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EDUCAÇÃO | Qual o caminho dos educadores e estudantes para revogar integralmente o Novo Ensino Médio?

Professores exaustos e/ou desempregados; estudantes sem disciplinas de filosofia, sociologia e até história, além de matemática e português reduzidas na grade. Todos jogados à própria sorte. Se o Novo Ensino Médio é tão ruim, então por que o governo de frente ampla encabeçado por Lula não revoga? Neste breve artigo faremos uma análise inicial sobre a formação da estrutura educacional no Brasil, o que significa o NEM e quais os objetivos do PT com o novo MEC de Camilo Santana.

terça-feira 14 de março de 2023 | Edição do dia

A formação da estrutura educacional brasileira reflete a profundidade do desenvolvimento desigual e combinado na América Latina. Até aqui, o caráter de dependência do Brasil sempre fez com que a burguesia nacional não necessitasse de mão de obra muito qualificada, dado que o capital no Brasil tem como padrão acumulação a matriz primária e exportadora, como apontado pela professora da Universidade Federal do Amazonas, Gisele Sifroni.

Ainda assim, mesmo não necessitando de mão de obra muito qualificada, frente a uma classe trabalhadora colossal, a burguesia se viu obrigada a expandir a escola pública para dividir esses trabalhadores em estratos sociais de instrução, mas também para garantir e operar uma dominação ideológica de massas. Sobre o segundo fator, Louis Althusser, em Aparelhos Ideológicos do Estado, faz uma profunda reflexão sobre o papel que a escola pode cumprir em dividir ideologicamente e fragmentar socialmente a classe dominada.

Apesar de sua estrutura educacional massiva, o Brasil - esse país que possui uma gigante estrutura educacional pública com universidades de ponta e referenciadas em todo o mundo - também é o país que possui 48% da sua força de trabalho imersa no analfabetismo funcional. Outro dado chocante é o fato de que enquanto a média de desemprego entre doutores é de 2% no mundo, no Brasil essa média chega a assustadores 25%. Agora a questão que se coloca para a burguesia é uma só: como seguir aprofundando o nível de precarização da classe trabalhadora sem que isso signifique, a priori, provocar uma enorme evasão escolar das novas gerações de trabalhadores, que precisam ser divididas, estratificadas e colocados no mercado de trabalho como competidoras entre si? A solução encontrada para essa questão burguesa tem sido o Novo Ensino Médio.

Quais os significados do Novo Ensino Médio para a classe trabalhadora?

O aprofundamento da precarização da classe trabalhadora passa pela sua estratificação e a simplificação da instrução de trabalho, além de depender de um novo processo de ideologização em massa entre os jovens, que busca fazê-los acreditar que não são mais trabalhadores e sim empreendedores.

No NEM foi a primeira reforma estrutural do governo golpista de Temer a abriu caminho para a uberização no Brasil. Agora as aulas de filosofia e sociologia, por exemplo, dão lugar a itinerários formativos e à falsa promessa de ensino técnico. Temos alunos que estudam design gráfico sem ter tido aulas de artes e matemática. Alunos fazendo "cursos de radiologia" sem laboratórios de radiologia. Não se trata de só tecnicizar o ensino público, mas sobretudo se trata de esvaziar o conteúdo crítico da aprendizagem e reduzir o nível de qualificação da mão de obra.

Tamanha precarização causada pelo NEM tem gerado muitos questionamentos entre os educadores de todo o país. O governo Lula-Alckmin vem dando sinais confusos sobre o que fará em relação à reforma, em um momento fala em “reformar a reforma”, em outro momento fala em “consultar” a população sobre o NEM. Sim, consultar entre aspas porque não há qualquer proposta de plebiscito, mas sim grupos de trabalho que organizem um relatório sobre a educação a nível nacional e deixe nas mãos do ministro da educação a decisão final. Mas quem é esse ministro?

O projeto Sobral como vitrine da Frente Ampla

Antes de entender Camilo Santana, é preciso entender de qual tradição ele vem. Camilo Santana se tornou governador do Ceará como sucessor em um grande acordo entre PT e Ciro e Cid Gomes. Anteriormente, entre 2007 e 2010, o atual ministro da educação ocupava o cargo de secretário do desenvolvimento agrário do governo de Cid Gomes. Em 2010 se tornou o deputado mais votado do estado pelo PT e em 2014, em uma chapa com Izolda Cela do PDT, se tornou governador, se reelegendo em 2018 com a mesma composição com o clã dos Gomes.

A grande marca dos irmãos Gomes em Sobral até hoje é o alto índice que a educação na cidade atingiu no IDEB (Índice de desenvolvimento da educação básica). Sobral ocupa o primeiro lugar no índice em todo o país e o Ceará tem, pelo mesmo índice, 80 das 100 melhores escolas do Brasil.

A política implementada por Cid Gomes e seu secretário de educação, seu irmão Ivo Gomes, tinha como objetivo o fortalecimento dos conteúdos basilares da educação, como português e matemática. O que em um primeiro momento pode parecer interessante, mas com um olhar mais atento se torna assustador. Cid e Ivo buscaram parcerias privadas com segmentos como o Instituto Ayrton Senna do Todos Pela Educação, e o grupo Alfa e Beto, editora de livros infantis. Tal parceria com o capital privado atuou em duas frentes: 1) formação de professores no ensino de protuguês e matemática com os livros produzidos pelos dois grupos; 2) forte treinamento com recompensas para a avaliação externa.

Em poucos anos os irmãos Gomes viram os índices do Sobral no IDEB crescerem de forma meteórica, o que fez com que a injeção de verba pública no capital privado se tornasse cada vez maior, como também se tornaram cada vez maiores práticas espúrias para o treinamento das crianças para as provas. Segundo Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor pela PUC-SP e ex-secretário do Trabalho e Desenvolvimento Econômico de Sobral (CE) na gestão de Ivo Gomes, os dados de Sobral são fortemente manipulados para se tornarem modelo em todo o país. “Diferentes professores contam que alunos bons do mesmo ou de outros anos são postos para fazer provas de alunos ruins ou doentes ou detentos, por orientação de alguns professores, que recebem (...) 500 reais a mais.", declarou Villas-Bôas em seu artigo “A verdade do IDEB de Sobral” publicado na Carta Capital.

O MEC enquanto um dos ministérios mais reacionários do governo Lula-Alckmin

Com a nomeação da dupla Camilo Santana e Izolda Cela para o ministério da educação, o que a frente ampla busca fazer agora é traçar um ponto de contato entre o Novo Ensino Médio, que se concentra apenas no ensino das disciplinas basilares enquanto exclui todas aquelas que podem desenvolver uma educação crítica, e a busca por novas metas de avaliação que posicionem bem o Brasil internacionalmente e serviam como um ativo eleitoral para 2026. O governo Lula-Alckmin busca conciliar a simplificação da instrução dos novos trabalhadores com os avaliadores de desenvolvimento educacional. E para isso Camilo Santana montou um dos ministérios mais reacionários de todo o governo.

Comecemos pelo braço direito de Santana, a ex-vice-governadora Izolda, que agora assume o maior cargo da pasta, a Secretaria Executiva. Izolda foi uma das idealizadoras diretas do projeto Sobral e articuladora das parcerias público-privadas realizadas no Ceará. Izolda é doutora em Gestão e Avaliação da Educação Pública.

Abaixo de Izolda, outros nomes fortes do novo MEC são de Maurício Holanda, ex-secretário de Educação de Sobral - que também esteve fortemente atrelado à empreitada do IDEB -, Denise Pires, ex-reitora da UFRJ e Kátia Schweickardt, ex-secretária de educação de Manaus pelo PSDB. Os três assumem a Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino, a Secretaria de Educação Superior e a Secretaria de Educação Básica, respectivamente.

Sobre Denise Pires, um dos fatos marcantes de sua carreira foi a adesão do modelo “Future-se” de Bolsonaro que levou à privatização de parte do patrimônio da universidade do Rio, o que gerou enorme revolta entre os estudantes.

Já sobre Kátia Schweickard é preciso dizer que esta é uma das expoentes mais à direita da nova composição do MEC. Schweickard gerou revolta nos educadores de Manaus após chamá-los de criminosos quando esses foram às ruas com o movimento “Fundeb para Todos”, onde cobravam o repasse do Fundeb e a saída de Kátia Schweickardt do cargo.

Outro nome do segundo escalão Karine dos Santos, que já foi servidora de confiança de Weintraub - sim, o ministro lunático de Bolsonaro - e que agora assume o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Sua nomeação é um choque para todos aqueles que esperavam uma “desbolsonarização” da máquina pública por parte do governo de frente ampla.

O PT está disposto a revogar a Reforma do Ensino Médio?

Com uma pasta como a descrita acima, cheia de privatistas, gente associada ao Todos Pela Educação e até ao PSDB, fica claro que o que Camilo Santana buscou com essa composição foi montar um ministério capaz de perseguir resultados rápidos, pela via dos indicadores de desenvolvimento, sem que se confronte com o projeto de educação da burguesia para a juventude e os trabalhadores. A reforma do ensino médio nada mais é do que uma reconfiguração social das necessidades impostas pela reforma trabalhista de simplificação da força produtiva do país. As duas reformas têm ligação umbilical e se sustentam no projeto de país imposto pelo golpe de 2016, aprofundado por Bolsonaro e agora administrado por Lula e Alckmin.

O que o cenário internacional do capitalismo reserva para o Brasil é a cada vez mais profunda reprimarização da economia e simplificação da força de trabalho, precarizando as condições de vida e pagando cada vez menos aos trabalhadores que fazem parte da base da cadeia produtiva. Nesse sentido, o NEM é auxiliar na reforma trabalhista e condiz com o projeto de país que a chapa Lula-Alckmin tenta administrar. No entanto, a contradição que se coloca para o PT é bancar o NEM frente aos questionamentos de sua base sindical, que em grande parte está assentada na educação. Isso pode gerar enorme desgaste se os questionamentos começam a se multiplicar, portanto não está descartado que o governo busque mediações "reformando a reforma" ou até volte a algo parecido com modelo anterior de ensino, que já era bastante precário e condizia com a lógica do grande capital no Brasil, revogando parcialmente o NEM.

Por todos esses motivos não podemos confiar o futuro da educação ao governo de frente ampla. Os trabalhadores da educação não podem deixar nas mãos do governo, porque qualquer que seja a alteração será em benefício da burguesia e da manutenção da reforma trabalhista. A eleição da chapa Lula-Alckmin foi apoiada por setores da burguesia nacional e do imperialismo justamente para manter de pé todas as reformas contra os trabalhadores, em especial as trabalhista e da previdência, e somente a nossa auto-organização nas ruas pode derrubá-las. As enormes greves de professores, a brava mobilização dos agentes de organização escolar e a histórica onda de ocupações secundaristas de 2016 são o nosso caminho!

LEIA MAIS: No dia 15 nossa luta pela revogação integral do Novo Ensino Médio é independente do governo




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