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SEMANÁRIO

Um ano de pandemia: os desafios nas universidades e no movimento estudantil

Odete Assis

Ilustração: Alexandre Miguez

Um ano de pandemia: os desafios nas universidades e no movimento estudantil

Odete Assis

Estamos atravessando o pior momento da crise sanitária, social e econômica em nosso país. Próximos da triste marca de 300 mil mortos e com o sistema de saúde colapsando na maioria dos estados. O Brasil do regime golpista governado por Bolsonaro e os militares só aprofunda os efeitos da crise capitalista. Enquanto os golpistas reabilitam os direitos políticos de Lula, esperar 2022 não é uma opção para aqueles que sofrem com a fome, o desemprego e os efeitos da Covid. Em meio a esse cenário é fundamental refletirmos sobre os desafios do movimento estudantil e o papel das universidades.

Reorganizar nossas forças, combatendo a individualização e fragmentação imposta pelo ensino remoto, lutar contra os ataques de Bolsonaro e do regime do golpe institucional, sem perdão aos golpistas que tanto atacaram a educação e aprovaram reformas contra nossos direitos. Ao invés de esperar 2022, enquanto a fome, o desemprego e o miséria afligem a população é precisa batalhar por uma perspectiva que busque fortalecer a unidade, a auto-organização e o combate às concepções burocráticas para fazer das nossas entidades ferramentas vivas e potentes da aliança entre os estudantes e a classe trabalhadora, na defesa de universidades a serviço do combate à pandemia e da resolução dos problemas da população, contra a lógica produtivista e a serviços dos interesses dos empresários. Contra as absurdas perseguições e a reacionária Lei de Segurança Nacional que vem sendo usada arbitrariamente para prender manifestantes que nomeiam Bolsonaro de genocida.

Essas são algumas das tarefas colocadas para batalhar dentro do movimento estudantil por uma perspectiva que busque se aliar com a luta da classe trabalhadora, das mulheres, negros, indígenas, LGBTs e o conjunto dos movimentos sociais. Se aliando com todos aqueles setores que mostram disposição de resistência diante da divisão entre os de cima. Se apoiando na força da luta negra e das mulheres, uma presença marcante do novo ciclo da luta de classes internacional. Se inspirando nas lutas da juventude do Estado Espanhol, dos jovens trabalhadores da Amazon, das operárias têxteis e da LGBTs contra o golpe em Mianmar, na população paraguaia que se rebela contra a situação da crise sanitária que assola o país. Nossa perspectiva não pode ser perdoar os golpistas e esperar 2022 como propõe Lula e o PT.

Qual o papel das universidades diante de uma crise pandêmica?

A pandemia do coronavírus trouxe uma situação absolutamente nova para diversas gerações. Universidades fechadas, aulas suspensas por meses. Depois, a implementação do ensino remoto de forma totalmente remendada, sem a participação dos estudantes, sem resolver a contradição de que parte importante deles sequer tinha acesso à internet. Com uma enorme precarização do trabalho de professores, técnicos administrativos e demissões e ameaças aos trabalhadores terceirizados. Esse dilema unificou todos os países do mundo e colocou em evidência a reflexão sobre como se daria (e se dá) o ensino e qual seria o papel das universidades nesse momento.

Mas a irracionalidade capitalista foi o que predominou. De um lado a sede de lucro de grandes empresas, como Google, Microsoft, Zoom, entre outras, que viram como a mesma crise que ampliava o sofrimento de milhares, também era uma excelente oportunidade para seus negócios. No Brasil, isso se acentuou pelo caráter das disputas no regime político, que permitiam também se avançar num projeto de maior precarização da educação. De um lado, o negacionismo dos bolsonaristas que desvalorizam a ciência, o conhecimento e as universidades e demonstram inúmeras vezes que querem censurar universidades, ao mesmo tempo que dá mais e mais poder para generais das forças armadas em seu governo.

Do outro, as alas que nos últimos anos avançaram no autoritarismo do regime político, com os governadores golpistas e a direita tradicional, mas também com os atores sem voto como STF e a mídia burguesa, que sem aplicar testes massivos, reconverter a produção, em alguns casos sem sequer fornecer EPIs para os trabalhadores linha de frente, buscava convencer que sua resposta de “fica em casa” era a defesa da ciência contra o negacionismo. Juntos, vieram implementando cortes, reformas e privatizações, que precarizam a educação e a saúde, e ao mesmo tempo rebaixam as condições de vida dos filhos dos trabalhadores. A imagem do jovem com uma bag nas costas é símbolo também dos efeitos das reformas escravizantes.

Mas e aqueles que não podiam ficar em casa porque os patrões ameaçam demissão? Ou porque seu único sustento depende do seu próprio trabalho, como os entregadores de aplicativo? Uma coisa ficou clara: a classe operária que move o mundo e se não fosse o papel dos trabalhadores, a pandemia teria sido ainda pior.

É nesse marco que as universidades mostraram seu potencial, com a produção de respiradores, as pesquisas para desenvolvimento de testes massivos, a capacidade de que todo o conhecimento em desenvolvimento nos laboratórios e salas de aula pudessem se voltar para salvar vidas. No entanto, mais uma vez essa capacidade foi limitada pela contradição de uma sociedade onde o conhecimento e a ciência nunca são neutros, e estão separados da classe trabalhadora e da população, para satisfazer o desejo da classe dominante.

O conhecimento aprisionado pelas patentes é o principal responsável pelo fato de que toda essa criatividade não seja utilizada para um combate mais eficaz à crise. A falta de produção de vacinas é uma triste evidência disso. Enquanto países imperialistas avançam com planos de imunização, continentes inteiros, como a América Latina e África, ficam para trás, nessa corrida baseada em quais Estados podem de fato satisfazer os interesses de monopólios que se valem de estudos e pesquisas secretas. No Brasil, essa crise é aprofundada pela política negacionista de Bolsonaro e pela irresponsabilidade de todo o regime. Ao mesmo tempo em que não temos vacinas, produzimos novas cepas que correm o risco de se espalhar pelo mundo e afetar inclusive o processo de imunização de outros países. A lógica dos lucros capitalistas, sem cooperação internacional alguma, barra o desenvolvimento da ciência.

É fundamental lutarmos pela quebra das patentes, para que os laboratórios das universidades possam produzir vacinas em aliança com os trabalhadores das fábricas farmacêuticas e bioquímicas. Assim como seguir desenvolvendo pesquisas que aprimorem as vacinas diante das novas variantes do vírus. Em uma aliança entre as universidades e os trabalhadores que nas fábricas, nos setores essenciais e de serviços, poderiam planejar como produzir e distribuir as brilhantes ideias que eram pensadas nos laboratórios universitários. Ao contrário disso, vieram os cortes e reduções do orçamento.

Essa política em relação às universidades precisa ser vista como parte do projeto de maior submissão ao imperialismo, de transformar o Brasil na “Fazenda do Mundo”. Quando os governos petistas buscaram ampliar o acesso nas universidades, fizeram isso de acordo com os parâmetros da lógica neoliberal do FMI e do Banco Mundial para educação, proporcionando um enorme crescimento de monopólios privados no ramo. Com o golpe institucional esse mercado passou a ser disputado cada vez mais por monopólios internacionais. Os ataques à educação pública precisam ser entendidos sob essa ótica de manter a subordinação aos interesses imperialistas, com seu projeto baseado no peso social do agronegócio, e da necessidade de buscar uma via de seguir lucrando com a educação.

Tudo isso vem para acompanhar a precarização do trabalho que provoca uma fratura ainda maior na classe trabalhadora, entre aquele setor minoritário que detém o conhecimento e a técnica cada vez mais avançada, de acordo com os ritmos de desindustrialização do país, e aquela massa desempregada ou condenada a empregos precários, para qual o diploma universitário se tornou apenas um papel sem muita utilidade.

Desse ponto de vista manter universidades públicas ou ampliar o acesso é disfuncional para a burguesia. Não somente para sua ala reacionária e negacionista, mas para o conjunto da classe dominante. A questão colocada é qual a nova localização das universidades diante do regime que vai se assentando, e frente aos projetos em disputa pela burguesia, é preciso apresentar um projeto alternativo que responda aos interesses da nossa classe.

O ensino remoto e a lógica produtivista

Ao invés de fomentar discussões, de promover vias de debates que permitissem estudantes, professores e trabalhadores discutir como as universidades poderia cumprir um papel ainda maior na crise, o que vimos foi a imposição de uma forma de ensino totalmente sem preparação, em diversos casos de forma bastante autoritária por parte das reitorias. Afinal a estrutura de poder que hoje organiza a maioria das universidades foi pensada justamente para que o poder de decisão estivesse concentrado em uma pequena minoria. Especialmente de uma casta burocrática que faz das universidades um espaço de manutenção dos seus próprios privilégios, em conselhos universitários onde empresários da indústria, do agronegócio, do comércio, entre outros, têm mais poder de decisão que os estudantes, a maioria da comunidade universitária.

Bolsonaro buscou atacar a autonomia universitária nomeando diversos interventores, e mais recentemente se utilizando da Lei de Segurança Nacional, essa herança maldita da ditadura, para perseguir professores e estudantes que se colocam em oposição e seu governo. Tudo isso se deu, com ele se apoiando na própria estrutura de poder antidemocrática para impor reitores mais alinhados com suas visões políticas e ideológicas. Por isso, nossa defesa da autonomia universitária contra os interventores bolsonaristas e pelo fim da LSN precisa vir acompanhada da apresentação de um outro projeto de universidade, da batalha por novas assembleias estatuintes livres e soberanas onde possamos decidir como devem ser organizadas as universidades, sem reitores ou representantes das empresas e com poder de decisão inclusive para os trabalhadores terceirizados, que permitem o funcionamento estrutural das universidades em condições precarizadas.

A fragmentação e desorganização imposta pela pandemia foi um fator que impediu que uma parcela dos estudantes pudesse conduzir sua indignação contra a falta de condições para seguirem estudando, diante da falta de permanência estudantil que garantisse as condições básicas como internet, moradia e alimentação saudável. Mas também do próprio caráter do ensino remoto, que transpunha mecanicamente cursos pensados para ensino presencial para um modelo virtual sem qualquer preparação, obrigando professores a dobrarem seus trabalhos e os estudantes a terem que se virar para dar conta dos conteúdos.

A prioridade foi seguir os parâmetros meritocráticos, produtivistas e a lógica de que a universidade e a produção de conhecimento pode se dar em separado daqueles que fazem a sociedade funcionar, a classe trabalhadora. Justamente por isso, foram os filhos dos trabalhadores, os jovens que sem permanência estudantil, com trabalhos precários incompatíveis com o ritmo do ERE, os que mais foram obrigados a desistir do sonho de se formar na faculdade, a trancar ou abandonar seus cursos. E os casos de doenças psicológicas, de ansiedade e depressão aumentam ainda mais como reflexo dessa lógica irracional. Imaginem prestar um vestibular, como o Enem, esse filtro social e racial que ainda barra milhões da universidade todos os anos, enquanto familiares morriam, sem poder assistir às aulas propriamente, estando em empregos precários.

Qual o balanço do movimento estudantil no último período?

Pensar esse balanço, sem debater o papel do movimento estudantil, especialmente sem discutir o papel das direções burocráticas que hoje estão à frente de entidades como a UNE, seria um grande erro. A fragmentação existe, a pandemia dificultou as possibilidades de organização, muitos estudantes sequer tiveram a oportunidade de conhecer o movimento estudantil, de entender seu papel dentro e fora das universidades e retomar sua tradição, que foi marcante em vários momentos da história do nosso país e internacionalmente. Entender como chegamos nesse cenário, onde as disputas entre os grandes atores da política burguesa é o que predomina, e apesar da disposição de resistência, as lutas da classe operária, dos movimentos sociais e da juventude ainda não são um fator de peso para influenciar na conjuntura passa necessariamente por debater a responsabilidade das burocracias, sindicais e estudantis nesse processo.

Nesse ponto do artigo concentramos nosso debate com a União Nacional dos Estudantes e as correntes que a dirigem, a começar pela União da Juventude Socialista (UJS-PCdoB), as juventudes do PT e o Levante Popular da Juventude que compõe a direção majoritária da entidade. E posteriormente com o papel dos setores que fazem oposição de esquerda a essa direção burocrática.

Nesse um ano de pandemia a maioria dos DCEs, DAs e CAs foram se tornando “ouvidorias do EAD”, construindo a ilusão de que levando adiante uma intermediação entre os estudantes e as reitorias ou direções das faculdades seriam capazes de garantir as necessidades dos estudantes, o que não se deu. Foi se aprofundando uma concepção que busca canalizar a disposição dos estudantes para disputas no âmbito institucional, na contramão da nossa organização. O papel do PT e PCdoB como direções majoritárias dessas entidades é justamente esse: o de conter a mínima indignação que possa existir, diante de todo caos que foi esse processo, para uma lógica de aposta parlamentar. Chamando atos e “dias de luta” que pouco ultrapassam o universo das redes sociais, e sequer foram verdadeiramente construídos para que o conjunto dos estudantes pudessem ter o protagonismo na tomada de decisões.

Ao invés de potencializar o papel do movimento estudantil, que sempre demonstrou em inúmeros momentos da história como pode ser caixa de ressonância das profundas contradições sociais do capitalismo, esses partidos e organizações atuaram para que nossa força ficasse subordinada a sua estratégia de pressão parlamentar e institucional para diminuir a intensidade dos ataques, enquanto novas taxas de evasão eram atingidas.

As correntes que atuam no interior do movimento estudantil fazendo oposição pela esquerda a esses setores, como juventudes do PSOL, a UJC, a Correnteza e o PSTU não foram capazes de ter uma política alternativa que buscasse unificar os estudantes descontentes com a lógica burocrática da majoritária da UNE, buscando conformar um polo antiburocrático que aglutinando os setores de oposição numa batalha comum para que nossas entidades pudessem ir além dos limites de uma luta institucional, fortalecendo especialmente a auto organização dos estudantes. E como parte desse processo promovendo debates onde também pudéssemos debater nossas diferenças políticas e programáticas para avançar na construção de um movimento estudantil combativo, antiburocrático e aliado aos trabalhadores. Ao invés disso, o que vimos em muitas ocasiões foi uma adaptação a lógica da direção majoritária, como na defesa do impeachment que levaria Mourão ao poder.

Nós, da Faísca Anticapitalista e Revolucionária, que juntamente com independentes somos parte das gestões do CAELL e CAPPF na USP, do CASS na UERJ, do CADI e CATC na UFRGS, do CAFCA e da representação estudantil das Artes Visuais na UFMG, e ala minoritária na gestão do CACH da Unicamp, buscamos em cada ação nossa defender essa outra concepção de movimento estudantil. Defendemos cada direito dos estudantes diante da imposição do ERE, estimulando a auto organização com assembleias e reuniões. Sempre combatendo Bolsonaro e o regime do golpe institucional, defendendo a educação e a saúde, exigindo a vacinação para todos.

Estivemos lado a lado das lutas dos trabalhadores da saúde nos hospitais universitários, das trabalhadoras terceirizadas ameaçadas de demissão ou obrigadas a seguir trabalhando mesmo sem as aulas presenciais, dos trabalhadores da Ford diante do fechamento das fábricas, das educadoras contra o retorno inseguro das aulas presenciais. Apoiamos os movimentos sociais, como as famílias da Ocupação Buracanã contra a reitoria da USP e o prefeito de São Paulo. Estivemos na luta por Justiça por Mari Ferrer e por Nego Beto. Nos embandeiramos das experiências internacionais da luta de classes, como a vibrante luta multiracial em defesa das vidas negras e contra a violência policial nos EUA, a maré verde pela legalização do direito ao aborto na Argentina, a luta da juventude do Estado Espanhol contra a monarquia, e a impressionante resistência da classe trabalhadora de Mianmar contra o golpe militar naquele país.

Em cada um desses processos buscamos discutir com os setores da oposição de esquerda quais medidas poderiam levar em comum para exigir que as burocracias do PT e UJS-PCdoB rompam sua paralisia e organizem de fato os estudantes. Uma batalha que segue na primeira ordem dos desafios do movimento estudantil e para isso dedicaremos nossas forças no próximo período. Como estamos fazendo diante da necessidade de unificar o calendário de luta dos estudantes e das centrais sindicais para lutar contra Bolsonaro, os golpistas e a reacionária LSN.


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Odete Assis

Mestranda em Literatura Brasileira na UFMG
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