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IMPUNIDADE E ARBITRARIEDADE NA JUSTIÇA
Pais de vítimas da boate Kiss são processados e responsáveis pelas 242 mortes seguem impunes
Barbara Tavares

Familiares são acusados de calúnia e difamação por realizarem críticas e fazerem cobranças à atuação do Ministério Público na investigação das causas e responsáveis pela tragédia que matou 242 jovens na boate Kiss, em Santa Maria, Rio Grande do Sul.

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A mesma justiça seletiva que condena há mais de três anos de prisão uma mulher grávida que furtou de um mercado, ao passo em que concede imunidade para executivos envolvidos na Lava-Jato acusados de corrupção e lavagem de dinheiro, agora processa pais de vítimas no incêndio da boate Kiss, ao mesmo tempo em que ninguém é responsabilizado pela tragédia que chocou o país e marca até hoje a cidade gaúcha de Santa Maria.

Paulo Carvalho (pai de Rafael, morto aos 32 anos) está sendo processado por calúnia e difamação pelos promotores Joel Dutra e Maurício Trevisan. Paulo declarou que há protecionismo e corporativismo no Ministério Público, e que a instituição não tomou nenhuma atitude contra os servidores municipais indiciados pela polícia. Para os promotores, no entanto, não há motivos para processar aqueles que sabiam que a boate funcionava em condições precárias e inadequadas de segurança, e o arquivamento parcial do inquérito contra tais funcionários é o correto a se fazer. No entanto, os pais que perderam seus filhos queimados, pisoteados e sufocados no incêndio da boate é que devem ser processados e punidos por cobrar respostas das autoridades. “É uma indecência”, diz o pai revoltado, que está aguardando a sentença do juiz em seu processo que deve sair até o final desse mês.

Sérgio da Silva e Flávio José Silva, presidente e vice-presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, também estão sendo processados. Dessa vez pelo promotor Ricardo Lozza, o mesmo que havia acompanhado um dos inquéritos, anteriores ao incêndio, que denunciava a boate Kiss por poluição sonora. A denúncia foi considerada correta pelo próprio promotor Lozza, que agora denuncia Sérgio (pai de Augusto, 20 anos) e Flávio (pai de Andrielle, 22 anos) também por calúnia, atribuindo a eles a responsabilidade pelos cartazes nos quais uma foto sua acompanhava a frase: “o Ministério Público e seus promotores também sabiam que a boate estava funcionando de forma irregular”.

“O promotor Lozza tinha conhecimento de que a boate Kiss funcionava irregularmente desde 2009, mas nunca tomou nenhuma providência”, disse Flávio. “Eu me sinto marginalizado, sou execrado por uma instituição que deveria zelar pelo cidadão”. Sabemos que a justiça burguesa não zela pela população, mas se coloca ao lado dos ricos, patrões e empresários. Políticos flagrados negociando propina e suborno são absolvidos, condenados da Lava Jato são colocados em prisões domiciliares em suas mansões, executivos fazem acordo de delações premiadas e são isentos de qualquer pena por seus crimes milionários, já a juventude pobre e negra é encarcerada em massa e em muitos casos sem nenhum julgamento (os presos "provisórios" que aguardam a decisão da justiça atrás das grades) a exemplo de Rafael Braga, condenado a 11 anos e três meses de prisão além do pagamento de R$ 1.687,00 a justiça, por portar uma garrafa de pinho sol, seu instrumento de trabalho. Essa gritante diferença de tratamento entre diferentes casos escancara o caráter burguês, racista e seletivo da justiça.

O Ministério Público ofereceu um "acordo" aos pais processados semelhante à pena recebida por Thor Batista, filho de Eike Batista, por dirigir em alta velocidade, atropelar e matar o trabalhador ajudante de caminhão Wanderson Pereira dos Santos. Com a diferença de que Thor foi absolvido dois anos depois pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), ficando, assim, impune. A proposta feita aos pais das vítimas da Kiss envolve o pagamento de um salário mínimo, doações de cestas básicas a casas de caridade e retratação pública. Além disso, pais teriam a obrigatoriedade de se apresentar à Justiça a cada três meses, tal qual ex-presidiários em cumprimento de liberdade condicional, pelo período de dois anos.

Defendendo-se do processo movido por Lozza, os dois pais requisitaram à Justiça o direito à exceção da verdade para provar que estão falando a verdade, mas o pedido foi negado por vinte desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Diante disso é quase dado como certo que Flávio e Sérgio recebam sentença condenatória.

Também Irá Marta Beuren (mãe de Silvio Bauren Junior) está sendo acionada judicialmente. Assim como nos outros casos, por calúnia, e acrescida de difamação e falsidade ideológica. Quem a processa é o promotor aposentado João Marcos Adede y Castro, e seu filho, o advogado Ricardo Luís Schultz. Ela denunciou o fato de Ricardo ter se tornado advogado da Kiss após a aposentadoria do pai, que atuava ainda na promotoria quando, ainda antes do incêndio, a boate começou a ser investigada pelo MP por outros motivos.

Até agora respondem pela tragédia ocorrida na boate os dois proprietários da casa e mais dois músicos da banda que se apresentava naquela noite. Ambos aguardam julgamento em liberdade. Aparentemente, para a justiça é mais urgente processar e condenar os pais que protestam contra a impunidade. Nenhuma confiança nessa justiça que, ainda que informalmente, já chegou inclusive a responsabilizar até as próprias vítimas, acusando-os de serem culpados por suas mortes, uma vez que estariam consumindo bebida alcoólica e por conta disso não conseguiram sair da boate em chamas.

Está cada vez mais claro que a justiça burguesa não serve e nem nunca serviu aos interesses da população. É uma justiça seletiva, que sempre trabalha pelos interesses dos empresários e do lucro capitalista. A única saída possível é através da luta da classe trabalhadora e do povo pobre, através dessa luta impor uma nova Assembleia Constituinte, livre e soberana, para que possamos tomar a política e a justiça em nossas mãos, revogar todas as reformas, julgar todos crimes em júri popular, tornar revogáveis todos os cargos públicos e mudar as regras desse jogo que não nos favorece.

 
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