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Debate | Sobre o Polo Socialista Revolucionário e perspectivas da esquerda que se reivindica socialista

Depois de anos de um país marcado pelo golpe institucional e por um governo federal de extrema direita, a campanha política e a vitória de Lula-Alckmin reorganizam o cenário político nacional. Há muitos debates sobre essa mudança de marco estratégico que extrapolam os objetivos deste artigo, o que vamos nos centrar aqui é sobre como encaramos a tarefa da construção de um polo de independência de classe na situação nacional e a perspectiva do Polo Socialista Revolucionário neste marco, inserido dentro dos desafios da esquerda que se reivindica socialista, não só daquelas correntes políticas organizadas, mas do conjunto dos ativistas e independentes que reivindicam essa perspectiva ou buscam uma alternativa com esse objetivo.

domingo 20 de novembro de 2022 | Edição do dia

O PSOL segue aprofundando seu processo de transformação em um partido do regime político degradado pelo golpe institucional. Depois de fazer a federação com a Rede de Marina Silva, de sequer apresentar candidatura independente para presidente e em vários estados para governadores para poder se adaptar completamente à Frente Ampla, agora integra com diversas figuras públicas o governo de transição e já expressa o caminho de se integrar ao governo Lula-Alckmin, ainda que possa ser através de cargos secundários devido à que a composição do governo efetivamente pode se configurar privilegiando ainda mais que no governo de transição os representantes da direita e dos patrões. Independente do espaço que vai ser efetivamente cedido ao PSOL, o fato é que este partido perdeu qualquer caráter independente e socialista, o que reafirma a importância de que os setores da esquerda do PSOL que não compactuam com este caminho rompam com esse partido para se somarem a um processo de reorganização da esquerda socialista.

Isso aprofunda o desafio na esquerda brasileira que é a construção de alternativas à esquerda do PT e do PSOL que sejam de independência de classe e que frente ao futuro governo federal eleito adotem uma postura de completa independência política, o que deveria ser um princípio elementar da esquerda que se reivindica socialista, mas pelo nível de adaptação ao PT e sua política de conciliação de classes é necessário remarcar com força como um desafio central de uma batalha a dar em todas as organizações do movimento de massas.

Para pensar as perspectivas, será importante aprofundar balanços sobre a relação da esquerda com o PT para tirar lições que sejam capazes de abrir caminho para o surgimento de uma força política de independência de classe que supere o PT pela esquerda, pois já são mais de 40 anos de existência do PT e nunca surgiu uma alternativa importante com peso pela esquerda que se consolidasse como referência. Isso passa pelo balanço do PSOL e do que o levou a essa caminho de integração à política de conciliação e ao regime, e também das demais organizações existentes atualmente, a maioria com décadas de existência, e do processo desperdiçado de rupturas pela esquerda com o PT que se deu no primeiro governo Lula. Para isso, serve pensar o exemplo da situação da esquerda argentina onde a FIT-U e o PTS emergiram como alternativa que tem peso na luta de classes e projeção política também no terreno eleitoral se consolidando como terceira força política no país, como uma referência de independência de classe contra os ajustes do governo peronista/kirchnerista, e contra a oposição de direita. Esse é um ponto de apoio fundamental para a batalha que o PTS vem levando adiante pela construção de um grande partido socialista da classe trabalhadora, organizando 100 assembleias abertas por todo o país para debater esse tema junto a um plano de enfrentamento ao FMI e seus agentes nacionais, ao mesmo tempo que convoca a esquerda e os ativistas classistas a conformar um polo de independência de classe.

Nós do MRT, como parte da Fração Trotskista,sempre defendemos a construção de polos anti-burocráticos e classistas que reunissem os setores que se colocam à esquerda do PT e das burocracias sindicais e dos movimentos sociais, que pudesse se articular na luta de classes, bem como a necessidade de debates teóricos, programáticos e estratégicos na esquerda brasileira. Desde a fundação da Conlutas também atuamos nessa central sindical buscando colaborar neste sentido, assim como em cada lugar do movimento operário, estudantil e popular em que atuamos. Também buscamos dialogar com setores do PSOL que não fazem parte da Conlutas em diversos momentos de acordo com os desafios que se colocaram na realidade. Assim como buscamos atuar em comum na luta de classes e abertos a debates inclusive com setores que vão além dos que compõem a CSP-Conlutas e o PSOL.

Foi neste mesmo sentido que, assim que surgiu o Polo Socialista Revolucionário, nós do MRT nos propusemos a ingressar, partindo do nosso acordo com o que dizia o Manifesto em outubro de 2021: “Aquelas e aqueles que assinam este Manifesto o fazem por entender a importância e a urgência de construir essa alternativa Socialista e Revolucionária para o nosso país. E chamam a organizar um Polo que aglutine todas as forças que se comprometam com essa construção por compreender a necessidade de unir todas as forças, de todas e todos que querem, de forma honesta, acabar com as mazelas que o capitalismo impõe à nossa classe e à juventude e que defendem um futuro socialista e comunista para a humanidade. Esse é o objetivo deste manifesto”.

A reflexão sobre a estratégia para o Polo Socialista Revolucionário passam por diversos aspectos importantes pontuados nos artigos de Eduardo Almeida do PSTU e de Claudia Gonzales e Michel Tunes da CST-PSOL e Magno Carvalho, que refletem estes temas ligados à estratégia para a esquerda brasileira que não é possível esgotar neste artigo.

Consideramos que foi importante ter surgido o PSR nas eleições, se colocando contra a conciliação de classes e de forma independente das organizações da tradição stalinista como o PCB e UP. Buscamos colaborar para essa atuação do Polo com as propostas que apresentamos no processo de sua construção, bem como nas contribuições para eixos e programa que foram debatidos para que fosse um patamar comum das candidaturas majoritárias, bem como participando das iniciativas unitárias do Polo.

Ainda assim, consideramos que tem ocorrido limites para essa experiência que vem dificultando a possibilidade de atrair setores que rompem com o PSOL e se consolidar como um verdadeiro polo no sentido proposto e nos parece que isso está vinculado justamente às concepções que o PSTU expressou através do artigo de Eduardo Almeida, que acaba por limitar o PSR para uma atuação pontual eleitoral e coloca como a única perspectiva correta para os membros do PSR seria ingressar no PSTU, o que obviamente não contempla os setores que resolveram participar de sua construção, muito menos pode atrair novos setores. Além disso, se trata de uma posição extremamente auto-proclamatória para um partido que defendeu políticas tão equivocadas frente ao golpe institucional e à prisão arbitrária de Lula, que foi objeto de inúmeros debates programáticos e estratégicos na esquerda.

Consideramos que a necessidade de um polo para intervenção na luta de classes (onde a CSP-Conlutas tem um papel importante, mas é necessário ir além dela) e dos debates na esquerda seguem vigentes e se fortalecem na perspectiva de um novo governo do PT a nível federal, e essa segue sendo a nossa batalha como MRT. Parte destes debates que consideramos fundamentais na esquerda brasileira temos promovido através do Esquerda Diário, do semanário teórico Ideias de Esquerda, nas Edições Iskra, no curso sobre a história do Brasil debatendo lições para a esquerda hoje, em nossos podcasts, e mais recentemente no Esquerda em Debate, onde entrevistamos 24 referências da esquerda intelectual, política, sindical e dos movimentos sociais no Brasil.

Consideramos que na esquerda brasileira é necessário um debate de balanço das experiências do PSOL e do neorreformismo internacionalmente. Para isso, não basta conclusões gerais como a que os companheiros do PSTU apontam de que é necessário um “partido leninista centralizado democraticamente”, o que em termos abstratos muitos da esquerda tem acordo, mas que tipo de partido seria esse e quais são as diferentes concepções que se expressam de partido leninista na vanguarda? Ao que parece, o PSTU tenta explicar a crise do seu próprio partido que vem se agudizando ao longo dos anos, e da principal sessão da sua corrente de origem, de Nahuel Moreno, que foi o MAS na Argentina, escondendo todos os muitos problemas por trás da explicação pitoresca que todos que romperam o fizeram porque se adaptaram ao eleitoralismo. No caso do Brasil o alinhamento ao golpismo por exemplo foi fatal ao PSTU (o que é parte inclusive da desconfiança que setores do PSOL e da vanguarda tem em relação ao PSR). Isso também foi parte da crise de sua corrente internacional que se alinha sempre a movimentos de direita contra governos “progressistas”, o que se relaciona com a Teoria da Revolução Democrática, como já debatemos aqui.

Outro debate fundamental é a necessidade de verificar os acordos que são possíveis para atuação em comum da esquerda socialista, onde consideramos que a FIT na Argentina é uma referência, e que no caso do Brasil seria necessário aprofundar no seu conhecimento e balanço, pois se trata de um polo de independência de classe, onde o PTS faz debates, de maneira pública com as demais organizações em relação aos diversos desacordos , sem deixar com isso de buscar todos os acordos possíveis no terreno da luta de classes e no terreno eleitoral. Debater e conhecer essa experiência no Brasil seria frutífero para superar visões tão equivocadas como a que os companheiros do PSTU expressam.

Um dos fatores essenciais que será necessário fortalecer na esquerda brasileira para uma reorganização socialista e revolucionária é a luta pela auto-organização e contra as burocracias sindicais e políticas, o que é urgente resgatar como tradição. Também é fundamental debater a necessidade de desenvolver uma esquerda revolucionária em contraposição às tentativas de revitalizar a tradição stalinista burocrática e conciliadora - para estes debates apontamos contribuições que publicamos aqui e aqui.

Neste sentido, em nossa visão o PSR deveria seguir existindo, tal como viemos propondo desde o começo, seria necessário buscar para fortalecê-lo como um Polo para a luta de classes que avance cada vez mais programaticamente e batalhe pela independência política dos trabalhadores e da juventude, e agora diante do novo governo eleito. Que na luta de classes este Polo deve desenvolver um claro programa operário anticapitalista que comece por batalhar pela revogação integral de todas as reformas, algo indispensável para que o enfrentamento à extrema direita se dê com total independência política do governo Lula-Alckmin. Isso diferencia o Polo de correntes como o PSOL (nomeadamente também a Resistência e o MES, que por exemplo falam de "revisão", e não revogação, da reforma trabalhista, adotando a fórmula de Alckmin e do PT). O Polo deveria existir para batalhar pela reagrupação e coordenação da vanguarda dos trabalhadores e dos setores oprimidos contra todos os ataques, denunciando a paralisia das centrais sindicais, cuja esmagadora maioria agora é parte do governo de transição zelando pela paz social, e exigir das maiores centrais sindicais e movimentos de massa um plano de luta claro para derrotar os ajustes que estão de pé e aqueles que se prometem em benefício da "responsabilidade fiscal". Esse deveria ser para nós o sentido de existência para o seguimento do Polo.




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