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Autismo | Porque o capitalismo não pode dar uma saída para os autistas?

Nesse artigo buscamos demonstrar porque o capitalismo não consegue dar uma solução para os problemas dos autistas, e na verdade só aumenta as dificuldades. No Brasil 85% dos autistas estão desempregados, e autistas têm maior tendência de ter depressão e a cometer suicídio. Isso tudo mostra a falência do sistema capitalista em dar uma saída para os problemas dos autistas. Por isso, é preciso pensar em uma nova sociedade, uma sociedade socialista, que possa plenamente desenvolver livremente as capacidades dos neurodivergentes.

João Paulo de LimaEstudante de Ciências Sociais - UFRN

quinta-feira 26 de janeiro de 2023 | Edição do dia

Primeiramente, o que é autismo? O autismo é um transtorno que leva o indivíduo a ter dificuldades na interação social, com dificuldades para entender as regras tácitas e infinitamente complexas da interação humana. Assim, as pessoas autistas apresentam dificuldades com linguagem verbal e não-verbal. O isolamento social é outra característica do autista e também a forte preferência pela rotina,mostrando gosto por ter um senso de previsibilidade e controle sobre as situações, bem como uma necessidade de manter imutável seu ambiente material, e isso acontece pois ele pode achar que o mundo é uma ameaça para si, fechando-se no seu mundo onde sente mais segurança. O autista pode expressar comportamentos obsessivos e interesses sociais limitados, tendo a tendência em processar informações do ambiente de forma específica e não global. Além disso, os autistas têm um funcionamento cerebral essencialmente sistematizante. O termo ‘autismo’ deriva do grego (autos = si mesmo + ismo = disposição/orientação). Entre outras coisas, os autistas também apresentam hiperfoco, hipersensibilidade, estereotipias e comportamentos ritualistas. O autismo é um transtorno de neurodesenvolvimento com diversas apresentações clínicas. Essas apresentações variam em gravidade e são denominadas transtornos do espectro do autismo. Os autistas são classificados como neurodivergentes, justamente por apresentar aspectos do processo neurológico de forma atípica, enquanto que as pessoas supostamente “normais” são os neurotípicos, por não apresentarem alterações neurológicas ou do neurodesenvolvimento.

Ainda não se sabe as raízes do autismo, mas há consenso entre os especialistas que ele é um problema neurológico. Desse modo, ainda não se encontrou a “localização” no cérebro do autismo, havendo várias teses e hipóteses das raízes do autismo, que tentam entender o distúrbio de diversas perspectivas, tais como biológicas, genéticas, químicas etc.

Bem, qual é a relação dos autistas com o sistema capitalista? Sabemos que o capitalismo é um sistema que tem como único propósito gerar o máximo de lucro possível para a classe capitalista proprietária dos meios de produção. Por esta razão, pessoas autistas e todos os outros trabalhadores com deficiência são vistos como menos desejáveis ​​e têm menos oportunidades de trabalhar em ambientes que atendem às nossas necessidades neurológicas ou físicas únicas. Ou seja, o capitalismo é um sistema que exclui os “diferentes”, os “não aptos”, justamente por não serem capazes de gerar lucro. Assim, não é o sistema capitalista que tem que se adaptar às suas dificuldades para garantir a sua inclusão, e sim você que tem que se adaptar ao que o sistema pede. Mesmo que você tenha outros talentos e habilidades, se o sistema capitalista diz que eles não trazem lucros, isso significa que você está fora.

A falecida ativista dos direitos dos deficientes e marxista, Marta Russell, explica:

Para os negócios, a contratação ou retenção de um funcionário com deficiência representa custos extras fora do padrão quando calculado em relação aos resultados de uma empresa. Seja real ou percebido em qualquer instância, os empregadores antecipam custos maiores na forma de fornecer acomodações razoáveis, especulam que os trabalhadores com deficiência aumentarão os custos de compensação de seus trabalhadores e projetam custos administrativos extras para contratar uma quantidade desconhecida, o trabalhador fora do padrão”. (Marta Russell, “The New Reserve Army of Labor?” Revisão da Economia Política Radical 33, no. 2.pg 223-34)

Segundo uma pesquisa da National Autistic Society de 2016, estima-se que na próxima década aproximadamente meio milhão de autistas atingirão a idade adulta. Ainda de acordo com a National Autistic Society 69% deles querem trabalhar.

Os capitalistas até chegam a fazer demagogia, prometendo maior inclusão dos autistas no mercado de trabalho, mas a plena inclusão dos autistas e das PCD’s no capitalismo é completamente utópica. Os discursos de “inclusão” feitos pela burguesia são puramente cosméticos, como demonstram os dados: segundo pesquisa do IBGE de 2022, 85% dos autistas estão desempregados no Brasil.

E mesmo que houvesse empregos para os autistas, isso significa que o autista se torna um escravo assalariado, sendo explorado diariamente em um trabalho que suga sua suas energias e o obriga a realizar tarefas desgastantes principalmente para um autista, que tem dificuldades em realizar certas tarefas. Isso se agrava ainda mais quando vemos as neoliberais reformas trabalhistas e da previdência, que precarizam ainda mais a situação dos trabalhadores. Assim, não é só utópico, mas também um horizonte muito pequeno para os autistas terem um "emprego estável" no capitalismo, sabendo que todas as potencialidades e as infinitas capacidades dos autistas são barradas de se realizar no capitalismo.

O capitalismo, longe de trazer melhores condições para os autistas, empregados ou não, é um sistema adoecedor. Muitas pesquisas apontam que autistas são mais propensos a sofrer depressão do que os neurotípicos, e outros estudos apontam que a propensão a cometer ou a pensar em suicídio é maior nos autistas. E nisso o capitalismo também dificulta as coisas, pois o acesso a psicólogos, psiquiatras e demais serviços de saúde se tornam um fardo para a população autista, que nem sempre consegue arcar com esses custos que tornam o acesso à saúde um privilégio de poucos.

Os autistas enfrentam diversos obstáculos no seu dia-a-dia. Há a discriminação e o bullying que ocorre todos os dias nas escolas e nos diversos locais de trabalho até a incansávelmente denunciada violência burocrática que o Estado impõe para que se possa ter acesso aos tratamentos, aos sistemas de apoio, acompanhamentos e necessidades de transporte que são necessários.

A vida lá fora pode ser muito caótica e confusa para um autista. Por exemplo, sabe-se que muitos autistas têm audição hipersensível, fazendo com que lugares barulhentos como festas e espaços de muita circulação de pessoas, automóveis etc. seja um ambiente hostil, em que o autista pode se sentir desnorteado.

Para uma criança autista pode ser muito difícil fazer amizades em um ambiente novo, como em uma nova escola, justamente pela dificuldade de entender os mecanismos de interação social, o que pode levar ao isolamento dessa criança. Nem todas as escolas têm especialistas preparados para identificar uma criança autista e ajudá-la. Muitas vezes as pessoas passam anos das suas vidas sem saberem que têm autismo, e só são diagnosticadas mais tarde, e só vão entender os problemas que passaram na escola e na infância depois que recebem o diagnóstico. Há relatos de pessoas que receberam o diagnóstico apenas na terceira idade.

A relação social para uma pessoa autista é muito complexa, e realizar tarefas supostamente fáceis como ir ao banco, ir na padaria ou fazer qualquer outra coisa que exija o contato com outra pessoa pode ser uma atividade muito complexa para um autista. É preciso que a sociedade tenha empatia e compreensão para com os autistas, e saiba ajudar os autistas quando eles mais precisam. Infelizmente poucas pessoas sabem o que é o autismo, o que dificulta que a sociedade esteja melhor preparada para acolher os autistas.

Por outro lado há também o capacitismo e a infantilização dos autistas, como por exemplo o termo “anjo azul” utilizado para autistas, que longe de ser um termo “carinhoso”, na verdade serve para infantilizar os autistas, como se fossemos seres ‘especiais’, sempre inocentes e incapazes de realizarem tarefas sem ajuda de outras pessoas. Isso desumaniza os autistas e os coloca em uma situação de desigualdade.

Como foi dito, outro assunto delicado é a depressão e a questão do suicídio para os autistas. A depressão tende a ser maior em pessoas neurodivergentes do que em neurotípicos. Pesquisas também apontam que as taxas de suicídio é maior em pessoas do espectro do autismo. Para muitos autistas é muito frustrante o vazio de não conseguir desenvolver uma noção de si próprio e por isso acabar por ter um desconhecimento da sua própria identidade. O sentimento de que sua própria vida lhe escorre pelas mãos, pois não conseguimos entender o significado das coisas, como se tudo fosse sem sentido e nonsense, e como se na verdade nós autistas é que somos “malucos”, tudo isso é muito desesperador para uma pessoa autista.

Em um mundo capitalista de moral individualista, onde cada um é por si e cada um tem que aprender a se virar para poder sobreviver, a vida pode ser muito solitária para uma pessoa autista. Pessoas autistas muitas vezes sofrem com a carência de afeto. Muitas vezes as pessoas têm medo de se relacionar com pessoas autistas ou PCD’s. É como se fosse “chato” para as pessoas terem que lidar com alguém que é “estranho”. Assim, a sociedade capitalista, com essa moral individualista, passa a ser muito cruel e desumanizante para os autistas e PCD’s. E como sabemos, tudo isso é também cruel para mulheres, negres, LGBTQIAP+ e demais setores oprimidos por esse sistema,e é por isso que temos que nos unir.

Desse modo, vemos como o capitalismo não pode dar uma saída para os problemas dos autistas, e por isso é preciso pensar na necessidade de construir uma outra sociedade que inclua a população autista e leve em consideração suas particularidades. Uma sociedade, que siga o princípio marxista: “de cada um de acordo com sua capacidade, a cada um de acordo com suas necessidades”.

Os autistas apresentam muitos talentos em muitas áreas, tendo todo um potencial infinito de criatividade a ser liberado, mas esse potencial é barrado pelo sistema capitalista, que não garante condições básicas para que os autistas possam desenvolver as suas capacidades.

Os autistas não são “estranhos” ou “malucos”. Há um estereótipo de que as pessoas no espectro do autismo não têm empatia. Mas, na realidade, eles estão se esforçando muito para entender os sentimentos das pessoas ao seu redor. Quem conhece de fato pessoas autistas, vê que elas geralmente são bastante empáticas e com muita sensibilidade. Um grande exemplo é a jovem ativista pelo meio ambiente Greta Thunberg. Em postagem sobre autismo na sua rede social, Greta disse que “(...)sem o meu diagnóstico, eu nunca teria começado a greve escolar”:

Os autistas também são conhecidos pelos seus hiperfocos, que é o “estado de concentração intensa e sustentada de uma pessoa por uma tarefa ou um conjunto de estímulos específicos, como um estado de absorção completo". Os hiperfocos podem ser extremamente positivos, como se fosse um “super-poder” dos autistas que lhes permitem dedicar grande parte do seu tempo para desenvolver capacidades incríveis. Mas, como vimos, a sociedade capitalista vem sendo um empecilho para que os autistas possam se desenvolver.

No capitalismo, quem produz tudo que existe é a classe trabalhadora, enquanto uma minoria de burgueses que não trabalha, fica com todo o lucro apenas por ser dona dos meios de produção. Ao longo dos anos vemos cada vez mais a concentração de renda e a desigualdade aumentar cada vez mais no Brasil e no mundo. Os pobres vão ficando cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos. Em um sistema injusto como esse, os que mais sofrem são os setores oprimidos, como mulheres, negres, LGBTQIAP+, indígenas, imigrantes, PCD’s e como vemos, também as pessoas autistas.

A classe trabalhadora é composta em sua esmagadora maioria por esses setores oprimidos, e é a classe que tudo produz e que faz o sistema capitalista funcionar, e portanto é o sujeito revolucionário que pode fazer o sistema capitalista parar de funcionar, destruindo esse sistema e construindo um novo.

A organização política da comunidade autista, em perspectiva anticapitalista e revolucionária, se aliando com a classe trabalhadora e setores oprimidos se faz cada vez mais necessária, rumando a uma sociedade socialista.

Os nossos direitos não só não serão dados de boa vontade pelos capitalistas e pelos políticos burgueses, como estão sendo arrancados cada vez mais. Nada vem sem a luta. Além disso, se torna cada vez mais obscura e utópica a ideia de que por dentro do capitalismo, de forma gradual, iremos ir aumentando as conquistas e direitos dos autistas e PCD’s, pois as contradições do sistema capitalista cada vez mais vem se agravando, e mesmo as conquistas parciais são atacadas, se perdendo aquilo que se levou anos para conquistar.

Portanto, para que não mais percamos os nossos direitos, é preciso lutar para destruir o capitalismo, construindo uma sociedade socialista, onde os meios de produção sejam socializados e onde a economia seja planificada de forma a priorizar o que é necessário e não do que traz mais lucro para os ricos, garantindo a todos emprego de qualidade, saúde gratuita de qualidade, entre outros serviços. No socialismo, com os avanços tecnológicos não haverá a contradição absurda do capitalismo de pessoas que trabalham muitas horas enquanto há milhões de pessoas que não tem nenhum trabalho. O trabalho no socialismo poderia ser repartido, fazendo todos trabalharem e por menos tempo, sem ganhar menos pelo seu tempo de trabalho, e tendo mais tempo livre para ser desfrutado, dedicando esse tempo livre para o que realmente se queira fazer. Isso por exemplo libertaria tempo e energia para estudar mais o próprio autismo e suas raízes, avançando em maiores descobertas sobre esse transtorno, coisa que não é interesse do sistema capitalista, que torna a medicina um meio de lucrar, e por isso não pode achar as raízes para os demais problemas de saúde, querendo apenas lucrar com remédios e tratamentos sem achar soluções. Ou seja, se acabaria a lógica capitalista que não usa a ciência para o bem comum, mas sim só para quem tem dinheiro e pode pagar.

Além disso, uma sociedade socialista seria verdadeiramente democrática e os autistas teriam suas vozes plenamente representadas. No capitalismo vivemos uma falsa democracia, pois na prática vivemos uma ditadura, a ditadura do capital, dos capitalistas, isto é, vivemos em governos de uma extrema minoria sobre as trabalhadoras e trabalhadores, que são a maioria. Mas no socialismo quem governaria seria essa maioria trabalhadora, por ser a que tudo produz e a que tudo faz funcionar. Seria uma democracia infinitamente superior à democracia burguesa, dando voz às mulheres, negres, LGBTQIAP+, indígenas, imigrantes, PCD’s, e que portanto daria também vozes aos autistas, sendo todos esses setores componentes da classe trabalhadora, pois seria uma sociedade que pensaria no bem comum dos necessitados e oprimidos pelo capitalismo.

O socialismo se desenvolveria rumo a uma sociedade comunista, sem Estado, sem propriedade privada e portanto sem exploração e opressão, com forças produtivas e tecnológicas altamente elevadas, onde todos possam desenvolver plenamente suas capacidades, provendo cada um com o que precisar de acordo com suas dificuldades e necessidades. Nessa sociedade, os autistas poderiam plenamente se desenvolver, contribuindo com a humanidade desenvolvendo seus talentos e colocando seus hiperfocos a serviço de construir grandes obras na arte, na ciência, na cultura e em outras áreas, construindo uma sociedade em que a vida seja bela e plena de sentido.

E com isso fechamos esse texto fazendo um chamado: Autistas e trabalhadores do mundo, uni-vos!




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