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Debate | PCB: da participação na coligação Lula-Alencar de 2002, à Frente Ampla em 2020, o que vem em 2022?

O PCB nesta eleição está apresentando candidaturas independentes, criticando o PT, suas alianças e falando “contra a conciliação”. Mas sua política dos últimos 20 anos mostrou uma continuidade da sua tradição histórica de conciliação de classes, pois fez parte da coligação governamental de Lula com Alencar (PL) em 2002 e em 2020 fez parte da Frente Ampla com a REDE, PSB, PDT, PT e PCdoB em vários lugares. Isso se mostra nos conteúdos com que defendem agora suas pré-candidaturas.

quinta-feira 14 de abril de 2022 | Edição do dia

Na dura luta que está colocada no Brasil de como enfrentar a extrema direita, o bolsonarismo e os ataques, viemos dando uma batalha por uma política de independência de classe, que não embarque na política de conciliação petista, que está se coroando na chapa Lula-Alckmin como símbolo (acompanhado de política similar nos estados e no conteúdo da campanha petista). A maioria do PSOL vem se adaptando à essa política, apoiando a chapa Lula-Alckmin e fazendo uma Federação com a REDE, sobre o que viemos elaborando diversos artigos e uma carta aos militantes do PSOL e estamos construindo o Polo Socialista Revolucionário junto à outros setores na luta, por uma referência de independência de classe à esquerda do PT. Neste cenário, é necessário debater com as demais organizações que buscam se apresentar como alternativas à esquerda do PT, como o PCB, e vermos em que medida sua política é de independência de classe, como eles se auto-definem.

O PCB lançou a pré-candidatura de Sofia Manzano para a presidência, além de outras pré-candidaturas estaduais, fundamentada no “momento em que a maioria das forças políticas está propondo alianças com setores que apoiaram o golpe de 2016, mas que também são responsáveis pelas tragédias que estamos vivendo”. Em outra nota, fala que “os acordos que estão sendo firmados com elementos direitistas como Geraldo Alckmin tendem a amarrar ainda mais o programa e as ações de um eventual governo do PT, do que ocorreu com a ‘Carta ao povo brasileiro’”.

Tal Carta foi escrita pelo então candidato Lula em junho de 2002, com objetivo explícito de se comprometer com o capital financeiro, os investidores e especuladores. Vale ler na íntegra, mas entre outras barbaridades, fala contra o “protesto destrutivo”, anuncia que “parcelas significativas do empresariado vêm somar-se ao nosso projeto”, defende o “caminho das reformas estruturais” para um Brasil “mais competitivo no mercado internacional”, como as “reforma previdenciária, da reforma trabalhista” e outras, que o “novo modelo” “será fruto de uma ampla negociação nacional”, “um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade”, “respeito aos contratos e obrigações do país”, visando “superar a fragilidade das finanças públicas”, com uma “política dirigida a valorizar o agronegócio”, compromete-se que “Vamos preservar o superávit primário” e a “confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos”, com um “equilíbrio fiscal consistente e duradouro” e por um “Brasil de todos”.

Mas o PCB que agora fala da famosa “Carta ao povo brasileiro” como um signo de conciliação, nunca diz que, em 2002, entrou como partido na coligação Lula - José Alencar, oficialmente, que envolveu não somente o burguês monopolista José Alencar como vice, mas o seu partido, o Partido Liberal (PL), além do PMN e PCdoB. Agora critica a política de alianças do PT e na comemoração de seus 100 anos vociferaram um “orgulho” de uma trajetória que supostamente desde 1992 se deu conta que era necessário ser “contra a conciliação de classes”, mas não explicam (não há um militante sequer que faça referência, é algo que gostariam que fosse esquecido) por que justo eles que tanto falam contra os liberais e o liberalismo, fizeram parte dessa coligação em 2002 com o partido que não somente é liberal desde o nome, mas é hoje o partido de Jair Bolsonaro, Cláudio Castro, Valdemar da Costa Neto e um longo etc. Um partido da pior espécie do “Centrão”, que é um conceito que oculta o quanto são de direita. Esse partido depois se unificou com ninguém menos que Enéas e o PRONA, fundando o “Partido da República”, que agora volta a se chamar “Partido Liberal”. Ou seja, o PCB se coligou com o partido de Enéas e Bolsonaro. O PMN, que também fez parte da coligação, é outro partido burguês do “Centrão”, que apoiou José Serra em 2010 e Aécio em 2014 e chegou a debater fusão justamente com o ex-dirigente histórico do PCB: Roberto Freire e seu PPS, agora Cidadania, que defende as alianças desse partido com o PSDB.

Sequer o lançamento de tal Carta por parte de Lula foi motivo para o PCB deixar de compor a coligação de governo, mesmo quando este atacava os trabalhadores com a aprovação da prometida (e registrada previamente na Carta) Reforma da Previdência, em 2004. Foi somente depois deste e outros ataques, que o PCB concluiu em 2005 que era necessário romper com o governo. Como em vários momentos de sua história, o passo supostamente “à esquerda” do PCB foi empurrado pelo movimento de massas, pois começou a se dar um processo de rupturas com o PT pela esquerda, enfrentando-se com o governo cuja coligação os “comunistas” compunham.

Como sempre tardiamente, o PCB concluía em seu XIV Congresso de 2014, que o PT "tem uma política ’republicana’ que supostamente atenderia aos interesses de ’toda’ a sociedade, proposições próprias do ideário liberal, portanto burguês, em sua fase histórica de explícito recuo conservador. A lógica política é a da conciliação de classe, do interesse da ’nação’ acima dos interesses de classes, da harmonização dos conflitos e, principalmente, da crença que o desenvolvimento da economia capitalista resolve as desigualdades sociais”. No mesmo congresso, definem que "o bloco liberal burguês encontra uma unidade estratégica em forças políticas que divergem na tática. PT, PSDB, PMDB, DEM, PP, PSB, PTB, entre outros partidos". Ou seja, incluem o PT e PSB dentro de um “bloco liberal burguês” (notem que poupam o PDT, com o qual o PCB nunca esconde suas simpatias). Resgatamos uma definição de seu Congresso de 2014, porque segundo a forma como eles contam sua história, este teria sido o Congresso em que enfim teriam chegado a “conclusões profundas” sobre como superar a conciliação de classes e também porque o PCB sempre tenta se esquivar de críticas com uma suposta “pluralidade”, argumento que não se pode utilizar com resoluções dos (poucos) congressos que o PCB realiza e que, como veremos, não servem para definir qualquer critério para a atuação prática do partido. As resoluções congressuais para eles são a “propaganda comunista” que encobre políticas como as que estamos aqui tratando.

A conciliação do PCB nas eleições de 2020

É que a conciliação de classes é um DNA estrutural na conformação do PCB e sua tradição stalinista, isto é, sempre resiste ali no partido apesar das eternas e tardias “autocríticas”, que se mostram portanto como falsas. Basta ver como atuaram na última eleição de 2020 em que mantiveram a mesma política. Diante da disputa eleitoral em Pernambuco este ano, agora o PCB ressalta o dado de que o PSB votou 40% da pauta do Congresso, em acordo com o bolsonarismo. Isso não é uma novidade, o PSB apoiou o golpe institucional e em grande medida a obra econômica do golpe de conjunto, era o partido de Paulo Skaf (ex-presidente da FIESP e bolsonarista), tendo apoiado reformas como a da Previdência, assim como a Rede e o PDT. Mas, nesse momento, o PCB resolveu se aliar não somente ao PT e PCdoB, mas com o partido de Geraldo Alckmin, o PSB, o PDT e a REDE (que agora criticam frente à Federação do PSOL num aparente “principismo”), como já debatemos com o PCB neste texto anterior.

O PCB fala agora contra a Frente Ampla, mas fez parte dela em 2020 em frentes com PT, PCdoB, PDT, PSB e REDE. Mas quando eles fazem parte da Frente Ampla, para eles ela não é um “bloco liberal burguês”, mas a “virada para o Poder Popular”, como fizeram em São Paulo. Sim, o tal “Poder Popular” que seria o “rumo ao socialismo” era esse bloco. Mesmo que Boulos e Erundina estivessem explicitamente sentando com a patronal dos comércios e tinha Manifesto de apoio de investidores e empresários. O mesmo Boulos que agora vai se aliar com o tucano Geraldo Alckmin.

Vejamos somente mais alguns exemplos de 2020. Em Manaus, o PCB foi parte da coligação com PT, PSOL e REDE. Em Florianópolis, apoiou criticamente a chapa encabeçada por Elson Pereira, do PSOL, em aliança com PT, PCdoB, PDT, PSB, REDE e UP. Em Belém, o PCB apoiou a chapa composta pelo PSOL, PT, PCdoB e também com a Rede e o PDT, além da UP. Essa chapa ameaçou aprovar a Reforma da Previdência Municipal e congelou salário de servidor público e há poucas semanas aumentou a tarifa de ônibus à base de repressão policial à juventude que lutava contra esse ataque. Sobre isso, agora o PCB, buscando livrar-se de responsabilidade, diz que “fez voto crítico ao candidato” e o chama de “esquerda liberal com sua política conciliatória que não beneficia a população”, o que é mais uma distorção histórica, já que na época o PCB “reafirmou seu total apoio à candidatura de Edmilson” e ainda definiu como “o voto na esperança contra o ódio”.

Jones Manoel na Globo News

Recentemente, para fazer demagogia como “democrática”, a Globo News chamou Jones Manoel para uma entrevista, uma visibilidade que não tiveram nas últimas décadas. Vejamos se o que disse nessa entrevista expressa, enfim, alguma ruptura do PCB com esse DNA de conciliação de classes e sua concepção de que tipo de alianças está disposto para o enigmático “Poder Popular”. Na entrevista, após apresentar de maneira ambígua sua proposta de "Frente de Esquerda" sem dizer quem a comporia, Jones Manoel é perguntado pelo entrevistador se essa Frente seria "PT, PCdoB, PSOL e PCB", e questiona se caso fosse eleita governaria, citando as experiências de Jango e Dilma, que foram impedidos por golpes. A isso, Jones Manoel responde que sim, "governa", defendendo que tudo depende de chamar as massas a lutar em apoio às medidas do governo. Ou seja, não nega a possibilidade de compor governo com o PT e PCdoB novamente, desde que fosse uma suposta "Frente de Esquerda". Uma Frente de Esquerda com um partido que tem uma política republicana, ideário liberal, burguês, em recuo conservador, como eles definem.

O que expressa novamente com essa posição é que o problema de Lula-PT para o PCB agora é a aliança com Alckmin, mesma política da ala majoritária do PSOL que agora o PCB critica. Ou seja, ainda que, diferentemente do PSOL, o PCB se apresente com “independência organizativa” com candidaturas próprias, quando fala para as massas, alimenta a ilusão num PT fictício, que poderiam governar juntos em uma “Frente de Esquerda” que governe “apoiada na mobilização”. Essa é a mesma política da maioria do PSOL, embora o PCB venha afirmando que não apoiaria a chapa Lula-Alckmin. Falam isso ressaltando que ainda não se decidiram por ser oposição a um suposto governo Lula-Alckmin em 2023. O PCB se coloca no lugar de pressionar por um Lula e PT que nunca existiram. Ou para o PCB aquele governo de 2002 que fizeram parte era a “virada do Poder Popular” com Lula-Alencar baseado na mobilização?

Além disso, Jones Manoel reivindicou como exemplos de governo que querem fazer os casos Brizola, Erundina, Olívio Dutra, Luiziane Lins e João Paulo. Fazemos apontamentos aqui sobre esses governos sem pretender esgotar um balanço. Sobre Brizola, não à toa seu centenário trouxe saudações de Rodrigo Maia, passando por Ciro Gomes e chegando até a PCB e UP. David Miranda rompeu com o MES-PSOL reivindicando mais fortemente o brizolismo, ainda que essa corrente também reivindique Brizola como um grande estadista a ser seguido, com "gestão pública perfeita", como disse Pedro Ruas. Só essa variedade de tão amplo espectro de reivindicações já diz algo. Mas o pior é que mesmo as reivindicações desses setores que se apresentam como comunistas são não somente daquele Brizola dos anos 60, que foi a ala mais radical da corrente burguesa que tendia a um bonapartismo sui generis de esquerda. Esse debate é central, mas Jones Manoel chega a reivindicar inclusive os governos que Brizola fez nos anos 80 no Rio como referências.

O Brizola dos anos 80 foi um grande artífice da transição pactuada, que preservou grande poder aos militares, sendo um dos articuladores da anistia, perdoando torturadores e assassinos. Brizola chegou a defender a prorrogação do mandato do ditador Figueiredo e foi um dos últimos políticos a defender a saída de Collor, já que se beneficiava de recursos federais em uma aliança informal. No entanto, fazia tudo isso por trás de uma imagem combativa, que até hoje o PCB reforça. Apesar das diversas falas sobre desenvolvimento nacional, com um ou outro atrito com algum setor empresarial, suas posições eram plenamente condizentes com um gestor “crítico” dos ataques neoliberais no Rio, como em seu apoio à privatização da CSN e tendo como suas principais medidas um projeto educacional que não se chocava com a falta de recursos da educação como um todo e era plenamente aceitável ao neoliberalismo, tanto que os CIEPs de Brizola viraram CAICs no governo Collor, em parceria com aquele governo. Aqui se expressa novamente a questão de que até hoje o PCB mantém certa reivindicação do “trabalhismo”, quando analisam recentemente que "Ciro, como bem pontua Milton Temer, é um candidato da social-democracia. Sem dúvidas, posicionado à esquerda de Lula". Não queremos aqui embelezar Lula, mas mostrar como o PCB sempre adora conciliar com o trabalhismo burguês herdeiro do brizolismo.

Sobre a prefeitura de Erundina, como dissemos na eleição de 2020: “No período da gestão Erundina, o país vivia uma forte crise inflacionária e um dos maiores ascensos grevistas da nossa história. As greves lutavam por salário e questionavam na prática a ferramenta que era utilizada para aumentar a exploração do conjunto da classe trabalhadora. A hiperinflação era um mecanismo de transferência de renda direta da classe trabalhadora para os bancos e para os proprietários das grandes empresas. Mas a gestão Erundina não se converteu num bastião da luta da classe trabalhadora. Ao contrário, quando os rodoviários de São Paulo entraram em greve, respondeu com repressão para derrotar a greve, demitindo mais de 400 motoristas e cobradores. Uma derrota que abriu caminho à privatização no ano seguinte, pela gestão Maluf”. Aqui fica claro como não se trata de “governar apoiado na mobilização das massas”, mas garantir a ordem do regime capitalista reprimindo a classe trabalhadora.

Jones Manoel também reivindica Olívio Dutra, mas esse reconhecimento não é exclusivo do PCB, já que a forma de gestão de Dutra em Porto Alegre chegou a ser elogiada por organismos imperialistas como o próprio Banco Mundial, tendo como grande trunfo o chamado "orçamento participativo", que seria, para a demagogia petista, uma forma de avançar da democracia representativa para a "participativa". Olívio Dutra transformou Porto Alegre em cidade modelo desse esquema com o PT, mas, diga-se de passagem, sem esse nome, essa medida também foi utilizada por partidos burgueses e da direita, como o PFL, herdeiro do Arena, e outros. Isso porque, nas palavras do próprio Secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Arno Augustín, "a prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, saiu de um déficit de mais de 35% e de um gasto com pessoal de 98% para uma situação de equilíbrio fiscal, alcançada por meio do aumento de ingressos próprios. Isso, por sua vez, possibilitou uma redução do gasto com o pessoal de mais de 30 pontos percentuais, depois de 10 anos de participação popular" (Folha de São Paulo: A reforma tributária deve incluir a rediscussão do pacto federativo?, 26/06/1999). Ou seja, sem romper com nenhum mecanismo de subordinação dos orçamentos aos banqueiros, como a própria dívida do estado, a população, no máximo, "geria a miséria" no tal “orçamento participativo”, política com a qual o PT legitimava a resolução do déficit fiscal, inclusive com aumento de impostos, corte de salários e demissões. Mas para o PCB o “orçamento participativo” é parte do confusionista "Poder Popular" e também de experiências de “governos de esquerda” que na prática reforçam a estrutura do Estado capitalista. Já como governador do estado, Olívio Dutra, enfrentou uma significativa greve dos professores, que também não foi um “ponto de apoio” de Dutra, mas enfrentada por ele.

Conclusão

Com suas candidaturas separadas organizativamente e a quantidade de vezes que falam de “comunismo", o PCB engana setores de vanguarda que agora pensam que se trataria de um grupo que avançou para a “independência de classe”. Aqui nos limitamos a mostrar como mesmo depois de todos os (falsos) balanços do PCB, eles seguem praticando uma política de conciliação de classes e estão sempre abertos a participar da administração do Estado Burguês com “governos de esquerda”, o que se liga justamente à sua concepção de “Poder Popular”. Neste artigo nos limitamos a expressar como em 2022 não se deve esperar algo diferente do que o PCB fez em toda sua trajetória de conciliação de classes, que também teve seus momentos episódicos de “discurso e propaganda de esquerda” mas que na política concreta sempre foi tratada como se fossem meras “questões táticas”. A separação “organizativa” atual do PT, com pré-candidaturas próprias, deveria ser o mínimo para qualquer setor da esquerda. Mas a conciliação de classes segue sendo um DNA do PCB.




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