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Chile | O triunfo do rechaço à Constituição no Chile e o fortalecimento da direita

A votação do plebiscito constitucional expressa um giro à direita da situação política. Esse resultado não veio do nada. Como passamos de uma rebelião em 2019 para um triunfo avassalador do Rechaço? Isto foi consequência do caminho aberto pelo Acordo de Paz e pela Nova Constituição, expresso hoje no governo Boric. A direita e a extrema-direita de Kast comemoram e têm como objetivo enterrar as reivindicações de outubro e tudo o que a rebelião representou. Boric convocou todos os partidos para realizar uma nova constituinte, mas a direita, após se fortalecer, pretende fazer suas exigências em outro momento. Devemos combater a ofensiva da direita e os novos acordos que não trarão nenhum direito aos trabalhadores.

segunda-feira 5 de setembro de 2022 | Edição do dia

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O resultado surpreendeu a todos. Nem mesmo as pesquisas burguesas previam um resultado tão contundente. Com mais de 98% das mesas apuradas, o Rechaço alcançou 61,9% dos votos contra 38,1% do Aprovo. O Rechaço ganhou na maioria das cidades. Várias cidades da Região Metropolitana que no segundo turno presidencial rejeitaram fortemente Kast, agora votaram pelo Rechaço.

A votação expressa um giro à direita da situação política. A direita tradicional e a extrema-direita de Kast comemoram e buscam enterrar as reivindicações de outubro e tudo o que a rebelião representou. Boric convocou todos os partidos nesta segunda-feira para preparar uma nova fraude constituinte, mas a direita fortalecida decidiu esperar para impor seu programa em outro momento. Devemos combater a ofensiva da direita e a nova “cozinha” (acordos constitucionais pelas costas do povo) que não trará nada de favorável à classe trabalhadora.

Mas o resultado também expressou uma ampla votação em rechaço à situação econômica e social no governo de Gabriel Boric. Apesar da surpresa, esse resultado não caiu do céu. Não é por acaso que a direita tem feito uma campanha totalmente demagógica falando de previdência, saúde e moradia para defender todo o legado da ditadura. O governo de Boric, o Partido Comunista e a Frente Ampla ao lado da antiga Concertación, fizeram uma campanha na qual entregaram à direita todas essas pautas. Governaram implementando políticas muito bem-vistas pela direita e pela antiga Concertación para que os trabalhadores paguem pela crise: ajuste fiscal e gratificação salarial miserável, consolidando definitivamente os roubos dos fundos de pensão. As reformas de Boric foram adaptadas às demandas do grande capital, como o aumento do salário mínimo corroído pela inflação. Os setores políticos que eram pelo Rechaço fizeram demagogia com as angústias da vida dos trabalhadores e a precarização para ganhar apoio político.

O governo não tomou nenhuma medida para diminuir os impactos da crise econômica e social. Lamentavelmente, neste contexto de campanha demagógica da direita, essas insatisfações foram usadas para fortalecer a direita. Ao mesmo tempo, enquanto a Convenção falava em plurinacionalidade em favor do povo mapuche, o governo mantinha a política de militarização tal qual o governo Piñera.

O discurso do governo e a campanha do Aprovo reeditaram a "política de consensos" da antiga Concertacion. Até mesmo iniciaram um novo acordo para alterar a nova Constituição antes que o povo pudesse votar no plebiscito. Durante as últimas semanas preparam um novo “acordo de unidade nacional” junto com a direita e trabalharam por um novo processo constituinte mais limitado e anti-democrático. Depois do resultado, o governo reforçou este chamado.

O governo de Boric é uma continuação do Acordo de Paz e da Nova Constituição. Agora, muitos dos que promoveram o Aprovo pretendem culpar o povo pelo resultado. Mas como saímos da rebelião popular que fez tremer todo o regime de transição para este triunfo esmagador do Rechaço? A Convenção não foi o triunfo da rebelião popular como dizem a Frente Ampla, o Partido Comunista, os Movimentos Sociais Constituintes, a ex-Lista Popular, a Coordenadora Plurinacional e grupos como o MIT de María Rivera. Ao contrário, foi o principal mecanismo idealizado pelos partidos do regime e pelas potências capitalistas para desviar e neutralizar a rebelião popular. O próprio Boric foi um dos protagonistas do Acordo de Paz e da Nova Constituição que salvou o governo Piñera e manteve a impunidade a esse governo por violações de direitos humanos. Isso abriu caminho para a direita, que ganhava espaço e se fortalecia ao desviar a luta de classes para a arena institucional.

A Convenção Constitucional permaneceu totalmente alheia às demandas populares e subordinada às instituições burguesas. A revolta, não tendo a classe trabalhadora no centro, poderia ser desviada instalando ilusões na Convenção e na Nova Constituição, e em que os problemas estruturais do Chile herdados da ditadura poderiam ser resolvidos com uma mudança constitucional controlada e sem tocar no pilares do capitalismo chileno. O Partido Comunista e a CUT foram atores fundamentais para isso.

Não há dúvida de que quem capitaliza o resultado eleitoral são os partidos do Chile Vamos e os antigos concertacionistas do Rechaço como Ximena Rincón, Matías Walker, Ricardo Lagos e companhia. Mas é hipócrita culpar o povo sem explicar como passamos de uma rebelião popular contra o legado da ditadura para um triunfo tão avassalador do Rechaço.

Neste momento, será fundamental lutar contra a ofensiva de direita que buscará enterrar definitivamente todas as reivindicações da Rebelião e denunciar fortemente o novo pacto de unidade nacional promovido pelo governo com todos os partidos governistas e de oposição, e seu novo processo constituinte fraudulento e antidemocrático. É fundamental colocar um programa no centro para que os grandes empresários paguem pela crise e não os trabalhadores. É preciso preparar as condições para retomar as ruas e as reivindicações de outubro, lutando para acabar definitivamente com todo o legado da ditadura, única forma de avançar de uma perspectiva de greve geral para uma Constituinte Livre e Soberana. Para preparar essa perspectiva, é fundamental promover a luta por um programa emergencial diante da crise econômica e social em um momento em que a inflação devora salários, aluguéis e contas aumentam e as condições de vida se tornam mais precárias. É fundamental reagrupar as diversas organizações sindicais e sociais em torno desta perspectiva. Os dirigentes sindicais e sociais devem acabar com a trégua com o governo e parar de esperar que suas demandas sejam atendidas por meios institucionais, e por isso devemos lutar pela independência do governo e dos empresários.

São demandas fundamentais, como por um aumento geral e imediato de salários reajustados de acordo com a inflação dos alimentos e um salário mínimo e pensão de $ 650.000 pesos; pela redução da jornada de trabalho e distribuição do trabalho entre empregados e desempregados sem redução salarial; por um congelamento dos preços de serviços básicos como água, luz e combustíveis, e pela desapropriação sem indenização e sob a gestão de seus trabalhadores de todas as empresas de serviços básicos que especulam sobre preços, como aconteceu no caso da Metrogás. Além disso, lutar pelo julgamento e punição dos repressores.




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