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UFMG | Tráfico de cytotec, abortos clandestinos e a realidade das mulheres na Universidade

Há uma semana o jornal O Tempo, de Belo Horizonte, divulgou uma matéria em que denuncia um suposto tráfico de Cytotec – conhecido remédio abortivo, de comércio ilegal no país – na UFMG e na UFV. A reportagem continha detalhes de como a negociação com o traficante foi feita, local, nomes, instruções dadas. Porém, não continha um elemento bastante central: por que jovens estão procurando o Cytotec?

sexta-feira 19 de junho de 2015 | 00:00

Há uma semana o jornal O Tempo, de Minas Gerais, divulgou uma matéria em que denuncia um suposto tráfico de Cytotec – conhecido remédio abortivo, de comércio ilegal no país – na UFMG e na UFV. A reportagem continha detalhes de como a negociação foi feita, local, nomes, instruções dadas. Porém, não continha um elemento bastante central: por que jovens estão procurando o Cytotec?

A realidade brasileira

No Brasil, são realizados cerca de 860 mil abortos clandestinos por ano. Estatísticas dizem que uma em cada cinco mulheres no Brasil já realizou ou realizará um aborto. Minas Gerais é o terceiro estado com maior número de registros de internações decorrentes de complicações por abortos, sendo cerca de 80 mil casos por ano. São 14 mil somente em Belo Horizonte. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), uma mulher brasileira morre a cada dois dias em decorrência de abortos mal feitos, como vimos se escandalizar no ano passado com os casos de Jandira e Elizangela no Rio de Janeiro. A ampla maioria dessas mortes é de mulheres pobres, negras, que já possuem filhos e não possuem condições financeiras para levar adiante uma gravidez. Isso por que um aborto ilegal feito com segurança em uma clínica clandestina pode custar entre R$3mil e R$7mil. Frente a isso, a grande maioria desses procedimentos é feito de maneira precária, com métodos perigosos. Entre esses métodos, o uso do Cytotec é amplo, por ser, dentre os métodos inseguros, o mais seguro, se comparável aos que utilizam a introdução de objetos pontiagudos no útero. Com todos esses elementos que silenciosamente gritam em nossas caras todos os dias em nossa sociedade, a mídia burguesa mineira dedica suas linhas a denunciar o tráfico de um remédio ilegal dentro de universidades públicas, sem nem ao menos problematizar a realidade que leva a esse delito.

Um estudo feito em 2010 apontou que, dentre as estudantes universitárias, a estatística é de 8% que já realizaram um aborto induzido. Outro estudo, do começo da década de 90, já apontava esse número, e acrescenta que entre as funcionárias de universidades, o número sobe para 14%. E é frente a essa realidade que surge a denúncia de venda ilegal de Cytotec nas Universidades Federais de Minas Gerais e de Viçosa.

As políticas do governo levam ao tráfico e às mortes

Entramos esse ano no segundo mandato de Dilma/PT, a primeira mulher a presidir o país. Mesmo após 12 anos de PT, sendo 4 sob o governo de uma mulher, em nada se avançou na legislação a respeito do direito ao aborto, esse direito elementar das mulheres não apenas decidirem sobre seus corpos, mas de se manterem vivas. Não apenas, há diversas tentativas de retrocesso, como o Estatuto do Nascituro, que propõe a retirada do direito ao aborto nos casos em que é legalizado – estupro, risco de vida da mãe e fetos anencéfalos. Mas avança, e muito, a bancada evangélica no parlamento, ganhando expressão e importantes posições, como foi com Marco Feliciano/PSC na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, e é agora com Eduardo Cunha/PMDB, presidente da Câmara, que logo de cara já declarou que ali na câmara a votação sobre a legalização do aborto não passaria “nem por cima de seu cadáver”.

Enquanto isso, o que não avança também é o investimento em educação, como viemos debatendo em vários artigos nesse portal. A “pátria educadora” de Dilma já cortou R$9 bilhões do orçamento do Ministério da Educação (MEC). Logo no começo do ano, várias universidades federais já começaram a declarar que a crise havia batido à porta, e alguns cortes seriam necessários. Como é de se esperar, os primeiros a sentir esses cortes foram os trabalhadores terceirizados – ampla maioria negros e mulheres – que foram demitidos, e os estudantes de baixa renda, que perderam ou sentiram o atraso de suas bolsas. Isso além dos já baixos salários dos terceirizados e a precária assistência estudantil quase inexistente. Na UFMG, por exemplo, a moradia estudantil é paga pelos estudantes “beneficiados” e uma estudante que engravida não pode continuar morando lá.

Não há uma creche gratuita para todos os filhos das estudantes e trabalhadoras. São poucas as estudantes que conseguem conciliar estudo e maternidade, tendo muitas vezes que ter uma jornada a mais trabalhando para garantir sua permanência na universidade e a criação de seu filho, e menor ainda é a assistência garantida à essas estudantes. Entre as trabalhadoras efetivas e terceirizadas, essa dupla ou tripla jornada de trabalho (emprego, maternidade e serviços domésticos) já é realidade entre a maioria, assim como a falta de vagas na creche.

Frente a isso, qual opção tem uma estudante que engravida? Qual opção tem uma trabalhadora terceirizada que engravida? Abandonam seus cursos, perdem seus empregos. Não podem escolher ser mãe e estudar, ser mãe e trabalhar.

Porém, também não podem escolher não serem mães. Pois a atual legislação as obriga a serem mães ao manter o aborto na ilegalidade, mas não dá nenhuma condição para que essa maternidade se concretize com qualidade, pois não há saúde de qualidade, creches e escolas públicas com vagas para todos, além do risco de demissão ou ter que abandonar seus cursos. E as reitorias, aliadas ao governo federal, não apenas não dão condições, como retiram, ao não permitir os filhos de estudantes nas moradias estudantis (como acontece na maioria das moradias), expulsar da moradia estudantil estudantes que engravidam e não garantir creche para todos os filhos das estudantes e trabalhadoras, efetivas e terceirizadas. Frente a essa situação, essas mulheres acabam recorrendo ao aborto clandestino, muitas vezes tendo acesso ao Cytotec dentro da própria universidade.

O que a reportagem do jornal O Tempo se calou ao denunciar o tráfico de Cytotec, é que a única maneira de acabar com esse comércio é legalizando o direito ao aborto e criando condições reais para o exercício da maternidade. E essa pauta, tão histórica e latente às mulheres, deve ser assumida também pela juventude, o Movimento Estudantil e de trabalhadores. É urgente lutar pela legalização do aborto, mas também pelas condições seguras e gratuitas desse procedimento, que ele seja garantido pelo SUS. Mais que isso, é fundamental que o SUS seja controlado pelas trabalhadoras e trabalhadores da saúde e seus usuários, que são os que realmente sabem quais as necessidades do serviço público de saúde.

Assim como devemos lutar até o fim pelo direito à permanência estudantil de qualidade à todos estudantes que necessitam, com especial atenção às estudantes mães, garantindo condições para que mantenham seus estudos, com garantia de creche com vagas para os filhos de todas estudantes e trabalhadoras efetivas e terceirizadas. Além disso, defender o fim do trabalho terceirizado e a efetivação imediata de todas trabalhadoras e trabalhadores terceirizados é condição para que essas trabalhadoras, quando engravidam, possam usufruir de seus direitos sem o risco de serem demitidas.

É necessário o fortalecimento de um movimento estudantil, aliado às trabalhadoras e trabalhadores, efetivos e terceirizados, que se coloque na linha frente da luta pelos direitos das mulheres!




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