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Paralisação nacional na França: petroleiros em greve desencadeiam crise na Europa

Apesar dos ataques judiciais, segue em curso na França uma forte greve nacional de petroleiros, iniciada na ExxonMobil no dia 21 de setembro, secando as bombas de gasolina do país, e que vem despertando outras categorias de trabalhadores, como ferroviários e trabalhadores de usinas nucleares de energia. O impacto ao governo liberal de Macron (Renaissance) é gigante, com o movimento operário se preparando para uma paralisação nacional na próxima terça-feira, 18 de outubro. Porém, o impacto ultrapassa os marcos nacionais, com o conflito atingindo uma dimensão política internacional.

Lina HamdanMestranda em Artes Visuais na UFMG

domingo 16 de outubro de 2022 | Edição do dia

Tudo que o governo Macron queria evitar na França está acontecendo. Mesmo a mídia burguesa antevê “um inverno caótico na Europa” devido à força dos petroleiros em uma forte greve que foi se alastrando “para a maioria das principais refinarias do país, bem como para algumas usinas nucleares e ferrovias, oferecendo uma prévia de um inverno de descontentamento com a inflação e a escassez de energia que ameaçam minar a estabilidade da Europa e sua frente ampla contra a Rússia por sua guerra na Ucrânia”. A própria reportagem do New York Times ressalta como o “continente sofre com inflação recorde e escassez de energia, enquanto petrolíferas têm lucros recordes sem repassar aos trabalhadores”.

Tal cenário somado à resposta agressiva e repressiva ao conflito pelo governo francês, tentando impedir o direito de greve sob pena de prisão no dia 11 de outubro, impactou na opinião pública, apesar do papel dos grandes meios de comunicação de criminalizar a greve, mesmo há mais de 20 dias de greve, por verem como justa a luta por reajuste salarial.

O cenário coloca no centro da situação nacional francesa o tema da inflação e dos salários, a questão do aumento do custo de vida, com protagonismo operário usando como “arma” fundamental a greve, que é capaz de colocar em jogo a questão de quem são os “donos” da produção de um bem tão essencial como o petróleo: os trabalhadores ou os diretores das multinacionais privadas como a Total Energies (francesa) e a Exxon Mobil (estadunidense)?

Os petroleiros não pararam nem um dia na pandemia, a qual enfrentaram meses sem proteção adequada, sem nenhum tipo de reconhecimento pela empresa e pelos governos, que justificavam o não aumento salarial na pandemia porque a demanda havia reduzido. Agora com a crise energética assombrando a Europa com a guerra na Ucrânia, a inflação atingindo patamares não vistos há décadas, e o aumento do preço do petróleo, as petroleiras tiveram lucros recordes. E as direções das empresas responderam de maneira dura, sem intenção de negociar.

Como bom administrador do capital imperialista em meio à crise europeia, o governo liberal de Macron, sobretudo sob a figura da primeira-ministra, Élisabeth Borne (Renaissance), obviamente não exigiu das multinacionais o aumento salarial dos trabalhadores indexado à inflação (em vigor até 1983 na França). Par contre [1] , o governo reprime aqueles que acordam às 4 horas da manhã, que usam os seus corpos e sua saúde para produzir, que ficam doentes, que têm poucos anos de aposentadoria porque seus corpos estão esgotados: usando lei da segunda guerra mundial, passou a exigir um quadro mínimo de funcionamento nas empresas privadas sob pena de prisão dos grevistas que rejeitarem, ferindo o direito constitucional de greve dos trabalhadores. E como símbolo da hipocrisia imperialista, o governo voltou a importar petróleo russo, que estava sob sanção internacional, para quebrar a greve.

Outros setores operários entram na luta

A resposta foi de radicalização e ampliação para outros setores, fazendo as empresas recuarem e abrirem para negociação, além de colocar o governo na defensiva, a partir de que algumas centrais sindicais, sobretudo a CGT (Confederação Geral do Trabalho), estarem construindo uma jornada de paralisação nacional na próxima terça-feira, 18 de outubro.

Em solidariedade com os trabalhadores das refinarias Exxon Mobil e Total, os operários da CIM (Compagnie Industrielle Maritime, a “porta de entrada” do petróleo bruto do porto de Le Havre às refinarias da Normandia) reuniram-se em assembleia geral para aprovar a decisão de deter os carregamentos nas instalações da refinaria. Eles também afirmam que, se o governo intensificar a repressão, irão bloquear a distribuição de petróleo nos aeroportos.

Os trabalhadores das empresas de energia também adentraram o movimento: Como Kevin Theis, secretário-geral do sindicato CGT Energie Cher, disse: “Há duas razões para o movimento. Por um lado, queremos um verdadeiro serviço público de energia. A pseudo-renacionalização da EDF [Électricité de France, maior produtora e distribuidora de energia da França] é uma fraude que visa nacionalizar atividades que precisam de investimento e, portanto, fazer com que a população pague por sua precarização, e entregar as mais bem-sucedidas ao setor privado, como a Enedis, por exemplo. Mas a energia é uma necessidade de toda a população, não deve estar sujeita às leis do mercado, e vemos as consequências disso hoje com a crise energética e as contas de luz que a população tem que pagar. Por outro lado, queremos aumentos reais de salário para todos os trabalhadores. Nos últimos dez anos, perdemos o equivalente a 15% do salário e, com a inflação atual, está se tornando insustentável.”

Os petroleiros também inspiraram os ferroviários, com o setor de manutenção de trens aderindo à greve. No centro técnico de Landy, na região parisiense, que trata da manutenção dos trens da SNCF [Empresa Nacional Ferroviária da França], a Assembleia Geral de ferroviários votou pela greve a partir de 17 de Outubro para aderir ao movimento iniciado pelos petroleiros.

A patronal da Total recua, mas manobra junto às burocracias sindicais

Como consequência da generalização da indignação dos trabalhadores, na noite da última quinta-feira, todos os sindicatos da Total foram finalmente recebidos para as negociações salariais, mas convidando "organizações sindicais representativas dentro dos limites da Base Social Comum", um quadro negocial tendencioso que dá peso majoritário aos sindicatos que não participam do movimento grevista (CFDT - Confederação Francesa Democrática do Trabalho e CFE-CGC - Confederação Francesa de Executivos - Confederação Geral de Executivos). Enquanto os grevistas exigem um aumento de 10% para 2022, esses "dirigentes" burocratas acordaram 5% para 2022 e 2023, como forma de pressionar pelo fim da poderosa greve. Uma verdadeira hipocrisia diante dos lucros milionários da Total.

O acordo na multinacional francesa é uma manobra dos patrões e do governo para reproduzir o método usado na ExxonMobil que, com a burocracia traiçoeira, firmou acordo semelhante sobre salários para 2023, o que representa migalhas em relação aos lucros obtidos pela multinacional estadunidense. Pior ainda, diante da inflação sem perspectiva de melhora, que gera uma queda dos salários reais. Com o "acordo", negociado nas costas dos trabalhadores em greve, o governo tenta justificar a repressão ao movimento e desmoralizar os grevistas.

No entanto, as coisas não correram como Pouyanné (CEO da Total) e Macron queriam. Apesar dos ataques violentos, os grevistas não só continuam nos piquetes, como a greve continua em todas as fábricas da Total. Da mesma forma, a refinaria da Normandia, bastião da greve, mantém a mobilização ao menos até terça-feira. Dessa forma, os grevistas da maior refinaria da França assumem sua responsabilidade e marcam o caminho a seguir: a generalização da mobilização para construir a unidade diante da greve interprofissional de 18 de outubro, que pode ser a ocasião não só para um verdadeiro dia de paralisação da economia, mas também um ponto de apoio para dar continuidade à luta e para vencerem as demandas dos trabalhadores.

Um momento decisivo para o resultado da luta

O fato dos planos do governo e da Total não terem sido tão bem sucedidos quanto eles esperavam só pode encorajar os trabalhadores. Mas não deve-se ignorar os golpes recebidos. Como em qualquer luta, há momentos fáceis e difíceis. Quando alguém se encontra cercado pelo inimigo, deve manter-se firme e guarnecer os bastiões enquanto novas forças se juntam à batalha, suportando os momentos difíceis, para depois partir para a ofensiva.

Apesar dos duros ataques, esse é o espírito que vemos na maioria dos grevistas. Na noite de sexta-feira, apesar da traição, foi votada a continuidade da greve em Donges, La Mède, e Flandres. No entanto, também há más notícias. A traição da CFDT somada aos diferentes ataques sofridos minaram a moral de alguns grevistas. Após quatro semanas de greve dura e combativa, os grevistas da Exxon, que iniciaram a luta, pararam a mobilização.

Abrir o caminho nem sempre é o mais fácil. Os grevistas da Exxonmobil mostraram aos petroleiros e à classe trabalhadora como um todo o caminho para lutar por seus salários, o da greve sem data de término pré definida. Nada melhor para agradecê-los do que seguir firme e continuar a luta, prorrogá-la, e porque não, obter a indexação dos salários sobre a inflação para todos. É por isso que Anasse Kazib, ferroviário da SNFC e dirigente do Revolução Permanente, grupo irmão do MRT na França, foi ao piquete da Total na última sexta-feira, após ser linha de frente da articulação da greve da manutenção ferroviária que iniciará na segunda-feira (17), para dizer que “Uma vitória das refinarias é uma vitória de todos nós”.

O que aconteceu até agora mostra que a correlação de forças construída pelos petroleiros através da greve foi a única coisa capaz de impor um retrocesso tático sem precedentes na Total, em relação ao reajuste salarial. Apesar dos ataques e dúvidas, essa correlação de forças se mantém e abre um novo cenário no país onde se levanta a perspectiva de uma generalização da greve. Perspectiva essencial para os petroleiros, que, para vencer a Total e conquistar as reivindicações do conjunto de trabalhadores, não apenas lutam contra sua patronal, mas contra seus aliados: Macron, a CFDT e os patrões como um todo.

Isso impõe uma responsabilidade particular a certos setores do movimento operário. Depois que os trabalhadores das refinarias não cederam aos ataques, a bola está na mão de setores estratégicos como as ferrovias, que devem fazer todo o possível para construir a unidade.

Não para passar o bastão para eles, mas para generalizar a greve e elevar a moral das refinarias que continuam lutando. Esta responsabilidade foi levantada pelos trabalhadores da refinaria de Donges que decidiram continuar a greve até quarta-feira. Um grevista explicou em nota ao Révolution Permanente (da mesma rede de internacional do Esquerda Diário): “Outros setores de trabalhadores decidiram aderir à greve, então a tarefa é continuar por eles, manter a pressão até terça-feira para convergir as lutas. Até depois de terça-feira, nenhum caminhão será carregado. Se o dia for bem-sucedido, consideramos interromper completamente a produção”.

O papel chave da auto-organização para conquistar as demandas

Para isso, é fundamental que a greve se espalhe e se fortaleça em outros setores e ao longo do tempo. Isso coloca a necessidade da greve ser construída desde a base, por meio de Assembleias Gerais interprofissionais e uma coordenação de delegados eleitos nas mesmas, para coordenar a luta de forma a ultrapassar os freios das burocracias sindicais.

Em 2010, durante o movimento de oposição à reforma da previdência de Sarkozy, as assembleias gerais interprofissionais (interpros) eram a expressão de uma minoria significativa de trabalhadores em luta, algumas dezenas de milhares de assalariados, que queriam ir além da estratégia de pressão das direções sindicais burocráticas naquele momento. Essas interpros permitiram organizar a base de militantes e trabalhadores, universitários e secundaristas, filiados ou não, e serviram de motor para estender a greve através da organização "Greves de pé", com o objetivo de introduzir novos setores na luta ou apoiar os grevistas já mobilizados.

É através da construção dessas Assembleias Gerais Interprofissionais, contando com setores que já votaram greve a partir de segunda como os ferroviários de Landy "inspirados" pelos petroleiros, assim como os trabalhadores das usinas nucleares que já estão em greve, será possível levantar a perspectiva de unidade no dia 18 de outubro.

Os petroleiros, usineiros e ferroviários franceses mostram o caminho em uma Europa atravessada pela crise energética e inflacionária, onde a classe trabalhadora tem dado fortes demonstrações, como na greve portuária alemã em Hamburg e as manifestações massivas pelo aumento dos salários e aposentadorias no Estado Espanhol.


[1Entretanto, em francês





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