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SEMANÁRIO

Por que e como os revolucionários devem intervir nas eleições de 2022?

João Salles

Por que e como os revolucionários devem intervir nas eleições de 2022?

João Salles

Em um ano marcado pela conjuntura eleitoral e pela polarização política cada vez maior entre a chapa Lula-Alckmin e Bolsonaro - com a terceira via beirando o naufrágio, as eleições presidenciais de 2022 vão dando a tônica da política nacional. O discurso da frente ampla contra Bolsonaro por um lado, e por outro a possibilidade de retorno do PT ao governo federal, colocam a vanguarda de esquerda no Brasil em uma encruzilhada que se expressa na profunda crise do PSOL e sua adaptação cada vez maior ao regime degradado do golpe institucional. Mas afinal, em um cenário onde a estratégia eleitoral mostra sua verdadeira cara da conciliação com a direita, por quê e como os revolucionários devem intervir nas eleições?

Frente ao cenário de “vale-tudo” eleitoral contra Bolsonaro, diversos setores de esquerda têm manifestado indignação com a crescente adaptação de partidos como o PT e o próprio PSOL, que embarcam em alianças com setores protagonistas do golpe institucional - tais quais o próprio Alckmin e Marina Silva da Rede. O histórico destas figuras reacionárias ainda se encontra fácil na memória de milhares de professores de SP espancados nos anos de governo PSDB de Geraldo, das mulheres que têm a Rede (financiada pelo Itaú) na trincheira oposta da luta pela legalização do aborto - que aliás não se realizou durante os 13 anos de governo do PT.

A disposição completa em negociar em conciliar com setores da direita já é prática conhecida da burocracia petista, que hoje governa diversos estados e prefeituras administrando a herança de ataques do golpe institucional, e durante seus anos de governo fortaleceu setores reacionários da política como os militares, o agronegócio e as cúpulas empresariais de igrejas evangélicas. Entretanto, apesar do caminho trilhado pelo PSOL e sua direção rumarem ao abandono de qualquer independência política, a federação com a Rede certamente representa um salto de qualidade, mudando o caráter do partido permanentemente. Se levarmos em consideração as aspirações de setores da esquerda em fazer campanha e até mesmo compor um eventual governo do PT recheado de figuras reacionárias, podemos dizer sem dúvidas que vivemos um momento divisor de águas no país.

Este é um momento decisivo para que se localize um setor na vanguarda que tenha como princípio a independência de classe e o compromisso inegociável em apresentar uma resposta à crise para que sejam os capitalistas a pagarem por ela. Neste sentido, devemos enxergar as eleições como um espaço privilegiado, onde os revolucionários têm a oportunidade de ampliar o auditório político para divulgar um programa classista e independente, aumentando o alcance dessas ideias. Nós do MRT e do Esquerda Diário, em defesa do legado bolchevique de Lênin e Trótski, nos apoiamos nas lições sobre o parlamentarismo revolucionário para pensar os rumos da política nas eleições, a serviço de fortalecer a luta independente dos trabalhadores contra a extrema direita de Bolsonaro, Mourão, dos militares e o conjunto dos ataques capitalistas, sendo as eleições um momento que é parte dessa política, não um fim em si mesmo.

Veja também:
Lula-Alckmin na busca dos órfãos da terceira via diante da recomposição de Bolsonaro, por Danilo Paris
5 pontos para uma política de independência de classe diante da diluição do PSOL com Alckmin e Marina Silva, por Diana Assunção

Lênin e a batalha na III Internacional: sobre a importância dos revolucionários intervirem nas eleições

Iniciamos este tópico do debate partindo da definição de Estado proposta por Lênin como um "organismo de opressão de um classe pela outra", desde o surgimento de uma força armada, separada da sociedade e destinada a garantir a ordem. No Manifesto Comunista, Marx havia definido o Estado moderno como "um conjunto que administra os negócios comuns da burguesia".

Neste contexto, Lênin destacava a perspectiva de Marx e Engels, que perseguia a extinção do Estado, porém explicava que este processo não poderia se realizar sem uma revolução. É dizer que não se pode chegar em uma sociedade sem classes, nem autoridade estatal através de uma democratização do estado burguês. Somente um estado operário, surgindo das ruínas do Estado capitalista, pode criar as bases para um desenvolvimento socialista, o qual, uma vez criada as condições econômicas para a liquidação das diferenças sociais, dará lugar ao comunismo, um regime de produtores livres associados, em que cada qual pode contribuir segundo a sua capacidade e receberá segundo suas necessidades.

Recorremos ao documento intitulado Teses sobre a questão parlamentar, aprovado no 2° Congresso da III Internacional, realizado entre Julho e Agosto de 1920. As teses foram escritas por Lênin e Bukharin e contaram com a introdução de Trótski, tendo como objetivo debater com setores revolucionários da Internacional Comunista que orientavam sua crítica ao eleitoralismo e a degeneração dos partidos socialistas pelo ângulo do anti-parlamentarismo. A ideia de resgatar teses deste importante documento é permitir expressar a visão da tradição bolchevique sobre a atuação no parlamento e nas eleições, ajudando na compreensão das tarefas colocadas para os revolucionários nos dias de hoje.

“12) Esta ação parlamentar que consiste, essencialmente, em utilizar a tribuna parlamentar para fazer a agitação revolucionária, para denunciar as manobras do adversário, para agrupar em torno de certas idéias as massas prisioneiras de ilusões democráticas e que, sobretudo nos países atrasados, voltam ainda os seus olhares para a tribuna parlamentar, esta ação deve estar totalmente subordinada aos objetivos e às tarefas da luta extra-parlamentar das massas. A participação nas campanhas eleitorais e a propaganda revolucionária do cimo da tribuna parlamentar têm uma importância particular para a conquista política dos setores da classe operária que, como as massas trabalhadoras rurais, permaneceram até então, afastadas da vida política.”

Nesta tese fica nítida a visão sobre qual o conteúdo que deve preencher a atuação parlamentar dos revolucionários, e em como esta se opõe diametralmente à politicagem adaptada ao parlamento burguês. E reforça ainda como em países atrasados, tal qual o Brasil, o parlamento recebe atenção das massas exploradas e oprimidas e que pode se configurar enquanto um espaço de tribuna para a agitação das ideias revolucionárias e a organização da luta de massas extra parlamentar.

Uma lição valiosa se encontra também na tese de número 14, sobre os objetivos dos revolucionários nas campanhas eleitorais em geral:

“14) A campanha eleitoral deve ser conduzida, não no sentido da obtenção do máximo de mandatos parlamentares, mas no sentido da mobilização das massas debaixo das palavras de ordem da revolução proletária. A luta eleitoral não deve ser feita apenas pelos dirigentes do Partido; o conjunto dos seus membros deve tomar parte nela. Todo o movimento de massas deve ser utilizado (greves, manifestações, agitação no exército e na marinha, etc.); estabelecer-se-á com este movimento um contato estreito. Todas as organizações proletárias de massa devem ser mobilizadas para um trabalho ativo.”

A esquerda brasileira certamente poderia aprender muito em se debruçar sobre o legado teórico dos bolcheviques, como o MES-PSOL que em recente artigo defenderam a indefensável federação coma Rede - que inclusive votaram favoráveis, ajudando a aprová-la na Executiva Nacional, enquanto a Resistência se absteve. Uma das justificativas seria sobre a importância do partido ultrapassar a cláusula de barreira no Congresso, e que para isso vale o preço de venderem completamente a independência de classe, aliando-se a um partido burguês financiado pelo Itaú. Como é possível mobilizar as massas sob as bandeiras da revolução se aliando com setores golpistas e reacionários da política? A lógica pela qual se orienta este setor da esquerda é a necessidade de ampliar as bancadas parlamentares e seus fundos a qualquer preço, transformando a legalidade, em um regime anti-democrático que combatemos, em um fim. Qual é o objetivo de um setor que se reivindica socialista participar das eleições junto à direita?

Acreditamos que o resgate destas teses apresenta definições centrais para compreender qual a maneira correta dos marxistas intervirem nas eleições e no parlamento burguês, em um momento onde o “vale-tudo” eleitoral deforma ainda mais partidos como o PSOL. Auxiliando também para a construção e fortalecimento de uma alternativa independente e revolucionária dos trabalhadores, em primeiro lugar na luta de classes, mas que possa se expressar também no cenário eleitoral.

O exemplo da FIT-U na Argentina e o parlamentarismo revolucionário no século XXI

O resgate teórico das posições de Lênin, Trótski e dos bolcheviques sobre o tema ajudam a localizar o debate daqueles que reivindicam a tradição marxista revolucionária, e encontram hoje um forte ponto de apoio na intervenção da Frente de Esquerda dos Trabalhadores - Unidade (FIT-U em espanhol) argentina. Composta pelo PTS (partido irmão do MRT na Argentina), PO, IS e outras organizações de esquerda, o propósito da frente é reunir em torno de um programa comum os setores que se comprometem com a independência de classe e com a oposição a todo projeto burguês ou reformista, permitindo, no caso do PTS, a expressão política nas eleições de um trabalho militante cotidiano nos locais de trabalho e estudo e unificando a vanguarda em torno de princípios fundamentais do parlamentarismo revolucionário. Trata-se da única frente política de independência de classe do mundo, que defende um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo.

Nas eleições do ano passado, a FIT-U obteve uma importante vitória política que deve ser observada com atenção, se alçando como a terceira força nacional e sendo notícia em veículos de mídia como o The Guardian - onde falam abertamente sobre os trotskistas como terceira força nacional. Mas o mais importante é justamente o conteúdo político deste feito, realizado em base a um programa de independência de classe, onde as candidaturas da FIT-U denunciaram a submissão do país aos interesses imperialistas do FMI, defenderam a redução da jornada de trabalho para 6h com divisão de trabalho entre empregados e desempregados, contra a precarização do trabalho e pelo reajuste salarial de acordo com a inflação.

Nos apoiando nesta batalha exemplar, que tem os trotskistas na linha de frente, vemos como a premissa de que para ampliar nosso auditório político devemos rebaixar o programa de reivindicações é completamente falsa. Os revolucionários da FIT-U conseguiram resultados importantes na CABA - Cidade Autônoma de Buenos Aires, a eleição histórica do gari indígena Alejandro Vilca para o parlamento pela província de Jujuy, e a manutenção de mandatos que estão à serviço de denunciar os ataques e o próprio caráter do Estado, se colocando na linha de frente da defesa dos trabalhadores e sua luta contra a ganância e o lucro capitalistas.

Parte fundamental que permitiu essa ampliação das ideias revolucionárias em um novo patamar nas eleições argentinas foi justamente o enraizamento em bastiões históricos da classe trabalhadora, estando ligada umbilicalmente a lutas importantes que se desenvolveram na Argentina no último período. A vitoriosa luta das trabalhadoras da saúde em Neuquén, a luta por moradia e contra o despejo em Guernica e as paralisações de aplicativos pela via da La Rede de Precarizados são exemplos de como a presença deste setor de esquerda e suas candidaturas de forma ativa e militante na vida dos trabalhadores se reflete em uma maior confiança nas ideias revolucionárias, e consequentemente na expressão eleitoral obtida pela FIT-U, um verdadeiro exemplo de parlamentarismo revolucionário na atualidade.

A perspectiva do internacionalismo proletário enquanto um princípio do marxismo revolucionário nos coloca a possibilidade de aprendermos com a luta internacional dos trabalhadores. Neste mesmo sentido, certamente esta importante vitória da esquerda revolucionária na Argentina nos faz pensar: quais lições é possível tirarmos para pensar a atuação e os rumos da esquerda no Brasil frente às eleições?

A batalha para reagrupar a vanguarda com independência de classe no Brasil

Em um cenário político tão complexo no Brasil, com o aumento exponencial da fome e da miséria, da carestia de vida, da inflação e corrosão dos salários, do aumento no preço dos combustíveis - intensificado com a reacionária guerra na Ucrânia, é urgente fazer emergir uma resposta dos trabalhadores à crise. Vemos hoje surgirem lutas dispersas de diversas categorias no país, reivindicando essencialmente a recuperação salarial e contra a carestia de vida, mas ao mesmo tempo estas lutas encontram um entrave incontornável para sua unificação: as burocracias sindicais e estudantis do PT e do PCdoB em centrais sindicais (CUT e CTB) e na UNE.

A divisão de tarefas da burocracia atua em dois flancos principais, onde fazem de tudo para isolar e desarticular a luta unificada dos trabalhadores, e o fazem justamente para que a luta de classes não atrapalhe as alianças costuradas pelo PT em torno da candidatura de Lula com grandes banqueiros e empresários, temerosos da revolta social. Querem canalizar a indignação das massas exploradas e oprimidas para uma via pacífica de conciliação nas eleições presidenciais, com um giro cada vez mais à direita como a expressão desta concepção reformista, que se limita a administrar um Estado capitalista em crise e sem revogar completamente o legado do golpe institucional. A utopia de reformar um sistema baseado na exploração e na miséria de bilhões fica cada vez mais evidente conforme a crise capitalista se aprofunda e as contradições entre as classes sociais se intensificam.

O problema é que parte de setores da esquerda - como o PSOL - trilham um caminho que repete a tragédia do PT no país. Ao invés de se colocarem na linha de frente de processos de luta, como o de garis no RJ, ou a greve de professores em MG, e diversos outros exemplos recentes de luta dos trabalhadores, o PSOL aprovou a federação com um partido burguês e reacionário e se subordina à candidatura Lula-Alckmin. Atuando de maneira unificada com a Rede, o PSOL fortalece e elege diretamente um partido apoiador do golpe institucional e todos os ataques de Temer e Bolsonaro, que é contra a legalização do aborto e representante dos interesses do grupo Itaú, além de preparar-se para fazer campanha a Alckmin. Este movimento vem sendo questionado por setores do bloco de esquerda do partido, ainda que até agora não se saiba o que farão, uma vez que continuam no PSOL em meio a sua crise histórica, e aos quais lançamos um chamado para que rompam com o partido batalhando pela construção de uma alternativa independente dos trabalhadores.

E é aí que vemos a oportunidade de que o Polo Socialista e Revolucionário, que reúne organizações como o PSTU e a CST (corrente do PSOL), cumpra um papel em reagrupar a vanguarda que se opõe a essa estratégia reformista e conciliatória com independência de classe. Nós do MRT temos participado ativamente dos principais processos de luta dos trabalhadores como as greves de MG e do RJ, denunciando o papel criminoso das burocracias e exigindo que rompam com a paralisia e a trégua instauradas com o governo e todo regime político podre. Acreditamos que este é o caminho para construir uma oposição consequente e queremos influenciar o PSR para que defenda de maneira unificada esta política de independência de classe.

E a exemplo dos bolcheviques defendemos que esta batalha também se expresse nas eleições de 2022, com candidaturas operárias e independentes que permitam dar voz e projeção as reivindicações dos trabalhadores e a um programa para que os capitalistas paguem pela crise, nos apoiando fortemente no exemplo da FIT-U argentina. E é com esta perspectiva que nós do MRT e do Esquerda Diário apresentamos a proposta para que Marcello Pablito componha a chapa presidencial como vice de Vera Lúcia do PSTU. Pablito é trabalhador negro da USP, dirigente do MRT e fundador do Quilombo Vermelho, um nome que há anos atua para fortalecer esta perspectiva de luta dos trabalhadores independente das burocracias. Defendemos que a candidatura do PSR à presidência represente a unidade dos setores socialistas e revolucionários no esforço para chegar a um programa comum, que se localize como uma importante referência aos setores da vanguarda e seja um fator na reorganização da esquerda, com a perspectiva de lançar bases para a construção de um partido revolucionário que supere a tradição reformista pela esquerda no Brasil.


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João Salles

Estudante de História da Universidade de São Paulo - USP
Estudante de História da Universidade de São Paulo - USP
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