos, em unidade com trabalhadores africanos, russos e europeus podem dar uma saída independente ao conflito, por uma Ucrânia operária e socialista. É muito importante o que já estamos vendo na Rússia com os milhares nas mobilizações contra a guerra e a greve na fábrica de Gemont, como também nas mobilizações no Iraque contra o aumento dos preços por conta da guerra.

Leia: Diante da guerra na Ucrânia é necessária uma batalha internacionalista por uma posição independente

Leia também: Não à guerra! Fora as tropas russas da Ucrânia! Fora OTAN da Europa Oriental! Não ao rearmamento imperialista!->https://esquerdadiario.com.br/Nao-a-guerra-Fora-as-tropas-russas-da-Ucrania-Fora-OTAN-da-Europa-Oriental-Nao-ao-rearmamento]

Essa forma equivocada de ver o conflito que leva a uma adaptação a um dos lados em disputa, confunde os interesses que estão em jogo. Uma visão marxista da guerra da Ucrânia diria que o rearmamento imperialista tem o objetivo de afetar diretamente a África. Não podemos ser ingênuos de que o rearmamento histórico da Alemanha e suas armas serão apontados pro continente africano e contra o proletariado alemão.

Além disso, a redução do conflito entre negros e brancos, impede de ver que Putin é o maior fornecedor de armas do continente africano, 30% das armas compradas pelos governos da África subsariana vieram da Rússia Essas armas vêm diretamente do Kremilin são utilizadas para reprimir os trabalhadores e os povos africanos! Não à toa Argélia, Angola, Burundi, República Centro-Africana, República do Congo, Madagáscar, Mali, Moçambique, Namíbia, Senegal, África do Sul, Sudão do Sul, Sudão, Uganda, Tanzânia e Zimbabué, se abstiveram na votação contra a guerra na Ucrânia. Uma aliança que vem desde a extinta URSS stalinizada e que os governos africanos atuais estão dispostos a manter.

Uma visão que não é marxista e não compreenda o conteúdo de classe deste conflito e não batalhe por uma posição independente, também não enxerga as implicações econômicas que a guerra da Ucrânia traz, como é o caso do aumento do gás de cozinha e do preço dos combustíveis no Brasil. As sanções econômicas, longe de afetar as burguesias russas, ucranianas ou europeias, afetam diretamente a população pobre e trabalhadora desses países e de países como o Brasil. No caso da África, as sanções da guerra vão reduzir o comércio com o continente que depende das exportações de grãos tanto da Rússia quanto da Ucrânia. Na prática, isso significa um aumento brutal da fome entre os africanos que mesmo antes da guerra já estavam imersos num cenário profundo de insegurança alimentar.

Por isso, só uma saída independente em perspectiva internacionalista do proletariado ucraniano em unidade com os trabalhadores africanos, russos e europeu pode dar uma saída para guerra. Os trabalhadores tem interesse distintos aos dos governos em disputas, não podem cair no colo do ultra nacionalismo reacionário de Putin, nem no da OTAN e dos imperialismos, muito menos de Zelensky e da burguesia ucraniana que ficou durante anos sob influência europeia. Também devemos repudiar todas expressões de xenofobia e racismo contra os imigrantes, desde os sindicatos e mobilizações que os trabalhadores no mundo inteiro estão protagonizando contra a guerra. Não à guerra! Fora as tropas russas da Ucrânia! Fora OTAN da Europa Oriental! Não ao rearmamento imperialista!




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