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Exposição | Transversais transgressivas: Madalena Schwartz, Elke Maravilha e Zuzu Angel

Convite à exposição "As metamorfoses: travestis e transformistas na SP dos anos 70", em exibição de 9/2 a 13/6/2021, no Instituto Moreira Sales (IMS) Paulista.

Gabriela De Laurentiisartista, pesquisadora e professora

quinta-feira 18 de fevereiro de 2021 | Edição do dia

Legenda: Retratos feitos na década de 1970. Elisa Mascaro; Hannelone; Suzi Wong; Tony; Elke Maravilha; Tony e gato Flick

Há cinquenta anos a fotógrafa Madalena Schwartz (1921 – 1993), vivendo no edifício Copan, onde também tinha um estúdio, começa a fotografar personagens da noite paulistana. Nasceu na cidade de Budapeste em 1923. Aos onze anos de idade Madalena Schwartz muda-se com a família para a cidade de Buenos Aires onde viveu até em 1960, quando chega a São Paulo e inicia seus estudos de fotografia no Foto Cine Clube Bandeirantes.

As fotografias de Schwartz exploram amplamente a cultura urbana em retratos de importantes artistas como Carlinhos Machado e Rogério de Poly, do grupo de dança Dzi Croquettes, cuja história é roteirizada por Tatiana Issa, (1974) em um filme documental(2009). O trabalho está em exibição no Instituto Moreira Salles de São Paulo na mostra As metamorfoses: travestis e transformistas na SP dos anos 70.

Na mostra é possível ver uma série de retratos de conhecidas figuras da cena artística dissidente, como Ney Matogrosso. Em imagens criadas a partir da dupla exposição, Matogrosso em um ambiente fantástico, em metamorfoses do imaginário que governos ditatoriais insistem em fixar e reduzir. Lembro que, naquele início da década de 1970, o Brasil vivia um dos momentos mais violentos da ditadura civil-militar (1964 –1985).

Elke Maravilha (1945 – 2016) é outra das personagens fotografada por Schwartz. Com a boca escancarada, entre o grito e o sorriso, Elke deixa-se fotografar. A imagem da artista vestida com um maiô preto sentada no chão com as pernas cruzadas e seu grito-sorridente, transportou-me. Recordei que a artista foi detida pela ditadura realizando um protesto relativo à morte de Stuart Angel (1946 – 1971).

Arrancando das paredes do aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, cartazes que estampavam a fotografia do rapaz como procurado, ela grita a verdade: Stuart estava morto. Mataram no quartel da aeronáutica! Militante contra o regime autoritário, o estudante de economia fazia parte da organização política Movimento Revolucionário 8 de outubro (MR8) e, em maio daquele ano, foi sequestrado, torturado e assassinado pelos agentes da ditadura.

A cena descrita faz parte do filme Zuzu Angel (2006), dirigido por Sérgio Rezende. Detida, Maravilha inicia uma repentina performance na qual despe-se e maquia-se exageradamente, a tal ponto que os militares, com medo, a liberam, conta a Zuzu Angel (1921 – 1976), em texto publicado no livro “Eu Zuzu Angel procuro meu filho” (1987).

Contestadora e exímia contadora de histórias, Elke é mestre na auto ficcionalização. Atuou como modelo, atriz, professora, apresentadora, secretária bilíngue, tradutora e por aí segue. Conta ser filha de pai russo e uma mãe alemã, com quem veio para o Brasil aos seis anos em decorrência de perseguições do regime soviético. O embate contra os militares têm motivação política e pessoal, uma vez que Elke é grande amiga e parceira de trabalho de Zuzu Angel.

A costureira – dizem que Angel não gostava do termo estilista – nasceu na cidade Curvelo, em Minas Gerais. Reconhecida como criadora internacional, preocupava-se em criar roupas em medidas mais próximas com a realidade nacional, consolidando-se como importante desenhista.

Em inícios da década de 1960, em um momento em que a indústria da moda se solidificava no Brasil, Angel separa-se do marido em atitudes com ares feministas. Historicamente as mulheres são maioria nos postos operários da indústria têxtil, figurando bem menos como estilistas, fazendo da atuação profissional da brasileira, de partida, uma prática crítica.

No mesmo ano em que Schwartz começa a registrar a cena artística contestadora do centro da cidade de São Paulo, a desenhista realiza um de seus mais notáveis desfiles na residência do cônsul brasileiro em Nova York. International Dateline Collection III ocorre em setembro 1971 após o desaparecimento de seu filho Stuart Angel (1946 – 1971).

O desfile protesto traz uma série de peças estampadas. Em uma delas traz bordado aviões, tanques de guerra, pássaros presos em gaiolas aludindo às prisões e violências – materiais e psíquicas – impostas pelo regime ditatorial, bem como um pequeno anjo, como figuração do filho desaparecido. Os bordados lembram aquele encontrados em roupas de bebês, em uma crítica à violência estatal brasileira. Zuzu Angel morre em um acidente de carro em reconhecido em 2020 pela Judiciário, como crime do Estado brasileiro.

O grito – sorriso de Elke Maravilha ressoa histórias passadas e presentes, em transversais transgressivas.

Legenda: Vista da exposição Madalena Schwartz: As Metamorfoses - Travestis e transformistas na SP dos anos 70

Legenda: Dzi Croquettes

MADALENA SCHWARTZ: As Metamorfoses - Travestis e transformistas na SP dos anos 70
Entrada gratuita, com agendamento prévio pelo site
Necessário uso de máscara

9/2 a 13/6/2021
Terça a domingo, das 12h às 18h. Última entrada às 17h30.
Tempo máximo de permanência em cada visita: 2 horas
O centro cultural funcionará com capacidade reduzida, para que o distanciamento seja respeitado.

IMS Paulista
Galeria 2 - 7º andar
Avenida Paulista, 2424
São Paulo/SP

Gabriela De Laurentiis trabalha como artista, pesquisadora e professora. Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação da FAU-USP, é autora de artigos e do livro Louise Bourgeois e modos feministas de criar (Annablume, 2017), editado em espanhol pela NoLibros (2020).




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