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Socialismo ou barbárie em tempos de bolsonarismo

Diana Assunção

Socialismo ou barbárie em tempos de bolsonarismo

Diana Assunção

Depois de 4 anos de governo Bolsonaro o ódio de classe toma conta de todos nós que vemos neste governo o símbolo da barbárie, ou seja, de uma política reacionária de extrema-direita contra os trabalhadores, as mulheres, os negros, as LGBTQIAP+ e o povo pobre. Diante deste cenário vemos de forma recorrente amplos setores da esquerda apontarem que nessas eleições se trata do embate entre “democracia ou barbárie”. E onde fica o socialismo?

Essas eleições não são normais. Como poderiam ser normais eleições em que os militares fazem uma fiscalização das urnas a pedido do TSE e onde Alexandre de Moraes atua como um verdadeiro imperador que decide quem pode falar o quê? O fenômeno que vemos em curso neste momento é da primeira eleição depois de 4 anos do odioso governo Bolsonaro, mas também depois das eleições manipuladas de 2018 com a prisão arbitrária de Lula onde o conjunto das instituições do regime político do golpe institucional atuaram para impedir a população de poder decidir em quem votar. De tweets de generais à deliberação do STF, a prisão de Lula foi um coroamento do processo que se iniciou em 2016 com o impeachment de Dilma, em uma forte ofensiva da direita que desde então ficou conhecida como golpista para aprofundar os ataques que o governo do PT já estava fazendo. O objetivo, claro, era descarregar a crise capitalista nas costas dos trabalhadores e do povo pobre.

Este roubo do sufrágio universal foi avalizado por todo regime político. Lembremos que simplesmente o candidato mais popular em 2018, que era Lula, foi preso poucos meses antes das eleições estando à frente de todas as pesquisas. Carmen Lucia, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edison Fachin, Luis Roberto Barroso e Rosa Weber, todos ministros, eleitos por ninguém, que votaram pela prisão de Lula. É possível acreditar que agora parte destes integram uma suposta “brigada democrática” contra a barbárie? Mais lógico seria constatar que as instituições do regime atuam de acordo com os desígnios e interesses dos capitalistas - e às vezes oscilam ou se chocam entre si porque também a burguesia se divide sobre qual o melhor caminho para impor seus interesses. Na tradição marxista é comum a definição de que o Estado atua como um verdadeiro balcão de negócios dos capitalistas. No Brasil é preciso salientar com força o papel do poder judiciário nesta definição, já que desde o golpe institucional vem ganhando aura de árbitro político sobre tudo e sobre todos. Não está claro que para o golpe institucional foi essencial o papel do judiciário e um juiz como Sérgio Moro, mas também do STF, assim como é hoje - com Alexandre de Moraes enquanto protagonista, para a manutenção de um regime degradado e marcado pelas reformas e ataques? É um papel ainda mais nefasto quando vemos que o resultado desta bonapartização das forças judiciárias no país foi o fortalecimento da extrema-direita e a chegada de Bolsonaro ao poder. Afinal, com o povo impedido pelo STF de votar em quem decidisse, quem ganhou as eleições de 2018? Já sabemos.

A diferença, entretanto, está justamente para onde apontam os mandos e desmandos desta mesma justiça, agora diante de seu “filho indesejado”. O bolsonarismo vem mostrando que se consolidou com um discurso reacionário anti-sistêmico, mas que mesmo este discurso assumiu seu “lugar ao sol” dentro do regime político pós-golpe: sim, cabem todos. Aceitaram o resultado do 1º turno, os militares aceitaram uma fiscalização “male-má” propondo um relatório até 30 dias depois do resultado - dizendo que é para “não ter distúrbios”, enquanto nem avalizam, nem fecham a possibilidade para discursos golpistas de Bolsonaro. Roberto Jefferson virou “bandido” nas palavras de Bolsonaro e o mesmo reafirmou que atuará sob as “4 linhas da constituição”, ao mesmo tempo que segue preparando a agitação golpista caso perca as eleições. Mas a verborragia de extrema-direita foi contida na campanha eleitoral bolsonarista, dedicada somente aos núcleos mais radicais e fascistizantes desta ideologia. Para a massa o diálogo foi outro, eleitoral. Isso expressa uma espécie de “institucionalização” da extrema-direita, que se busca conter, também, com este papel de “juiz do mundo” que está assumindo Alexandre de Moraes nas eleições. Ele decide quais contas de redes sociais devem ser banidas ou não, quais conteúdos devem ser retirados ou não. Para a extrema-direita isso insufla a bandeira da “liberdade de expressão”, continuamente utilizada como desculpa para melhor explorar e oprimir, combinada com a sedução liberal do individualismo levado ao extremo. Mas os que batem palma para Alexandre de Moraes ficam de mãos atadas quando este, por exemplo, proíbe a denúncia de que Paulo Guedes anunciou um cruel arrocho salarial sobre o salário mínimo ou proíbe a denúncia de que haveria “pintado um clima” entre Bolsonaro e meninas venezuelanas de 14 anos, nas palavras do próprio canalha. Isso é somente uma pequena mostra de que, ainda que o aumento do poder nas mãos do judiciário em determinado momento se volte contra a extrema-direita, irá se voltar especialmente contra a esquerda e os trabalhadores. E isso não é apenas uma previsão para o futuro, é uma constatação do passado quando foi o direito da população que o judiciário roubou ao manipular as eleições em 2018. Por que confiar tanto neles neste momento?

Daí que se escancara toda a discussão sobre a democracia e a barbárie. Neste caso não se trata da célebre frase “socialismo ou barbárie” que tomou força no pensamento de Rosa Luxemburgo diante da tragédia que foi a 1ª guerra mundial. Neste momento há um “quê” de etapismo no pensamento de alguns. De outros nem tanto, já que o projeto é abertamente administrar o capitalismo com responsabilidade fiscal, ao lado dos empresários e mantendo os pilares da obra econômica do golpe institucional. Com isso, já é possível dizer que o PT se propõe ao papel de incubadora de uma nova direita no país, como fica explícito na necessidade apresentada por Renato Janine Ribeiro sobre a busca por um novo partido de direita, após o derretimento do PSDB. Mas aqui nos interessa o discurso da esquerda que se reivindica socialista, como correntes do PSOL, e que aponta a disputa entre democracia e barbárie como uma etapa na luta pelo socialismo. Isso era de se esperar por parte de correntes da tradição stalinista, com sua política etapista de incontáveis alianças com alas da burguesia, como é o caso da Unidade Popular (UP) e do PCB, que agora afirmam que não há “burguesia progressista”, mas embarcaram de forma entusiasmada na frente ampla de Lula com o grande capital urbano, industrial e financeiro (Fiesp e Febraban), com o objetivo de “defender a democracia”, já deixando isso claro desde a assinatura no Manifesto do 11 de agosto, que o Senado dos EUA apoiou por unanimidade. Por sua vez, já sabemos que muitas correntes no Brasil têm sua origem no morenismo, corrente centrista que é conhecida por sua revisão do permanentismo de Leon Trótski, dando lugar a uma mal chamada teoria de revoluções democráticas com direções “quaisquer”. Aqui é menos do que isso o que tratamos. Não há nenhuma revolução em curso, nem uma luta contra uma ditadura, não há sequer uma mobilização em curso, já que as centrais sindicais atuam para dividir e impedir qualquer resistência efetiva. O que está em curso são eleições entre uma extrema-direita odiosa, uma frente ampla com Lula-Alckmin e grande parte do regime político e com apoio da ala Democrata do imperialismo norte-americano, um aprofundamento do autoritarismo judiciário e uma tutela militar avalizada pelo TSE e não questionada pelo PT.

Neste sentido, é contraditória a consigna de democracia ou barbárie porque se por um lado Bolsonaro representa o esgoto mais putrefato da extrema-direita e dos militares, não deveria ser poupado, também, o aprofundamento do autoritarismo judiciário com tutela militar. O que o PT e setores da esquerda vem aplaudindo como uma “mão firme” do judiciário para disciplinar a extrema-direita não é um “fortalecimento da democracia”, senão uma “degradação” da mesma, que terá cada vez mais em seus juízes milionários e eleitos por ninguém o poder de decisão, para quem sabe um dia, prender um candidato popular ou pressionar pelo impeachment de uma presidente eleita. Se o bafo sujo dos generais se fizer sentir, ainda mais rápido isso pode acontecer. O processo de degradação galopante da democracia dos ricos no Brasil é um dos elementos cruciais do último período e ao que tudo indica dos próximos anos, e parte constitutiva fundamental de combate para uma posição de independência de classe.

Isso significa em primeiro lugar enfrentar firmemente qualquer tipo de ataque golpista contra o direito de o povo decidir em quem votar. Rechaçamos a fiscalização militar avalizada pelo TSE, o arbítrio de Alexandre de Moraes impedindo as denúncias contra o programa escravista de Paulo Guedes, e todos os atentados bolsonaristas a lá “capitólio trumpista” que podem surgir, apesar do “tiro no pé” do fascistóide Roberto Jefferson. Qualquer distúrbio bolsonarista que não aceite uma eventual vitória da chapa Lula-Alckmin deve ser respondido com mobilização. Assim como deveria ter sido respondido com mobilização o impeachment da direita contra Dilma Rousseff, a prisão arbitrária de Lula e cada uma das contra-reformas anti-operárias que compõe o combo da alegria capitalista que fez até Rodrigo Maia chorar de emoção quando aprovada a reforma da previdência que nos fará trabalhar até morrer.

Mas significa também pensar que a defesa de uma verdadeira democracia não está em bater palmas para a degradação deste regime político pós 1988. E sim, diante destes expurgos que hoje se alinham com a chapa Lula-Alckmin - porque se movem ao bel prazer do capital financeiro internacional, em batalhar por uma política de independência de classe que lute por todos os direitos democráticos em meio a essa democracia dos ricos, mas com uma perspectiva socialista, que é incompatível a uma aliança com a direita e os patrões. A célebre frase que passou para história na boca de Rosa Luxemburgo “socialismo ou barbárie” tratava de um momento trágico para a classe trabalhadora internacional. Era quando diante da barbárie da 1ª guerra mundial, ou seja, de uma guerra imperialista que tinha como objetivo “disputar as riquezas do mundo” entre algumas potências imperialistas, destruindo as forças produtivas de inúmeros países apenas para reafirmar sua dominação. Rosa apontava que esta barbárie não poderia ser enfrentada de outra maneira que não com a força da classe operária internacional em ação. E que, portanto, era criminosa a política da social-democracia alemã de defender a entrada da Alemanha na guerra imperialista para defender seu país contra o mal maior da guerra. Não nos encontramos em tal momento dramático, mas há conclusões a extrair da máxima. Embora não estejamos diante de uma guerra, a sintonia com Rosa está em reconhecer que somente a força independente dos trabalhadores pode preparar o caminho para derrotar a barbárie bolsonarista. E que a frente ampla e o bonapartismo judiciário não têm como propósito, nem como resultado, criar melhores condições para o desenvolvimento dessa força independente, mas sim evitar esse desenvolvimento.

Para além disso, as lições de Rosa Luxemburgo, desde seu frontal enfrentamento ao reformismo e ao eleitoralismo, sempre empunhando a necessidade de uma forte auto-organização da classe trabalhadora, enriquecem muito a perspectiva que precisamos refletir para hoje. Considerar o desenvolvimento de fenômenos de novo tipo da extrema-direita, como é o bolsonarismo, como uma novidade histórica nunca vista antes que, portanto, habilitaria qualquer tipo de política e aliança não encontra bases marxistas para se sustentar. O capitalismo já produziu o fascismo, ou seja, a deliberada política do capital financeiro para o extermínio físico da classe operária e suas instituições de classe e outras aberrações da época imperialista e até mesmo neste caso a política revolucionária nunca foi sucumbir à Frente Popular, ou seja, à aliança com a burguesia. Nosso ódio contra a barbárie capitalista precisa estar em consonância com a caracterização precisa da situação política atual e do próprio fenômeno, para enfrentá-lo à altura. E isso sem ceder aos encantos do discurso reformista que hoje vê na golpista Simone Tebet um “exemplo de mulher” depois que a mesma defendeu com unhas e dentes a reforma trabalhista e por anos os interesses da reacionária bancada ruralista que tanto atacou os povos indígenas e o meio ambiente.

Neste sentido, contra a barbárie bolsonarista é preciso levantar com força as bandeiras da revolução socialista. Não como propaganda sectária, e sim como necessidade vital diante do que está por vir. Isso significa uma política que não somente enfrente os golpistas de hoje como os golpistas de 2016, defendendo o direito de o povo decidir em quem votar sem a tutela militar, e que levante um programa político em consonância com os interesses da classe trabalhadora, rechaçando o autoritarismo judiciário e militar que sustentou e seguirá sustentando a extrema-direita em que pesem seus descontroles. A barbárie bolsonarista é produto desse sistema e de como em nome da proteção dos lucros e da propriedade privada, os capitalistas atacam até mesmo direitos elementares da sua própria democracia burguesa. Por isso, mais do que nunca é necessário um programa socialista para enfrentar esse sistema totalmente irracional, onde num dos países que mais produz carne em todo o mundo milhares de pessoas precisam pegar a fila do osso. Onde latifundiários fazem um dia do fogo produzindo impactos que vão muito além da nuvem de fumaça que fez o dia virar noite a mais de 3 mil km de distância. Um programa socialista para enfrentar um sistema que precisa se manter, ainda mais em tempos de crise, aprofundando a precarização e a exploração da nossa classe, se beneficiando em particular da opressão contra os negros, indígenas, as mulheres e LGBTQIAP+.

Derrotar Bolsonaro e o bolsonarismo irá muito para além das eleições. Estamos lado a lado de todos os que querem com seu voto rechaçar Bolsonaro, mas fazemos um forte chamado a preparar a luta para enfrentar o que nos espera depois dessas eleições. Para a intelectualidade marxista estará o desafio de pensar as ideias que poderão compor a trincheira da nossa classe e para a esquerda estará também o desafio de debater e refletir os caminhos da luta socialista no país enquanto a frente amplíssima em curso quer atuar para um regime mais controlado e domesticado, em base também a desmoralização da classe trabalhadora construída pelas direções burocráticas nos sindicatos e movimentos sociais. O resultado apontará as necessidades vitais para a nossa classe, para cujo desenvolvimento estaremos na primeira fileira de combate.


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Diana Assunção

São Paulo | @dianaassuncaoED
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