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SEMANÁRIO

Sobre a batalha da juventude trotskista no Brasil por uma arte subversiva, independente, revolucionária e internacionalista

João Salles

Amanda Cinti

Sobre a batalha da juventude trotskista no Brasil por uma arte subversiva, independente, revolucionária e internacionalista

João Salles

Amanda Cinti

Escrevemos este texto como uma contribuição aos debates sobre a refundação de nossa juventude rumo ao Encontro Nacional “Ideias trotskistas para revolucionar o mundo”, impulsionado pela juventude Faísca - Anticapitalista e Revolucionária e pelo Esquerda Diário. Nele buscaremos discutir sobre a arte revolucionária e sua relação com a Teoria da Revolução Permanente e o trotskismo, enquanto fio de continuidade do marxismo revolucionário na atualidade. Debatendo assim qual deve ser o papel da arte na luta contra o reacionarismo da extrema direita de Bolsonaro e dos militares herdeiros da ditadura, dos latifundiários e dos grandes empresários da indústria cultural, contribuindo para uma profunda revolução social da economia, cultura, política, enfim; da vida em seu conjunto.

“Um artista-proletário se distingue de um artista-burguês não porque cria para um consumidor diferente, nem porque provém de um meio social diferente, mas por causa de sua atitude em relação a si mesmo e a seu trabalho.
Um artista-burguês pensa que criar é seu assunto pessoal, mas um artista-proletário sabe que ele e seu trabalho pertencem a um coletivo.
Um artista-burguês cria para realizar seu ego; um artista-proletário cria para realizar um trabalho socialmente importante.
Um artista-burguês se justapõe à multidão como um elemento estranho; um artista-proletário vê seu próprio povo na sua frente.
Em sua busca pela glória e pelo lucro, um artista-burguês tenta satisfazer os gostos das multidões. Um artista proletário não conhece ganhos pessoais. Ele luta contra a lentidão e é liderado pela arte, avançando incessantemente.
Um artista-burguês repete clichês da arte passada pela milésima vez; um artista proletário sempre cria algo novo, porque nisso reside sua designação social.
Estes são os princípios da arte do futuro. Aqueles que estão cientes deles são proletários, artistas-proletários, construtores da arte do futuro” [1]

A arte revolucionária pode, e deve, cumprir esse papel, do despertar político, em um sentido de enfrentamento contra a burguesia, seu projeto e suas expressões ideológicas. É evidente que em diversos lugares do país e do mundo, vemos uma juventude cada vez mais interessada nas ideias do comunismo e do marxismo, justamente para se contrapor a realidade sofrida que passamos. Mas essa mesma juventude encontra, além de muitos outros, um entrave particular: Tem como representação do comunismo, em seu imaginário simbólico, a expressão estética caricata das correntes stalinistas.

Neste sentido uma juventude trotskista tem um papel decisivo à cumprir: se colocar na linha de frente contra os ataques obscurantistas e reacionários na arte e cultura, ao mesmo tempo em que não equivale sua crítica à mera defesa das mesmas em seu conteúdo atual, como fazem os capitalistas conservadores e reformistas. Conservar as estruturas apodrecidas do capitalismo, mesmo que com a propostas de reformá-las, é uma utopia irrealizável de humanizar uma sociedade dividida em classes e sustentada na exploração e opressão.

Veja nosso Editorial: Por que uma juventude trotskista no Brasil de Bolsonaro, da fome e precarização?

Temos que adotar como uma batalha central a luta contra a falsificação histórica do stalinismo, em termos de arte, cultura e política - e que reprimiu duramente os artistas na URSS e no mundo todo. Querem convencer de que sua expressão estética, pautada no realismo socialista, de uma arte estritamente panfletária, cinza e monolítica, seria a representação do comunismo. E para levantar questões referentes a este debate, buscaremos apresentar teses sobre o papel da arte na Teoria da Revolução Permanente - ou seja, em seu âmbito cultural, partindo de algumas elaborações do historiador Afonso Machado [2], referenciadas no corpo do texto.

Posteriormente, faremos um breve resgate da experiência da Vkhutemas (Escola Superior de Arte e Técnica) na União Soviética como aquilo que, apesar de toda operação consciente de apagamento e destruição por parte do imperialismo e do próprio stalinismo, dimensiona expressões revolucionárias da arte e estética que foram fruto direto do avanço cultural proporcionado pela Revolução Russa em 1917, dirigida pelo partido bolchevique conectado com a efervescência dos sovietes. E, portanto, sobre a importância de superar a tradição stalinista também no âmbito da arte, cultura e estética, para os objetivos comunistas de uma juventude revolucionária aliada aos trabalhadores.

Teses sobre a relação entre a arte, estética, cultura e a Teoria da Revolução Permanente

1- O fato da burguesia e de seu sistema de dominação na sociedade de classes, o capitalismo imperialista, representarem um entrave no desenvolvimento das forças produtivas, e consequentemente da técnica, impede a livre manifestação artística e o avanço da cultura.

2- Portanto, o único caminho para a conquista da plena liberdade artística, de sua pluralidade na produção e exposição, e que não se submete a centralização política, é através de uma revolução socialista da classe trabalhadora e de toda população explorada e oprimida, dirigida contra a burguesia e o sistema capitalista.

3- Devido ao desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, fruto da mundialização deste modo de produção, a burguesia conservou estruturas das formações sócio-econômicas pré-capitalistas. Este aspecto se liga com a marginalização dos setores mais explorados e oprimidos do acesso à arte e cultura (mulheres, negros, LGBTQIA+); bem como da representação integral de suas expressões estéticas na cultura de massas.

4- Entretanto, a transposição das barreiras nacionais pelas forças produtivas e pela técnica, oriunda da divisão internacional do trabalho e do mercado, impactam na técnica artística, que orienta as formas de expressão da arte. Sendo assim, não há como pensar uma arte revolucionária no Brasil sem nos apoiarmos naquilo que existe de mais avançado da técnica artística internacionalmente.

5- A arte revolucionária deve ter como um de seus objetivos a crítica ao nacionalismo burguês, que no âmbito da cultura se expressa seja no escudo populista do folclorismo de uma arte "autenticamente brasileira”; seja no apagamento da arte popular e suas expressões regionais pelos tentáculos da indústria cultural que torna a arte homogênea e monolítica aos moldes da cultura imperialista. A oposição artística deve buscar a síntese no avanço internacional da técnica artística, justamente para potencializar a subversividade das formas de expressão na arte popular.

6- Este internacionalismo da arte revolucionária tem como objetivo causar o desequilíbrio do modo de vida capitalista e, consequentemente, edificar um novo modo de vida, que se desenvolve no sentido de uma sociedade da livre associação entre indivíduos sujeitos e produtores em todos os sentidos da vida - isto é, o comunismo.

7- Nós trotskistas, em uma defesa intransigente do legado bolchevique e do marxismo revolucionário na história, não acreditamos na imposição de convicções estéticas a priori. Pelo inverso, queremos demonstrar que por fora da revolução socialista a arte não tem saída, e a superação da crise das manifestações artísticas da atualidade passa por um processo permanente de revolução na cultura e nos costumes, somente possível com uma transformação radical no âmbito da economia e da produção coletivizada.

8- A arte revolucionária deve romper com a ideologia da passividade do consumidor, que opta pelo consumo (contemplação) de mercadorias (arte na lógica do capital) de acordo com sua capacidade aquisitiva, marcando a diferença da sociedade de classes no acesso à cultura plastificada. Deve demonstrar a relação do trabalho criativo, livre das amarras da alienação capitalista, como o “espírito” de uma nova humanidade e colocar a arte a serviço de um contínuo e permanente avanço das forças produtivas, da técnica e das condições de vida das mais amplas massas.

9- A oposição artística deve ter clareza de que, ao optar pela produção independente da arte, sua produção se encontra limitada em termos de recursos, e incapaz de conquistar uma base de massas nos limites do capitalismo. Isto ocorre devido a força dos conglomerados da indústria cultural, que monopolizam a técnica, recurso e a disponibilização à nível da cultura de massas.

10- É justamente por esta razão que a arte revolucionária não deve ter medo de estar restrita e isolada, em especial em épocas reacionárias. É preciso ter clareza de que a batalha para romper o isolamento das expressões subversivas, revolucionárias e internacionalistas da arte só podem, e devem, confluir com a subjetividade de massas na medida em que estas confluem com o movimento real da revolução socialista, colaborando para o mesmo, e sendo necessariamente superada pela arte e estética com base em uma sociedade transformada pela raíz.

Se tratando de uma discussão inicial, queremos com estas teses contribuir, em primeiro lugar, para motorizar as reflexões da juventude acerca do tema e abrir um debate de posições sobre arte e estética revolucionárias. Acreditamos também que as mesmas auxiliam na compreensão das bases para o resgate que propomos nesta elaboração, das vanguardas soviéticas no período que procede a revolução em Outubro de 1917, até seu esmagamento pela reação burocrática do stalinismo. Para seguirmos e aprofundarmos o debate, recomendamos os seguintes artigos:

Apontamentos sobre a Revolução Cultural Permanente e O papel da arte na Revolução Permanente, por Afonso Machado. (parte 1) (parte 2) (parte 3) (parte 4)
Literatura e Revolução: Arte Revolucionária e Arte Socialista, por Leon Trótski.
Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente, por Leon Trótski e André Breton

Sobre a importância de resgatar a Vkhutemas e as vanguardas soviéticas:

A relação “meios e fins” entre a arte e o comunismo

O apagamento consciente e sistemático operado pela grande burguesia imperialista desta experiência de seus livros sobre História da Arte se faz notar na escassez de materiais traduzidos sobre. É importante dizer que essas vanguardas artísticas soviéticas, que se desenvolveram durante e posteriormente a insurreição e a tomada do poder na Rússia de 1917, foram duramente perseguidas pelo stalinismo, tema que abordaremos mais à frente.

Poderíamos falar ainda sobre a operação ideológica, da exaltação em relação à escola alemã Bauhaus (fundada em 1919) que foi inegavelmente vanguarda, mas buscando separá-la do contexto histórico de sua fundação: se por um lado esteve marcada pela derrota da Alemanha na I Guerra Mundial, e pela efervescência política da revolução alemã entre 1918-19 - que foi traída e desviada pela social-democracia da II Internacional para restaurar o equilíbrio burguês na República de Weimar; por outro esteve profundamente influenciada em primeiro lugar pela criação das SVOMAS [3] em 1918 na URSS, que posteriormente foram substituídas pela Vkhutemas. Mas deixemos este debate para uma futura elaboração.

Buscando suprir esta lacuna nos debates brasileiros, causada propositalmente enquanto uma operação de apagamento da história e as dificuldades de tradução do russo, especialistas têm se destacado no movimento de resgate das vanguardas artísticas. Podemos destacar o doutorando Thyago Marão Villela [4], com sua dissertação de mestrado intitulada O ocaso de Outubro: o construtivismo russo, a Oposição de Esquerda e a reestruturação do modo de vida; e também Celso Lima e Neide Jallageas que organizaram o livro Vkhutemas: Desenho de uma Revolução 1918-1930, e que entrevistamos para nosso semanário de teoria e política Ideias de Esquerda, podendo ser encontrada aqui.

A inovação artística e estética proporcionada pela revolução proletária em Outubro de 1917 na Rússia foi gigantesca, e esteve acompanhada por um processo profundo de avanço na contribuição dos setores mais explorados e oprimidos, em especial as mulheres, para as áreas da arte, da pedagogia e ensino, e dos rumos do Estado operário soviético em geral. O processo de renovação no ensino e na produção artística foi fruto direto da revolução, e marcaram aquilo que Trótski viria definir como a “revolução dentro da revolução”, estabelecendo uma relação permanente de desequilíbrio e desconstrução dos elementos da cultura burguesa na sociedade, bem como de construção de uma nova cultura e um novo modo de vida.

Assim como a política pedagógica do ensino politécnico, defendida pela dirigente bolchevique Krupskaya junto a diversos pedagogos e pedagogas, podemos encontrar no conceito de arte desenvolvida pelas vanguardas que lecionavam na Vkhutemas, sobretudo o construtivismo, paralelos interessantes e nada despretensiosos: O ensino e a arte deveriam estar profundamente conectados com a esfera da produção e o mundo do trabalho, que haviam passado por um processo de revolução completa e planificação à partir da democracia soviética do Estado operário na Rússia.

Os artistas buscavam romper com o conceito de belas artes, com a ideia da arte contemplativa e também da objetividade técnica na representação da realidade. Estavam preocupados com, em primeiro lugar, ligar os debates e inovações técnicas da arte e estética com as tarefas da revolução socialista, neste sentido enxergavam que a fábrica deveria ser um espaço de fomento para a criatividade dos trabalhadores em romper com a alienação do trabalho, típica da sociedade e do modo de vida burguês. Mas se estendendo do âmbito fabril, onde a indústria têxtil estaria ligada à moda e preocupada em vestir os trabalhadores com arte! Os arquitetos pensaram as formas mais funcionais de habitação, disposição geográfica, planejamento urbano e infraestrutura, podendo usufruir da máxima liberdade para inovarem em seus designs, e assim por diante. Diversos de seus artistas propunham a incursão ao campo da abstração, inclusive na expressão da arte, como um processo fundamental da criatividade do trabalho e de uma relação cada vez menos pragmática com a aparência objetiva da realidade.

A arte revolucionária das vanguardas se desenvolviam em um ambiente com máxima pluralidade, discordância e debate de ideias. Estavam preparados para, como fizeram, romper com o paradigma da arte que havia até então, que caracterizavam como “arte de cavalete”, e criar oficinas e ateliês livres, transmitindo para cada trabalhador e jovem o espírito de romper com a separação entre o trabalho manual e intelectual: Contra a fragmentação da vida, pensar uma nova forma de enxergar o mundo à partir dos olhares da revolução e seus impactos na dinâmica social do Estado operário, buscando criticar e tencionar ao máximo as certezas para o avanço livre e inconteste da arte e estética, e assim da revolução socialista mundialmente, rumo ao comunismo - extinguindo total e completamente as classes sociais, a exploração, as opressões e o Estado à partir da elevação cultural dos trabalhadores.

A expressão política da arte revolucionária contra a burocracia e a degeneração stalinista

Diversos artistas das vanguardas (futuristas, construtivistas, suprematistas, para citar alguns) passaram a se organizar em uma mesma plataforma de arte e política: a LEF (revista da Frente de Esquerda das Artes na tradução do russo), fundada por Maiakóvski e que rapidamente ganhou adesão de diversos artistas dos mais variados segmentos (Serguei Eisenstein, Sergei Tretyakov, Liubov Popova, Varvara Stepanova, entre outros). Em uma de suas primeiras edições, a LEF se propunha a: “reexaminar a ideologia e as práticas da chamada ‘arte esquerdista’, e abandonar o individualismo para acrescentar o valor da arte para o desenvolvimento do comunismo”, se tornando um fórum vivo de debates entre artistas que tinham como objetivo se debruçar sobre a relação entre o artistas, a arte e a sociedade.

Em seu primeiro período, de 1923 a 1925, a revista debateu sobre questões referentes ao modo de vida e a arte em relação à expressão cultural da NEP (Nova Política Econômica na tradução do russo). Com o trunfo da sensibilidade artística, enxergavam nas fábricas os germes do burocratismo que buscava se impor na contradição de uma sociedade arrasada economicamente, e que incorporava elementos de mercado na sua economia, onde criticavam as expressões no modo de vida e na própria separação, cada vez maior, entre trabalho manual e intelectual. Um fato peculiar é de que em 1923, Trótski escreve seu livro Questões do modo de vida, onde dialoga com vários dos pontos levantados pela LEF, ainda que não diretamente, e sendo também o ano que marca a fundação da Oposição de Esquerda contra a política da direção do PCUS sob o mando de Stálin.

Será no segundo período da revista, de 1927 a 1929 enquanto Novyi LEF (Nova LEF), que a interlocução entre os artistas e as ideias da Oposição de esquerda se intensifica. Era natural do curso dos acontecimentos, já que a burocratização do Estado operário se aprofundava a medida que a direção do partido sustentava uma política de continuidade da NEP, enriquecendo diversos camponeses e pequenos comerciantes urbanos que agiam como um fator de desequilíbrio na dinâmica permanentista da revolução, e mesmo que se postulando como base social da burocracia, os ditos NEPman, agiam no sentido de buscar a restauração cada vez maior do capitalismo e seus elementos de expressão também em relação a cultura de massas. Ao mesmo tempo a burocracia do partido avançava em medidas autoritárias e repressivas contra os opositores: o XV congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética em 1927 ratificou a expulsão de Trótski e de toda a Oposição de Esquerda do partido, um movimento que é acompanhado por sucessivas traições da burocracia stalinista à nível internacional (derrota da revolução chinesa entre 1925-27, derrota da greve geral na Inglaterra em 1926). Diversas lideranças do grupo foram presas, enviadas aos gulags e já anunciavam os tempos de terror que estariam por vir, com os criminosos processos de Moscou onde o stalinismo prendeu, torturou e assassinou diversos militantes do próprio partido para se manter no poder incontestavelmente.

Ambos os grupos, da Novyi LEF e da Oposição de Esquerda, defendiam já há anos que era preciso abandonar a política de continuidade desnecessária da NEP, tendo sido a Oposição de Esquerda o primeiro grupo a propor em termos de programa político um projeto de industrialização, que depois viria ser adotado pela burocracia nos planos quinquenais, mas que para tanto dão um giro de seu oportunismo (enriquecer os camponeses Kulaks) para uma política de coletivização forçada entre 1929-30, com métodos bárbaros de repressão típicos do stalinismo. Estes setores de vanguarda mencionados de início sabiam que era preciso restabelecer o curso do Estado operário para o sentido de sua revolução permanente interna, fomentando a transformação dos valores, da moral, do trabalho e da cultura, e de serem um impulso para a revolução mundial - uma revolução também na técnica, na arte e estética, enfim, num novo modo de vida.

A burocracia stalinista, vindo de aprofundamento de sua política repressora contra qualquer crítico ou opositor, sabia que manter uma instituição como a Vkhutemas colocava em risco sua dominação de casta. Passam então a operar um movimento consciente de censura e centralização da arte a partir de suas políticas de gabinete, e a instituição que fora criada por decreto de Lênin em 1920 é fechada no ano de 1930, à mando de Stalin. Diversos de seus artistas passaram a ser perseguidos, como fora com a Oposição de Esquerda e Trótski, e culminou em casos trágicos como o suicídio político de Maiakóvski no mesmo ano em que fecham o instituto. O clima da pluralidade de ideias, da crítica e do questionamento permanentes, foram completamente extinguidos, e o governo reacionário da burocracia decreta que a “arte oficial” da URSS passa a ser o realismo socialista, um retrocesso cultural, artístico e estético de proporções impressionantes.

A importância de resgatar tal experiência é tamanha nos dias de hoje, pois é preciso armar em termos de teoria e de estratégia a juventude aliada aos trabalhadores para as tarefas da revolução socialista. Mas, sem qualquer dogmatismo, é preciso saber que a crise “também é estética”, e neste sentido a batalha por uma arte revolucionária independente, subversiva e internacionalista, passa necessariamente por denunciar os crimes do stalinismo e resgatar os fios de continuidade do pensamento verdadeiramente comunista em todos os aspectos da vida, incluindo a dimensão da subjetividade e da cultura, que sempre andaram lado a lado com o sentido político daqueles que sempre se mantiveram nas fileiras da revolução socialista mundial.

Como recomendação de leitura sobre o conteúdo político do realismo socialista, ver O realismo socialista revisitado, por Thyago Villela (parte 1) (parte 2) (parte 3) (parte 4) (parte 5)

Algumas conclusões, com pontos de debate e discussão

Acreditamos que este debate é fundamental para a reflexão das tarefas colocadas para uma juventude trotskista no Brasil de Bolsonaro, Mourão e das instituições do golpe institucional. A defesa da arte e cultura contra os ataques obscurantistas da extrema direita deve ser uma tarefa de primeira ordem para toda juventude, no entanto deve estar balizada por um conteúdo crítico e de defesa de uma outra arte, contra os mecanismos de cooptação da indústria cultural, criando um verdadeiro movimento de contracultura. Assim como na política, a arte verdadeiramente revolucionária só pode ser vislumbrada enquanto uma arte independente, e deve ter como um de seus princípios o internacionalismo. O resgate histórico que realizamos, para nós, deve servir como um ponto de partida para os debates sobre a dimensão estética da refundação de uma juventude trotskista no Brasil de hoje.

Certamente existem ainda muitos outros debates a serem feitos, como por exemplo a batalha de diversos artistas no Brasil contra as amarras na arte - tal qual parte do movimento modernista, Mário Pedrosa, ou até mesmo experiências como as intervenções artísticas da juventude LIBELU (Liberdade e Luta) durante a ditadura militar, várias delas marcadas profundamente pelas ideias de Trótski acerca do tema. Temas que devem ser objeto de reflexão crítica, apropriação e elaboração desta juventude que queremos construir. Com estas reflexões iniciais rumo ao nosso Encontro Nacional “Ideias trotskistas para revolucionar o mundo” nos dias 10, 11 e 12 de Dezembro, convidamos toda juventude a refletir sobre as relações entre os nossos desafios para o próximo período, preenchendo o espaço do semanário de arte e cultura Carcará com reflexões estéticas. Buscaremos pela raiz as soluções estéticas que melhor nos auxiliarão na luta contra o reacionarismo que vivemos, nos jogando a refletir com toda a criatividade e energia próprias de uma juventude que tem como espírito a Revolução Permanente - isto é, trotskista, profundamente ligada a classe trabalhadora. Olharemos o mundo com os olhos abertos e amaremos a vida com a profundidade apenas possível para aqueles que acreditam verdadeiramente na revolução socialista e nos fins comunistas de nossa luta.


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FOOTNOTES

[1Osip Brik, 1918

[2Afonso Machado é historiador e militante cultural. Cofundador do Boletim Lanterna - blog de arte revolucionária - e colaborador do Esquerda Diário, atua apaixonadamente no debate sobre arte moderna e contemporânea e pesquisa as vanguardas artísticas do século XX.

[3SVOMAS (Estúdios Livres de Arte do Estado traduzido do russo) eram as escolas-oficinas de arte que foram implementadas em algumas cidades a partir de 1918, um ano após a revolução russa de 1917. Tinham como objetivo divulgar a consciência e prática artísticas para a sociedade, principalmente para os setores historicamente mais explorados e oprimidos. Os exames de admissão foram abolidos, as disciplinas de História da Arte se tornaram optativas, o corpo docente foi constituído pelos artistas vanguardistas da época e os alunos eram livres para escolher os professores e disciplinas.

[4Doutorando em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP (2017-). Mestrado em Artes Visuais, na área de História, Crítica e Teoria da Arte, pela Universidade de São Paulo - USP (2014). Graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), nas áreas de bacharelado em Sociologia e licenciatura em Ciências Sociais (2011). Tem experiência nas áreas de Arte e Sociologia, atuando principalmente nos temas seguintes: revolução russa, arte soviética, construtivismo russo, arte moderna.
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João Salles

Estudante de História da Universidade de São Paulo - USP
Estudante de História da Universidade de São Paulo - USP

Amanda Cinti

Estudante de Artes Visuais - UNICAMP
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