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Trajetória do clã Arraes-Campos: do reformismo desenvolvimentista à uma oligarquia golpista

Gabriel Girão

Trajetória do clã Arraes-Campos: do reformismo desenvolvimentista à uma oligarquia golpista

Gabriel Girão

Nesse texto, buscaremos entender brevemente o surgimento da oligarquia familiar que hoje se apodera da política do estado de Pernambuco, assim como de seu partido “próprio”, o PSB, que esteve na linha de frente do golpe institucional de 2016 e de aprovar ataques aos trabalhadores.

O final da década de 50 e início da década de 60 foi um período que ocorreu processos muito profundos da luta de classe no país. Se por um lado havia fortes greves e mobilizações de trabalhadores, houve também ações de grupos fascistas e tentativas de golpes contrarrevolucionários, como o que se consumou em 64. Esse período também foi marcado pela emergência de forças burguesas nacional-desenvolvimentistas, como por exemplo Jango e Brizola.

Além dos trabalhadores da cidade, os operários rurais e pequenos camponeses também se mobilizaram – os primeiros nos sindicatos rurais e os últimos se organizaram no que ficou conhecido como Ligas Camponesas. O epicentro dessa mobilização rural foi no Nordeste e, mais especificamente, em Pernambuco. As ligas foram fundadas em 1945 no Recife, mas sua primeira “grande ação” foi em 1954, no Engenho da Galiléia, no município de Vitória de Santo Antão, onde formam a Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco (SAPPP). Além de tomadas de terras pelos camponeses, também ocorreram fortes greves dos operários rurais, principalmente das usinas de cana, contra a alta exploração do trabalho, numa época em que não era garantido nenhum direito a esses trabalhadores. Essas mobilizações, além de muitas vezes serem reprimidas oficialmente pelo Estado, eram muitas vezes também reprimidas pelos jagunços, o que radicaliza o movimento e obriga que os camponeses tivessem que pegar em armas.

É nesse contexto que emerge Miguel Arraes. Filho de fazendeiros cearenses abastados, Miguel também tinha na família figuras políticas bem coronelistas, como José Alencar, que foi prefeito de sua cidade natal Araripe e era famoso por seu coronelismo [1]. Formado em Direito, começou a trabalhar no Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) no fim da década de 30. O IAA foi um instituto criado por Vargas para auxiliar os grandes usineiros nordestinos, principalmente os pernambucanos.

Em 1948, Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho, que tinha sido diretor do IAA quando Miguel trabalhava lá, ganha as eleições para governador do estado e Arraes se torna seu Secretário de Fazenda. Nas eleições seguintes, Miguel Arraes se elege deputado estadual, tendo conseguido a reeleição na eleição seguinte. Em 1959, se torna Secretário de Fazenda do governador de Pernambuco recém eleito, Cid Sampaio, um usineiro e também industrial que foi presidente do Centro das Indústrias de Pernambuco e que na ditadura se filiou ao Arena.

Como se vê, a primeira fase da vida política de Miguel Arraes foi bem próxima aos políticos burgueses bem tradicionais e inclusive às oligarquias usineiras.

Em 1959, no marco do aumento das mobilizações camponesas no estado, ganha a prefeitura. Nesse contexto, a gestão da prefeitura é onde começa a fase mais “progressista” de Arraes, onde, por exemplo, realiza algumas políticas sociais. Além disso, também dá apoio ao projeto de alfabetização de Paulo Freire e aos projetos do Movimento de Cultura Popular (MCP) da UNE.

É em 1962, quando as mobilizações rurais atingiam ápices de radicalização, que Arraes é eleito governador, assumindo em 1963. Também nesse ano, é aprovado - fruto da luta dos trabalhadores rurais - o Estatuto do Trabalhador Rural. Na situação convulsiva do pré-golpe, o governo de Arraes teve que desenvolver algumas políticas sociais e também pelo Acordo do Campo, que implementou uma tabela de remuneração das diversas funções nos canaviais e também um salário mínimo a esses trabalhadores.

As lutas rurais no Brasil e especialmente no Nordeste era algo que preocupava bastante as elites nacionais e internacionais. Com a revolução cubana ocorrida em seu quinta recentemente, o imperialismo americano prestava bastante atenção ao que ocorria no Brasil. Em 1961, a emissora americana American Broadcasting Company (ABC) fez um documentário chamado The Troubled Land (A Terra Problemática, em tradução livre), onde retrata a situação rural no Nordeste e também as lutas que estavam ocorrendo [2]. E também apoiam a política dos Acordos do Campo, aprovando inclusive uma medida no Senado que permitia que os EUA comprassem açúcar mais caro do Brasil para garantir essa política, como demonstrado por Henrique Levy em seu artigo "Os acordos do campo de Miguel Arraes: Notas sobre alianças de classe na história contemporânea." [3].

Foi nesta correlação de forças particular, no auge do ascenso das ligas camponesas e da luta dos operários rurais, que questionavam o grande latifúndio e a propriedade dos barões agrários, Arraes ergue-se sobre o governo de Pernambuco com um espécie de árbitro que busca mediar os conflitos de classes e atenuando uma possível ruptura com a estrutura agrária baseada no latifúndio e na grande propriedade privada, oferecendo concessões para os trabalhadores do campo, mas sem alterar e ameaçar o essencial da estrutura econômica e política das oligarquias dos engenhos e usineiros pernambucanos.

Neste sentido, houve também a proliferação das Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJ), que eram órgãos da justiça de trabalho e muitas vezes resolviam conflitos entre os fazendeiros e os trabalhadores. Por outro lado, também diminuiu a repressão às mobilizações operárias e dos camponeses. Apesar das concessões, era comum que os fazendeiros não cumprissem a legislação e as decisões judiciais favoráveis aos trabalhadores sem a ação do Estado, o que impulsiona várias greves desses setores. Além disso, muitos dos assassinatos cometidos pelos jagunços também ficaram impunes. E, mesmo que a repressão geral tenha diminuído ao movimento operário e camponês, teve um grupo que foi especialmente perseguido por Arraes, conforme mostra Antônio Callado em seu livro “Tempos de Arraes”: o PORT, o grupo trotskista que atuava nas terras brasileiras que, apesar de seu pequeno tamanho, constituía a ala mais radical do movimento e que teve vários integrantes presos pelo governo, além do expressivo caso da morte de Jeremias, jovem militante trotskista, que defendia os trabalhadores rurais no que ficou conhecida como “Chacina do Engenho Oriente”, a mando dos latifundiários durante o governo Arraes. [4]

Golpe Militar e início da Nova República

Apesar dos limites descritos, as concessões do governo fazem com que a oposição por parte dos usineiros ao governo de Arraes crescesse continuamente. Além disso, a luta de classes faz com que muitos desses se alinhem com as forças golpistas. Finalmente, com o golpe dos militares, Arraes é deposto e preso. Em 1965 consegue um habeas corpus e após ser solto se exila na Argélia, retornando ao Brasil apenas após a anistia.

De volta ao Brasil se filia ao PMDB, indo para o PSB apenas em 1990, devido às disputas internas contra seu antigo aliado, Jarbas Vasconcelos, que atualmente é senador pelo estado. Se elege governador do estado duas vezes, em 1986 e depois em 1994. Em 1990 se elege deputado federal, com mais de 300 mil votos, atingindo a marca de maior votação para um deputado federal no Brasil até então. Dentro do partido, seu grupo chega a assumir a presidência, mas após as derrotas regionais perde para o grupo de Garotinho, no Rio de Janeiro.

Se durante um período de luta de classes mais aguda o reformismo de Arraes tinha limites como expomos acima, os seus governos no pós ditadura, num período onde a luta de classes era menor, vão aumentar os traços de decadência. Arraes, carregando o capital político de seu primeiro governo lembrado com simpatia por trabalhadores e camponeses, irá selar acordos e conformar um novo pacto com as elites locais.

O governador amplia o leque de alianças com amplos setores de direita, inclusive membros egressos da ARENA que apoiaram a ditadura e integrantes de famosas oligarquias, como a família Coelho, que tem como principal figura o antigo líder do governo Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra Coelho. . Apesar de uma tentatova de reedição dos "Acordos do Campo", com sua segunda versão, esse acaba sendo bem mais limitado, focando mais na eletrificação e alguns programas sociais, como o programa chapéu de palha e financiamento para compra de gado. Além disso, começa com práticas nepotistas e familistas, típicas das oligarquias, lançando na política seu neto Eduardo Campos, que assume como chefe de gabinete.

Essa conciliação não impede que a direita o ataque. Entre 1995 e 97 há a CPI dos Títulos Públicos no Senado, que desgasta muito o governo com o escândalo dos precatórios. Posteriormente, Miguel Arraes foi inocentado no STF. Além disso, em 1997 há um motim policial contra o governo. Com o desgaste, Arraes perde a reeleição e posteriormente seu grupo perde a disputa interna da presidência do PSB para o grupo do carioca Garotinho.

A sucessão oligárquica

É nesse descenso de Arraes, somado à sua idade avançada, que Eduardo Campos começa aparecer como seu sucessor. No entanto, não busca se apoiar na imagem “de esquerda” do avô, pelo contrário, tenta aparecer como um “político profissional”, formado em economia.

O “reerguimento” da família vem em 2004, quando Eduardo Campos é convidado para o Ministério da Ciência e Tecnologia no Governo Lula. Em 2003, o clã Arraes-Campos já tinha retomado o controle do PSB após a expulsão de Garotinho. Em 2005 Arraes morre e Eduardo Campos toma a liderança do clã e se elege governador do estado em 2006.

Eduardo, então, amplifica o curso à direita na política de Miguel, ampliando mais ainda o arco de alianças. O próprio PSB vai se tornando também o partido em que muitas oligarquias estaduais e regionais vão se refugiar. Além disso, com um governo totalmente pró-empresarial, Eduardo irá contar com o apoio de muitos grandes empresários e donos dos meios de comunicação.

Além disso, Eduardo Campos também irá fazer políticas típicas das oligarquias tradicionais, aparelhando o PSB e também buscando colocar seus aliados nos cargos estatais. Dessa forma, o PSB vai utilizar a máquina pública e os métodos mais oligárquicos para se perpetuar no poder. Não à toa, Paulo Câmara é o quarto mandato consecutivo no governo estadual do PSB e João Campos, filho de Eduardo é o segundo. As eleições do ano passado foram uma grande mostra disso, com João Campos utilizando métodos de fake News bolsonaristas na campanha contra sua própria prima, Marília Arraes, que hoje se encontra no também golpista Solidariedade para a disputa do Palácio das Princesas. Essa disputa entre primos também mostra os traços familistas do clã.
Outra marca típica das oligarquias é seu fisiologismo político. E podemos dizer que esse aspecto também o PSB vem adquirindo das oligarquias tradicionais. Após conseguirem uma ascensão durante o governo Lula, e também conseguir uma grande popularidade no estado, em 2013, o PSB rompe com Lula para ir à direita, se colocando como uma ‘nova política’.

E o que é essa tal ‘nova política’ do PSB? Em 2014, vai aceitar a neoliberal Marina como vice, que assume o cargo principal após a morte de Eduardo. No segundo turno, apoiam Aécio, fazendo inclusive palanques juntos. E em 2016 - quando o partido já era presidido pelo atual presidente da sigla, Carlos Siqueira, apoiam o golpe institucional, votando de forma quase unânime a favor do impeachment, com 29 dos 32 deputados federais. Para piorar, ficaram famosos discursos “inflamados” repetidos todas as reacionarices ditas à época para justificar o golpe, como por exemplo do atual candidato ao governo de Pernambuco, Danilo Cabral.

Aprofundando o curso à direita, vão fazer parte da base de apoio do governo Temer até maio de 2017. Como resultado disso, dão 14 votos a favor da reforma trabalhista, o que representava 47% dos deputados presentes na votação.

Mesmo formalmente sendo oposição ao governo Bolsonaro, a bancada do PSB vai dar 11 de seus 31 votos a favor da reforma da previdência em 2019, ou seja mais de um terço da bancada. Além disso, onde estavam à frente do executivo, vão prontamente implementar essa reforma na esfera estadual e municipal. Em alguns casos, como na prefeitura do Recife, vão implementar modelos mais pesados que o do próprio Guedes.

Como já dissemos antes, a frente do governo do estado de Pernambuco e da capital, utilizam de métodos mais espúrios para se manter no poder. Além disso, são responsáveis por aplicar vários ataques como a reforma da previdência estadual e municipal, por promover remoções, por entregar a cidade para a especulação imobiliária e por fortalecer o aparato repressor com políticas como o Pacto Pela Vida.. Apesar de se colocarem formalmente na oposição ao governo de Bolsonaro, foram também responsáveis pela repressão da manifestação do dia 29/5 do ano passado contra o governo federal que cegou dois trabalhadores. Não satisfeitos, chegaram a promover o PM envolvido na repressão

Se Arraes, inicialmente faz um governo com traços mais reformistas e desenvolvimentistas em uma situação de aguda luta de classes e organização dos trabalhadores agrários e camponeses, constituindo uma correlação de forças defensiva para a oligarquia local de usineiros, vemos que conforme vai passando o tempo esses traços vão sumindo e vão dando espaço a políticas mais claras de alianças com a direita e com as oligarquias reacionárias – que apoiaram a ditadura que perseguiu o próprio Arraes. A partir da liderança de Eduardo Campos, vemos como o clã no controle do PSB, não satisfeito em se aliar com as oligarquias, começa a atuar mais diretamente como uma própria oligarquia, plasmado na política hoje que tem a frente do estado de Pernambuco.

*Artigo revisado e atualizado em 11/06/2022


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