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Petroleiros | Petrobras: Lições de uma greve isolada e uma luta impedida de se desenvolver

Escrevemos esse texto enquanto ainda estão acontecendo assembleias nas unidades do Sistema Petrobras em todo país. O desfecho da campanha não está completamente dado, ainda está em curso uma tentativa de manter a mobilização mas é bastante provável que termine como está: com um acordo que reduziu os ataques propostos pela empresa, mas manteve importantes caminhos para avançar a precarização do trabalho na empresa que mais deu dividendos no mundo. Esse desfecho provável está completamente aquém do potencial com a histórica greve do Centro Nacional de Controle Logístico (CNCL) da Transpetro, e é inseparável do papel das direções sindicais da FUP que voltaram a atuar como prepostos do RH e também, em outra medida, da FNP que não se mostrou à altura de mostrar um outro caminho para a categoria enquanto era mais fácil mudar os rumos da luta.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

domingo 11 de setembro de 2022 | Edição do dia

O acordo coletivo deste ano aconteceu em meio a fortes expectativas do que será o futuro da empresa depois das eleições de outubro. Está claro como o sol que Bolsonaro e Guedes desejam avançar na entrega das riquezas estatais a empresários amigos, isso é anunciado claramente na grande mídia. Refinarias, campos terrestres e plataformas tem sido privatizadas a preços vis em transações secretas, sem sequer licitações públicas, graças a vontade de entregar os recursos nacionais e também a decisão do STF que autorizou esse modelo de privatizações. É necessário se livrar de Bolsonaro, do bolsonarismo, mas também de todos ataques que a direita promove. Para garantir direitos, impedir privatizações, o caminho é de confiar na organização dos trabalhadores e na luta de classes.

A greve do CNCL, inédita, marca um estado de espírito na categoria de dizer não a tantos ataques e tentar garantir direitos com os métodos da classe trabalhadora como assembleias e greves e não o da espera passiva das eleições ou de negociações parlamentares.

A categoria mostrou disposição de enfrentar a empresa, realizando assembleias massivas que rejeitaram a proposta da empresa, inclusive em edifícios administrativos e debaixo da pressão gerencial como no Edisen, Edihb, Transpetro Sede. Não estava dado que a mobilização se restringiria ao CNCL e alguns dias de paralisação do Terminal Aquaviário da Baía de Guanabara (TABG). Esse isolamento foi construído pelas direções sindicais. E esse isolamento impediu que se estendesse efetivamente o movimento e suas pautas, como por exemplo, lutar para que o acordo de desembarque do Norte Fluminense não só não fosse retirado como se estendesse a quem embarca em todas demais regiões do país, para lutar pelo abono dos dias de natal e ano novo ao administrativo, a reposição inflacionária se dar no salário e não no rendimento para contemplar os aposentados, entre diversas outras reivindicações.

Ainda está em curso uma última tentativa de manter a mobilização e impedir os retrocessos do acordo coletivo, e é preciso buscar essa última tentativa.No entanto, é importante já ir tirando lições. As lições de um movimento, da organização de base, da organização sindical, são sempre inseparáveis de lições políticas mais globalizantes, mas isso é ainda mais verdadeiro numa empresa com as características e importância nacional como a Petrobras e no contexto atual. O desfecho provável da atual mobilização no Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) é de que a Federação Única dos Petroleiros (FUP) e seus sindicatos assinem o acordo e assim que o conjunto da categoria se veja obrigada a aceitar essa imposição do RH bolsonarista com a ajuda do sindicalismo vinculado ao PT.

O cenário atual do acordo coletivo

A Petrobras, empresa que mais enriquece seus acionistas no mundo buscou impor ataques inéditos no acordo coletivo em negociação esse ano. Buscou do alto de sua centena de bilhões de reais de lucro extraído das riquezas do solo nacional, do suor de cada trabalhador com os combustíveis caros, e dos petroleiros com o trabalho precarizado, impor que não fosse paga a inflação aos petroleiros, que fosse cortado o valor de horas extras e diversos adicionais tal como o de “mestra” do CNCL implicando em cortes de rendimentos de 35% e do embarque no norte fluminense. A mobilização da categoria e particularmente do CNCL que protagonizou uma inédita greve de 9 dias fez a empresa recuar nesses ataques mencionados mantendo outros, tais como fim da cláusula de proibição de demissões salvo justa causa, possibilidade de criar um turno para setores administrativos com direitos inferiores ao turno de áreas industriais e do CNCL.

A continuidade desses ataques e o não avanço em pautas de reconquistas de direitos, tal como buscavam os petroleiros, motiva muitos trabalhadores a seguirem o chamado da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP, onde estão setores ligados ao PSOL, PSTU e sindicalistas independentes e outras organizações) e rejeitarem a proposta e tentarem seguir mobilizados, porém, a Federação Única dos Petroleiros (FUP, ligada à CUT e ao PT) não só aceita o atual acordo como faz propaganda do mesmo, repetindo seu papel nos governos petistas de força auxiliar do RH.

A FUP passou de uma postura passiva de rejeição das propostas da empresa sem propor nenhuma luta, nem mesmo as tais “greve pipoca” que ela anunciou, para o apoio descarado da empresa, sendo mais eloquente que o RH na defesa da proposta (mobilizando artigos e vídeos que só aparecem nessa intensidade quando é para falar que um ataque é uma vitória). A primeira localização da FUP (até dias atrás) encaixa-se perfeitamente dentro do jogo eleitoral do PT: mostrar aos trabalhadores oposição aos ataques, mas também mostrar à Bovespa, Alckmin&Cia como são bons parceiros e que não fariam nenhuma luta radical e séria. Essa primeira atitude da FUP foi idêntica à sua atuação em boa parte do governo Bolsonaro, com cartas críticas, mas sem mobilização consequente diante de privatizações, tal como se viu na Bahia, Amazonas, Espírito Santo, Rio Grande do Norte, Ceará.

Dias atrás a FUP girou para uma ativa defesa do acordo, a mudança aconteceu quando a empresa além de recuar no corte do adicional do CNCL e do embarque no Norte Fluminense garantiu que a FUP teria 11 sindicalistas pagos pela empresa e a FNP somente 4 (uma semana antes a empresa propunha 6 para cada).

Em cada luta dos trabalhadores é crucial extrair lições para sua continuidade, nesse 45 do segundo tempo da atual mobilização do ACT também, e mais ainda para o futuro. Procuramos nesse artigo contribuir com algumas ideias para essas lições.

1. A importância dos trabalhadores confiarem em suas próprias forças e não em negociações de bastidores

A greve do CNCL, setor estratégico da empresa e que afeta todo escoamento de petróleo e derivados, divergiu radicalmente da orientação da maior parte dos sindicatos em todos últimos anos, excetuando a greve da PBIO de 2021. Enquanto nas privatizações das unidades os sindicatos apostaram ou em lutas isoladas (como na Bahia) ou exclusivamente em iniciativas parlamentares locais e nacionais (como nas demais privatizações), os trabalhadores do CNCL apostaram em si mesmos e com sua luta buscar impor mudanças no acordo coletivo.

A aposta em negociações com inimigos dos trabalhadores no judiciário e parlamentos (agravadas pela falta de mobilização) não produziram nada além de derrotas. Nenhuma alardeada liminar no CADE, na ANP fez mais do que protelar as privatizações e nenhuma protelação foi útil aos trabalhadores já que não foi utilizada como ponto de apoio para estar mais forte e organizados no momento seguinte.
Os trabalhadores do CNCL, por outro lado, desafiaram o assédio da empresa e se uniram e cruzaram os braços. Enfrentaram cortes de salário, as sempre presentes ameaças de transferência que a empresa inculca em quem trabalha nesse coração da logística e peitaram a contingência montada pela empresa, cientes de que ela não conseguiria realizar seu trabalho adequada e sustentável. O resultado de sua confiança em suas próprias forças? A empresa teve que recuar e sua organização serviu de exemplo para diversos setores, o que poderia ter despertado outros setores da Transpetro (começando por alguns terminais com maior tradição de luta) e por essa via a holding e outras subsidiárias, caso fosse possível passar por cima do freio que foi a FUP e a incapacidade (ou não vontade) da FNP em supera-la, como argumentaremos mais a seguir.

A luta do CNCL é inseparável da maciça rejeição à terceira proposta da empresa em todo país e como ela foi obrigada a ceder não somente diante desse centro de controle mas em outros pontos da categoria. Essa confiança em suas forças e não em conchavos é um exemplo para a categoria retomar suas melhores tradições.

2. A importância da unidade da categoria, mas para lutar

Os petroleiros são uma categoria com histórico de se enxergar nacionalmente e não deixar para trás algum setor. Um grande exemplo recente dessa demonstração de unidade pode se ver na greve nacional de 2020 contra as demissões e fechamento da FAFEN. Porém, com a derrota dessa luta pela posição da FUP de aceitar que o objetivo da greve era discutir os termos da demissão e não o impedimento delas levou ativistas a perderem confiança em outros setores da categoria e assim facilitar um discurso de que a categoria não tem disposição de lutar.

Tal “lição” só foi aumentada sistematicamente pelas direções sindicais, particularmente a FUP, ao não propor lutas nacionais contra as privatizações deixando cada estado isolado, lutando (se tanto) sozinho contra um rolo compressor, e assim, com derrotas se acumulando só aumentou a sensação de impotência e que não haveria nada a fazer salvo esperar algum milagre pela via das urnas.

Esse ano são dignas de nota duas diferenças notáveis em relação a unidade da categoria. Alguns locais, como as unidades representadas pelo Sindipetro-RJ (ligado a FNP), votaram em assembleias de base que fariam greve se os trabalhadores da REGAP (em Minas, dirigidos pela FUP) entrassem em greve contra a privatização daquela refinaria. E outra novidade foi um calendário de ações sindicais unificadas entre FUP e FNP. O potencial das duas novidades é muito diferente.

Em um caso, a votação de greve caso outra base sindical entre em luta exercita a visão de que somos uma só categoria, que o ataque a um setor se reflete em todos os outros. A unidade da categoria precisa ser construída na prática.

Já a outra medida, garantindo atos unitários em cada refinaria e no Edisen e CNCL, algumas reuniões entre as duas federações, ao contrário, não contribuiu em nada para mudar favoravelmente os rumos do movimento. Todos petroleiros desejam a unidade nacional mas uma unidade onde está proibida a crítica entre as partes (FUP exigiu isso da FNP como constam em cartas) e onde todas as ações são determinadas por aquele que quer menos ações é uma unidade que é para paralisar e não para lutar. A realização de dezenas de atos unitários, por mais importantes que tenham sido, não mudou uma vírgula no script da FUP que não foi de fazer nada nesse acordo coletivo até virarem os campeões de sua aceitação.

A FNP, seguindo o acordo de não criticar a FUP, não publicou um chamado, uma crítica, nada durante os 9 dias de greve do CNCL. Nem mesmo alas críticas da FUP, como o Sindipetro Caxias que tem entre suas principais referências membros do grupo Resistência do PSOL (ligada a FNP) tomou alguma ação prática para se apoiar nos setores da Transpetro já em luta para estender o movimento, apoia-lo na sua base (e não com o envio de um outro sindicalista para o CNCL e seus atos).

A frente única, a união de diferentes organizações operárias precisa ser pautada pela liberdade de crítica e unidade de ação e que aqueles que estão dispostos a lutar mobilizem forças crescentes para que assim imponham a unidade.

O que tivemos foi a ausência de crítica e a ausência de ação, inclusive para impor a unidade à FUP. Só agora que a frente foi desfeita pela FUP que apoia o ACT que a FNP sai a criticá-la e com chamados à base da FUP. Agora é muito difícil de mudar o roteiro mas durante a greve do CNCL o que teria sido possível se algumas unidades da Transpetro representadas pelo Sindipetro-RJ, Sindipetro-LP, Sindipetro Al/Se, Sindipetro PA/AM/MA tivessem se mobilizado?

Teria sido possível com uma unidade em luta de CNCL, TABG, Angra, São Sebastião, Santos, Cubatão, São Luiz, Belém mobilizar na sede da Transpetro, de subsidiárias que mostravam uma disposição de entrar em luta como a PBIO, nas refinarias e plataformas da holding e até mesmo em bases da FUP e assim impor uma verdadeira unidade da categoria em luta?

Não é possível ter certeza do desfecho mas é muito provável que teria sido mais favorável do que o alcançado até agora. Para termos unidade da categoria é preciso de discussões entre as cúpulas das federações, mas o decisivo é a mobilização de alguns setores da categoria. A unidade “perfeita” não acontece, nem muito menos de antemão, algumas unidades podem e (precisam) cumprir um papel para mobilizar as demais.

3. Independência perante os governos, classismo e organização pela base

Uma outra lição importante da atual mobilização e tendo em vista os próximos passos da categoria é a necessidade de se organizar de forma independente dos governos. É necessário derrotar o projeto privatista de Bolsonaro e Guedes. Buscam destruir a Petrobras e todas estatais para aumentar o enriquecimento de bilionários. Porém o projeto privatista não é tocado somente pela extrema direita. Esse projeto é compartilhado por toda a direita tradicional, incluindo Alckmin. O caminho para enfrentar esses ataques é a organização dos trabalhadores e a luta de classes e não a conciliação com a direita tradicional como buscam fazer Lula e o PT.

Muitos petroleiros têm expectativas de que um eventual governo Lula ao menos freie os ataques que a categoria e a empresa sofrem. Outros esperam mais, reversão de ataques. A única garantia de reversão dos ataques e impedir privatizações é a organização dos trabalhadores. Colocar a Petrobras a serviço do enriquecimento de acionistas em Nova Iorque não é algo que nasceu com o golpe institucional nem mesmo com o Bolsonaro. Em todos governos do PT a Petrobras rendeu muitos dividendos na Bovespa e Wall Street e a única forma de se enfrentar com isso é nossa organização. Os governos Lula e Dilma não tinham o mesmo projeto de destruição da Petrobras que FHC, Temer e Bolsonaro, porém, mesmo assim, realizaram mais leilões de petróleo do que FHC e nem as privatizações de FHC, como a Vale por exemplo, foram revertidas nos anos de governo do PT. Buscar reverter os ataques que viemos sofrendo exige a organização independente da classe trabalhadores.

Os interesses dos petroleiros e dos trabalhadores como um todo estão na contramão dos interesses dos acionistas. Uma Petrobras 100% estatal e administrada democraticamente pelos trabalhadores garantiria não somente combustíveis baratos, desenvolvimento de novas tecnologias e outra relação com o meio ambiente, como completa transparência em cada transação e seguras e adequadas condições de trabalho. Um caminho como esse – oposto a uma empresa para o lucro – só pode ser conquistado pela organização independente dos trabalhadores que passa por medidas mínimas como defesa de ACTs mas pode também alcançar um nível superior de mostrar ao conjunto dos trabalhadores brasileiros a necessária unidade para defender os interesses de toda a classe.

Essa unidade “nacional” também exige em contrapartida uma unidade “interna” dos petroleiros muito maior. São poucas as unidades no sistema Petrobras onde há a tradição de lutas conjuntas entre efetivos e terceirizados. A terceirização está a serviço de dividir e humilhar a classe, e assim fortalecer os acionistas e não os trabalhadores. É importante que os efetivos defendam cada mobilização dos terceirizados, exijam iguais direitos (desde mesmos refeitórios a iguais jornadas de trabalho) e a luta pela incorporação sem concurso desses que já são petroleiros só que de crachá amarelo, cinza, etc, retomando a existência de diversas funções que existiam na Petrobras antes do neoliberalismo, tais como caldeireiro, motorista, cozinheiro, entre várias outras (para se aprofundar nessa pauta recomendamos um artigo de um juiz do trabalho). Para avançar em um classismo no país é também avançar em um classismo dentro da categoria.

Essas ideias são inseparáveis de muito maior organização pela base, retomando comissões de base onde existiram no passado, criando novas, articulando-as entre si. A existência de comissões de base, para além dos sindicalizados e dos efetivos e para além de diretores sindicais de base, permite exercitar a unidade da categoria, impedir desmandos de chefias locais, espalhar ideias, experiências, colocar novas formas de organização. Há setores que tem como tradição criar fundos de greves, comissões de base podem ajudar a generalizar essa experiência e colocar os diferentes ativistas – representando diferentes correntes de pensamento – em unidade um com o outro e assim potencializar a luta para impor aos sindicatos e federações sindicais a unidade da categoria.

***

Os desafios colocados são imensos. Boa parte do petróleo nacional e das instalações de refino e entrega de derivados já foi privatizada ou está em processo de privatização. A precarização do trabalho aumentou muito depois da Lava Jato, do golpe institucional, de Bolsonaro e da pandemia. Há cada vez mais acidentes de trabalho, mais cansaço, maior perda de poder aquisitivo. Mas as pequenas lutas que vem sido travadas em diferentes unidades, a greve do CNCL e a imensa rejeição que a categoria mostrou à terceira proposta da empresa marcam o terreno do potencial que a categoria tem. Um potencial que pode servir a si mesma mas também para ser um exemplo a outras categorias dos trabalhadores. Com essas ideias iniciais procuramos contribuir ao debate de por onde avançar em nossa organização para que não somente a Petrobras mas também os petroleiros sejam um símbolo de luta para a classe trabalhadora brasileira e internacional.




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