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Direito ao aborto | O que foi o caso Roe vs. Wade que a Suprema Corte dos EUA acabou de derrubar?

A Suprema Corte dos EUA acaba de derrubar uma decisão de 1973 que descriminalizou o direito ao aborto em todo o país. Trata-se de um avanço histórico contra os direitos das mulheres e das pessoas com capacidade de gestar. Esse artigo explica sobre o que foi essa decisão e como avançou essa ofensiva conservadora que permitiu sua revogação.

Celeste MurilloArgentina | @rompe_teclas

sexta-feira 24 de junho de 2022 | Edição do dia

Em 1970, duas jovens advogadas Sarah Weddington e Linda Coffee entraram com uma ação contra a criminalização do aborto no estado do Texas. Sua cliente, Norma McCorvey, levaria o nome fictício de Jane Roe para proteger sua identidade. Henry Wade era o procurador designado no distrito. Qual foi o argumento do processo? A criminalização viola o direito à privacidade garantido pela Constituição dos Estados Unidos.

Uma decisão unânime lhes deu razão, o estado do Texas apelou e se tornou o caso que resultou na decisão Roe versus Wade da Suprema Corte em 1973: o fim da criminalização. O Estado não poderia interferir na decisão de uma mulher de interromper sua gravidez. Não é um momento qualquer: a segunda onda do feminismo estourou em várias cidades, as ruas estavam pegando fogo anos atrás pelo movimento dos direitos civis, contra a guerra e pela liberação sexual.

Até 1973, a maioria das igrejas ignorava a questão (muitas nem processavam as mulheres que recorreram ao aborto). Logo após a decisão, a Igreja Católica e várias igrejas evangélicas começaram a organizar um movimento contra o direito conquistado pelas mulheres. E a partir da década de 1980, a luta contra o direito ao aborto tornou-se uma bandeira de setores conservadores e de direita (modelo reproduzido em todo o mundo até hoje).

Desde aquele ano, as mortes por abortos caíram drasticamente, assim como o número de abortos realizados. A legalização favorece o acesso à saúde integral para mulheres e pessoas com capacidade de gestar. A aplicação das leis depende das legislaturas estaduais e, embora não possam contrariar a decisão da Corte, podem avançar restrições, como têm feito nos últimos anos.

A atual revogação da decisão é o capítulo mais recente de uma longa ofensiva contra os direitos das mulheres de decidir sobre seus corpos. Desde o final da década de 1970, setores religiosos e conservadores bombardearam clínicas de aborto legal, atirando em profissionais de saúde e pacientes. Em 1977 mataram 5 pessoas, bombardearam e queimaram 13 estabelecimentos. Entre 1990 e 2015, foram registrados 11 assassinatos (e 26 tentativas). O último relatório da Federação Nacional do Aborto (NAF) diz que houve 78.000 piquetes e escrachos em clínicas, a taxa mais alta já registrada.

Somam-se a isso as restrições legais. Nas últimas décadas, foram promovidas 1.074 restrições ao direito ao aborto, e 30% foram promulgadas a partir de 2010 (nos governos de Barack Obama e Donald Trump). Em 29 estados há legislação hostil ao direito ao aborto e 6 em cada 10 mulheres em idade reprodutiva vivem nesses estados.

Depois do Texas, seguiu-se o processo anti-direitos contra a única clínica do Mississippi que realiza abortos legais e reverte um direito elementar em todo o país. Essa é a verdadeira agenda da direita há anos: restrições de voto nas legislaturas e argumentar legalmente nos tribunais estaduais para chegar à Suprema Corte.

O atual governo democrata de Joe Biden afirma defender os direitos das mulheres e das pessoas com capacidade de gestar, mas até agora não deu nenhuma garantia para impedir o avanço de setores conservadores. Nem os democratas no Parlamento nos últimos 50 anos. Apesar de terem tido maioria em ambas as câmaras por longos períodos, eles nunca avançaram para que o direito ao aborto se tornasse lei, deixando essa decisão nas mãos dos juízes da Suprema Corte que, como demonstrado hoje, acabam com esse direito fundamental ao aborto de um dia para outro.

Agora, espera-se que ao menos em vinte estados o direito ao aborto seja automaticamente proibido, enquanto outros estados aplicam todo tipo de restrição, perseguição e penalização a mulheres ou instituições que prestam ajuda. Um dos juízes, Clarence Thomas, chega a sugerir que, após a atual anulação de Roe v Wade, as decisões que garantem a saúde sexual e reprodutiva e as relações homossexuais e o casamento também sejam revistas. Ou seja, o avançado conservador busca ir muito mais longe.

Esses direitos não podem depender de decisões judiciais. Somente o aborto legal garante a igualdade de acesso a um direito elementar. Qualquer retrocesso não significará menos interrupções voluntárias, apenas representará mais desigualdade e maiores riscos para a saúde das mulheres e das pessoas com capacidade de gestar. Quando as mulheres conquistaram o direito ao aborto legal em 1973, aprenderam rapidamente que sempre teriam que defendê-lo. Hoje, em 2022, vários direitos conquistados com a mobilização - mesmo os restritos, cerceados e entravados - estão sob ataque e confirmam que nessa democracia nenhuma vitória é permanente.

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