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História USP | Sobre a reforma curricular no curso de História da USP

Em 2022, com o retorno das aulas presenciais na USP, voltou a ser debatida a reforma curricular do curso de História, após o debate ser suspenso devido a pandemia, e que, segundo o departamento, valerá já para os ingressantes de 2024. Infelizmente, os atuais estudantes não tiveram nenhum espaço qualitativo para debater o seu próprio currículo.

terça-feira 14 de março de 2023 | Edição do dia

A proposta apresentada pela direção do curso tem se baseia na ideia de dar maior autonomia para os estudantes escolherem suas áreas de interesse. Dessa maneira, seriam diminuídas as matérias obrigatórias, e muitas disciplinas que hoje são dadas em dois semestres passariam a ser apenas um. Aumentariam, assim, as disciplinas optativas, que seriam divididas em sete percursos formativos, e os estudantes teriam, obrigatoriamente, que fazer pelo menos uma disciplina de cada.

Desta maneira, o curso teria um ciclo básico, obrigatório, bastante reduzido e os alunos, desde os primeiros semestres, terminariam por escolher uma área para especializar-se. Como bem apontam os professores Rodrigo Ricupero e Lincoln Secco, a Reforma do Ensino Médio, ao diminuir enormemente o ensino de humanas nas escolas, tende a aprofundar as debilidades de conteúdo dos ingressantes, em especial os egressos de escolas públicas, e ciclo básico reduzido, onde tem grande peso as disciplinas de História do Brasil, História das Américas e História Ibérica, não seria capaz de suprir tais deficiências.

Outra questão fundamental do curso, e que é pouco abordada na discussão sobre a reforma, é a falta de professores. Hoje, são cerca de 50 professores no departamento, número que já foi de 70, o que já gera problemas hoje no curso, inclusive a disciplina de História da Ásia, que havia a proposta de se tornar obrigatória, não existirá devido a falta de professores no departamento.

Um currículo com maior peso de disciplinas optativas oferece uma maior “flexibilidade” para acomodar a falta de professores e, consequentemente, a menor oferta de disciplinas. No entanto, a melhor opção para estudantes e professores do curso não deveria ser a acomodação, mas sim a exigência de maior contratação de professores efetivos, e não de professores temporários que ganham salários baixos e não podem realizar pesquisas ou orientar estudantes.

Qualquer reforma curricular deve enfrentar este ponto nodal da falta de professores, que decorre dos chamados Parâmetros de Sustentabilidade, aprovados pelo reitor Zago, que congelou o orçamento da USP, impedindo a contratação de novos professores e funcionários efetivos.

Soma-se a isso um problema central: a falta de espaços de debate. Os atuais estudantes do curso não tiveram nenhuma oportunidade de opinar sobre o que acham do currículo, visto que o único espaço organizado ao longo de todo o ano de 2022 foi uma mesa que serviu apenas para explicar, mas não para diretamente questionar, os termos da proposta de reforma curricular.

A discussão em torno do currículo de um curso não é apenas acadêmica, mas fundamentalmente política. Hoje, o conhecimento produzido na USP está a serviço, primordialmente, de gerar patentes e novos produtos para grandes empresas, como fica demonstrado nas parcerias da USP com grupos empresariais, ou no orgulho com que a Reitoria fala das start-ups que nasceram na universidade. Esta é uma das razões pelas quais a FFLCH e os cursos de humanas se encontram hoje sucateados, enquanto outros prédios tem estrutura melhor, porém bancada por empresas privadas que usam do conhecimento produzido pela universidade para seus próprios fins lucrativos, através de pesquisas privadas. Por outro lado, o debate acerca da história do país e do mundo também se adentra numa disputa onde cada vez mais vemos expressões reacionárias e propriamente burguesas, que se utilizam de narrativas para legitimar as contradições existentes no mundo tal qual ele é, vide veículos de desinformação como Brasil Paralelo, e pela via de cada vez mais vermos reivindicações de verdadeiras tragédias enquanto modelos a serem seguidos, como a ditadura militar, assim como pelo apagamento da história de setores que são cotidianamente excluídos e marginalizados da sociedade. Portanto, o papel da história no que diz respeito à atualidade pode ter um potencial imenso no que diz respeito tanto a criticar o passado, como o presente e que um processo consciente de análise a respeito disso passa por pensar a serviço do que estará o conhecimento reproduzido pelo currículo na universidade.

Neste cenário, a discussão sobre o que é ensinado para os estudantes é fundamental para a defesa de uma universidade que esteja a serviço da classe trabalhadora e do povo pobre, algo que só pode ser articulado junto a um questionamento profundo da estrutura elitista, reacionária e anti-democrática da USP e das universidades em geral.

Um exemplo importante da disputa em torno do que deve ser ensinado e pesquisado nas universidades são as disciplinas de História Africana e de História Indígena, que durante década foram ignoradas ou secundarizadas e hoje são obrigatórias, fruto da luta dos movimentos negro e indígena.

Por isso, se torna tão problemática posição da atual gestão do CAHIS, que não se coloca criticamente quanto à reforma e que também não cria e constrói espaços qualitativos para que os estudantes possam colocar e debater suas opiniões e definir concretamente propostas que poderiam estar a serviço de uma mudança curricular. É papel do centro acadêmico, entre outras coisas, garantir que os estudantes possam participar de um processo tão importante como esse e exigir que o departamento acolha as sugestões do corpo discente, e que não as use como meros pesos de papel. Além do CA ser um instrumento de politização e de debate com es estudantes, fazendo um debate amplo, por exemplo, sobre o Novo Ensino Médio, que já vem mostrando um nível de precarização extremo tanto com as condições de trabalho, ensino e aprendizado. Articulando lutas e campanhas com setores fora da universidade, seja da juventude, estudantes, professores e a população em geral, batalhando para intervir na resolução estrutural do problema. No caso do curso da História, as correntes que compõe a gestão, como a Correnteza e o Juntos!, tem cadeiras e espaço tanto na UEE (União Estadual de Estudantes) quanto na UNE (União Nacional dos Estudantes), bem como no movimento secundarista (UMES e UBES), que é um dos que mais sofre com o Novo Ensino Médio, e que será afetado pela nova Reforma Curricular.

Nós, da juventude Faísca Revolucionária, acreditamos que é necessário que seja convocado um Congresso de Estudantes da História que possa debater democraticamente e que possa formular, em debate também com professores e trabalhadores do curso, a sua própria proposta de currículo. É dever do centro acadêmico organizar este Congresso e também se opor a que qualquer reforma seja implementada sem que os estudantes possam apresentar a sua proposta, ou que apoie uma medida que dificulta o aprendizado dos estudantes mais pobres, e normaliza a precarização do curso e da educação de conjunto.

Um Congresso como esse, além de debater democraticamente os rumos da Reforma e do ensino no curso, traria uma maior organização dos estudantes do curso a partir das bases, assim como uma maior relação orgânica com os funcionários e professores, fortalecendo de conjunto a luta contra a precarização da universidade, política que a reitoria leva à frente, e que tende a se intensificar mais ainda com um governo de extrema direita, como é o do bolsonarista Tarcísio, que tem a educação como um de seus principais inimigos. Podendo também ser um espaço a serviço de se pensar o papel e a relação entre a base do curso e sua entidade representativa, a fim também de se debater qual seria o modelo mais democrático de representação no CAHIS, como a proporcionalidade, onde cada chapa participante de uma eleição estudantil poderia ter representantes dentro da gestão de acordo com seu desempenho eleitoral, podendo abranger as distintas visões dentro do curso e fortalecendo a experiência entre os estudantes com cada uma.

É através de espaços como esse que podemos nos organizar para questionar o conhecimento que nos é ensinado, as pesquisas realizadas na universidade e a sua estrutura de poder que exclui estudantes e trabalhadores, em especial os terceirizados, das decisões que os concernem.




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