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Análise | Recuperação parcial do PIB, permanência do atraso, da precariedade e da pobreza

terça-feira 6 de setembro de 2022 | Edição do dia

No segundo trimestre de 2022, o PIB brasileiro voltou a surpreender e apresentou crescimento de 1,2% em relação ao primeiro trimestre, com crescimento acumulado de 2,5% no semestre. Este resultado foi acima das expectativas do mercado, que esperava crescimento de 0,9%.

Ao contrário do primeiro semestre, as exportações não foram o motor do crescimento do PIB no segundo trimestre. Na realidade, elas apresentaram queda de 2,5% em relação ao primeiro trimestre, o que termina por ser coerente com o fraco crescimento da agropecuária, de 0,5%, no trimestre. O consumo do governo também teve queda, de 0,9%. Pela ótica da demanda, os motores do crescimento foram o consumo das famílias (2,6%) e a formação bruta de capital fixo (4%).

Já pela ótica da produção, a agropecuária teve um crescimento fraco, como mencionado anteriormente, mas aconteceram expansões mais fortes na indústria (2,2%) e nos serviços (1,3%). Na indústria, os destaques foram o setor de Eletricidade, água, esgoto e atividades de gestão de resíduos (3,1%), que foi beneficiado pelo fim da bandeira de escassez hídrica que diminuiu o preço das contas de luz, o setor de construção (2,9%) e as indústrias extrativas (2,2%).

O segundo trimestre é marcado também por uma diminuição da taxa de desemprego, que fechou o trimestre em 9,3%, contra 11,1% no primeiro trimestre. Existem contradições nesta recuperação do emprego, dado que se dá com base, em especial, no emprego precário e no avanço da informalidade. Mostra disso é que a renda média cresceu apenas 1% em relação ao trimestre anterior.

Porém, o aumento na quantidade de pessoas empregadas significou o primeiro crescimento significativo da massa de rendimentos no trimestre, que foi de R$ 255,7 bilhões, crescimento de 4,4%, ou cerca de R$ 10,8 bilhões, contra o primeiro trimestre. Somado a isso, o governo federal liberou o saque extraordinário do FGTS, em uma medida eleitoreira de Bolsonaro, que injetou cerca de R$ 30 bilhões na economia no trimestre. O crescimento da inflação também foi mais lento no trimestre, em comparação com o primeiro, o que também ajuda a explicar o crescimento do consumo das famílias.

Apesar do forte crescimento em relação ao primeiro trimestre, a formação bruta de capital fixo (FBCF) apresenta queda de 2,9% no semestre, em comparação ao segundo semestre de 2021. Usando dados do Monitor do PIB, elaborado pela FGV, é possível ver que, na comparação com o segundo trimestre de 2021, o crescimento da FBCF se deu basicamente no setor da construção, pois o investimento em máquinas e equipamentos caiu 3,7% no período, o que representa uma fragilidade do crescimento do investimento.

Os lançamentos imobiliários cresceram 23% em valor em relação ao primeiro trimestre, o que ajuda a explicar parte do crescimento da construção civil, ainda que as vendas tenham apresentado crescimento de apenas 0,5%, segundo dados da Câmara Brasileira da Indústria de Construção.

Perspectivas

O crescimento do segundo trimestre alimenta as expectativas do mercado de um crescimento mais forte em 2022. O Boletim Focus, que junta as expectativas do mercado, prevê crescimento de 2,1% em sua última edição, e já acumula 9 semanas seguidas de aumento das previsões do PIB.

O segundo trimestre foi o primeiro onde as medidas eleitoreiras de Bolsonaro tiveram efeito, nesse caso a liberação do FGTS, e contribuíram para o crescimento econômico. No próximo trimestre, o aumento do Auxílio Brasil para R$ 600 fará efeito, bem como a diminuição da inflação, além da continuidade da recuperação do mercado de trabalho. No trimestre móvel de maio a julho, a taxa de desemprego foi 9,1%, e a renda média foi de R$ 2693, com uma massa de rendimentos de R$ 260,7 bilhões, crescimento de 2,9% e 5,3%, respectivamente, em relação ao trimestre móvel anterior. Favorece a economia brasileira, ainda, os altos preços de algumas das commodities exportadas pelo país, como soja, milho, café e proteínas animais, que, se bem baixaram seu preço em relação ao início da guerra da Ucrânia, se encontram em valores consideravelmente maiores do que a média do ano passado.

A campanha de Bolsonaro provavelmente irá utilizar largamente esses dados a seu favor na corrida eleitoral, em um momento onde, faltando um mês para as eleições, as chances de uma vitória de Lula no primeiro turno vão diminuindo e o atual presidente ganha alguns pontos nas pesquisas.

Esses dados, no entanto, não alteram o cenário mais provável que é uma vitória de Lula e isso se explica, em parte, pelas contradições desse crescimento econômico, pois mesmo com a queda da taxa de desemprego, a pobreza e a fome são elementos que seguem bastante fortes na situação brasileira, e atingem inclusive pessoas que têm emprego. E isso traz a outra contradição da recuperação do mercado de trabalho: a má qualidade dos empregos que têm sido gerados, em sua maioria informais. Entre os trabalhadores empregados, a quantidade de trabalhadores sem carteira assinada é a maior da série histórica, chegando a 26,7% no setor privado, 23,1% no serviço público e absurdos 74,9% entre os trabalhadores domésticos.

As outras contradições deste crescimento, estas com menor impacto eleitoral, são as que apontam a fragilidade dele. Mesmo não tendo sido a tônica do trimestre, a economia nacional segue tendo o setor externo como principal motor do crescimento, enquanto a indústria de transformação patina e o investimento em máquinas e equipamentos, que tende a preceder crescimentos mais sustentados, segue fraco.

Nos dois primeiros trimestres do ano, a economia passou picos isolados de estímulos, como a explosão do preços das commodities devido ao início da guerra da Ucrânia, ou a liberação do FGTS, ou, como tende a acontecer no terceiro trimestre, a diminuição do preço dos combustíveis e o aumento temporário do Auxílio Brasil. Mesmo acontecendo seguidamente, são isolados pois não possuem uma base de sustentação sólida. Mesmo a recuperação do mercado de trabalho, pela maneira como está se dando, pode ser rapidamente revertida uma vez que as condições econômicas piorem, ou parem de melhorar, como em uma situação onde estes estímulos isolados não estejam presentes.

Nesse sentido, as previsões de crescimento acima de 2%, ou mesmo próximas a 3%, se tornam bastante plausíveis. A exceção de 2021, onde o crescimento se deu por razões bastante específicas, seria o maior crescimento anual desde 2013, o que na verdade diz muito mais sobre a mediocridade da trajetória do PIB brasileiro no período do que sobre o crescimento de 2022. Um crescimento mais forte baseado em picos isolados, por si, é incapaz de reverter a trajetória histórica de estagnação econômica que se abre ao Brasil desde 2017. Mais do que isso, é incapaz de reverter a inserção do Brasil na economia mundial, como exportador de produtos agrícolas e minerais de baixo valor agregado, e importador de produtos de alta tecnologia, reproduzindo características históricas da economia brasileira de dependência do setor externo e da dificuldade de formar um mercado interno sólido.


Temas

PIB    Economia



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